Economia

STF pode mandar Governo devolver até R$ 76 bi

Supremo Tribunal Federal julgará processo que pode levar governo a devolver impostos que teriam sido cobrados indevidamente

postado em 18/05/2008 09:10
O governo está às voltas com o julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF) do processo que pode gerar o maior prejuízo para as contas públicas na história da Justiça brasileira. Depois de nove anos de protelação, os ministros do STF devem decidir em um mês se é inconstitucional a inclusão do valor do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) na base de cálculo da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins). Se a prática for condenada, a União pode ser obrigada a devolver cerca de R$ 76 bilhões às empresas e arcar com perdas anuais de até R$ 14 bilhões.

É justamente no tamanho do prejuízo que o governo se apóia para tentar convencer os 11 ministros do STF a ceder aos argumentos da Advocacia-Geral da União (AGU) e da Procuradoria- Geral da Fazenda Nacional (PGFN). Como lembra a advogada tributarista Ana Cláudia Queiroz, do escritório Maluly Jr. Advogados, o rombo anual é superior a todo o orçamento do Bolsa Família, principal programa social do governo, que é de R$ 11,3 bilhões. O julgamento de outras ações já mostrou que, quando as perdas para a administração são muito grandes, o STF costuma ser mais receptivo aos argumentos do governo.

A questão chegou ao Supremo em 1999, quando a empresa Auto Americano Distribuidora de Peças recorreu ao tribunal pedindo a exclusão do valor pago em ICMS da base de cálculo da Cofins. No momento de cobrar a contribuição, que leva em conta o faturamento das empresas, a Receita Federal se baseia no valor total das notas fiscais, sem excluir o montante pago em ICMS. A empresa alega que isso constitui o recolhimento de impostos sobre impostos, o que seria vetado pela legislação tributária brasileira. Nas instâncias inferiores, a companhia obteve decisões tanto a favor como contra seu pedido.

Se prevalecesse o entendimento de que a cobrança ;por dentro; é indevida, todas as empresas contribuintes da Cofins poderiam entrar com processos semelhantes, exigindo a devolução dos recursos pagos a mais sob forma de créditos tributários. Na época no STF, o hoje ministro da Defesa, Nelson Jobim, pediu vistas do processo e se aposentou da Corte, sete anos depois, sem apresentar seu voto. O assunto só voltou à tona em agosto de 2006. O governo estava perdendo por 6 a 1, quando um novo pedido de vistas, agora do ministro Gilmar Mendes, interrompeu a análise mais uma vez.

Batalha
Nesse meio tempo, a AGU entrou com uma Ação Direta de Constitucionalidade (ADC) pedindo a declaração da constitucionalidade da cobrança ;por dentro;. O advogado-geral da União, José Antonio Toffoli, alega que essa fórmula faz parte da cultura tributária nacional, pois as empresas não dividem, no faturamento, o valor com e sem o ICMS. ;A verdade é que o governo sabia que iria perder e tentou um novo recurso, que foi a ADC. É mais fácil eles ganharem o processo no julgamento de uma nova ação do que tentar reverter o que já está quase perdido;, diz Ana Cláudia Queiroz.

Na quarta-feira, o STF decidiu julgar a ADC antes do recurso extraordinário da empresa. A aceitação da estratégia do governo foi interpretada nos meios jurídicos como um sinal de que o tribunal pode dar ganho de causa ao governo. O julgamento, porém, mais uma vez foi suspenso por um pedido de vistas do ministro Marco Aurélio Mello. Segundo um advogado da União consultado pelo Correio, mesmo que o Supremo acabe com a cobrança ;por dentro;, pode amenizar os efeitos da decisão.

A rigor, a declaração de inconstitucionalidade retroage, desfazendo tudo o que foi feito com base na norma. Mas a lei 9.868 permitiu que o STF, nos casos de excepcional interesse social e por razões de segurança jurídica, possa determinar que os efeitos da decisão passem a valer do momento do julgamento em diante. Como as perdas para a União seriam muito grandes, afetando programas sociais, os ministros podem invocar essa permissão. Ou seja, o Supremo pode anular o prejuízo passado do governo, que só perderia o fluxo anual da arrecadação, calculado pela Receita em até R$ 14 bilhões.

O ministro da Fazenda, Guido Mantega, não quer correr riscos. Por isso, vem se encontrando separadamente com cada ministro do STF para convencê-los a votar com o governo. A decisão deve sair em um mês.

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