postado em 03/06/2008 08:13
ROMA - Autor do discurso mais esperado da Conferência de Alto Nível da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva fez várias autoridades européias engolirem em seco enquanto ele fazia uma ofensiva direta contra os subsídios agrícolas."Um fator para a alta (do preço) dos alimentos é o intolerável protecionismo com que os países ricos cercam a sua agricultura, atrofiando e desorganizando a produção em outros países, especialmente, os mais pobres.(...).Os subsídios criam dependência, desmantelam estruturas produtivas inteiras, geram fome e pobreza onde poderia haver oportunidade. Já passou da hora de eliminá-los", disse Lula, num recado direto a franceses, italianos, ingleses, norte-americanos.
O presidente se referiu à crise de alimentos como um problema de distribuição que só será resolvido mediante uma mudança de mentalidade por parte de todos. "O Brasil, como potência agrícola, está empenhado em aumentar a sua produção, mas de que adiantará produzir, se os subsídios e o protecionismo tolhem o acesso aos mercados, mutilam a renda e inviabilizam a atividade agrícola sustentável?" declarou o presidente.
Para a platéia formada pelos mais de 100 chefes de estado, inclusive com a presença de países produtores de petróleo, como o primeiro-ministro do Irã, Ahmadinejad, Lula foi enfático ao se referir ao etanol e àqueles que tentam culpar o biocombustível pela alta nos preços dos alimentos. "Vejo com indignação que muitos dos dedos apontados contra a energia limpa dos biocombustíveis estão sujos de óleo e carvão", disse Lula, que tratou o discurso contra o etanol como cortina de fumaça: "Para entender plenamente as verdadeiras razões da atual crise alimentar, é indispensável, portanto, afastar a cortina de fumaça lançada por lobbies poderosos, que pretendem atribuir á produção do etanol a responsabilidade pela recente inflação do preço dos alimentos", afirmou. "Mais do que uma simplificação, trata-se de uma burla que não resiste a uma discussão séria", completou.
"É com espanto que vejo tentativas de criar uma relação de causa e efeito entre os biocombustíveis e o aumento do preço dos alimentos. É curioso: são poucos os que mencionam o impacto negativo do aumento dos preços do petróleo sobre os custos de produção e transporte de alimentos. Esse comportamento não é neutro nem desinteressado", disse.
Ele comparou ainda o álcool de milho com o de cana de açúcar e disse que é contra a produção de etanol a partir de´produtos usados para ração animal. "Não acredito que alguém vá querer encher o tanque do carro com combustível se para isso tiver que ficar de estômago vazio", discursou.
Cancelamento da coletiva de imprensa
Depois de terminado o discurso, em que falou meia hora e foi aplaudido três vezes, Lula cancelou a coletiva que concederia à imprensa internacional. Segundo a assessoria de imprensa do Palácio do Planalto, Lula ficou chateado porque o cerimonial do evento não deixou que ele discursasse antes de José Luis Rodríguez Zapatero, presidente da Espanha.
O problema é que Zapatero atrasou muito para chegar. Lula, então, driblou a imprensa e voltou direto para a embaixada. Segundo a Agência Brasil, o cancelamento da entrevista coletiva foi uma decisão pessoal do presidente brasileiro. De lá, Lula rapidamente partiu para o aeroporto às 14h35 (horário local) ou 9h30 (horário de Brasília), rumo à capital federal. Com ele, no avião, estão o ministro do Desenvolvimento Social, Patrus Ananias, e o ministro da Integração Nacional, Geddel Vieira Lima.
Apesar da afirmação da assessoria do Palácio do Planalto, especula-se que Lula tenha saído para evitar perguntas sobre o desmatamento da Amazônia, depois de vários jornais publicarem dados fornecidos nesta segunda-feira (02/06) pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Há dois dias, ele havia dito à imprensa brasileira que o desmatamento havia sido reduzido. Mas segundo pesquisa do Inpe, 1.123 quilômetros quadrados da Floresta Amazônica sofreram corte raso ou degradação progressiva durante o último mês de abril.