Economia

Entrevista com Cristovam Buarque: salário mínimo de professor é ameaçado pela alta do custo de vida

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postado em 26/07/2008 08:03

Em janeiro do próximo ano, pelo menos 800 mil professores de escolas públicas do ensino básico serão beneficiados com as duas primeiras parcelas do reajuste salarial, que vai unificar o valor mínimo pago aos professores de todo o país. Em janeiro de 2010, quando a terceira prestação for paga, os docentes terão que ganhar, no mínimo, R$ 950 por mês. Apesar de ser uma reivindicação antiga da categoria, a criação de um piso nacional poderá gerar insatisfação em um curto espaço de tempo, segundo o próprio autor do projeto que resultou na Lei n; 11.738, sancionada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva no último dia 16, o senador Cristovam Buarque. O problema, segundo ele, é que com a inflação elevada, o valor rapidamente perderá seu poder de compra. Com as alterações realizadas no Congresso, a lei prevê que o piso seja reajustado anualmente com o mesmo percentual de crescimento do valor mínimo por aluno previsto no orçamento. Como há ameaça de o indexador não acompanhar o aumento do custo de vida no país, as greves podem ser a saída para que os professores garantam reajustes maiores nos salários. ;E agora elas terão mais força;, alerta o senador.

O senador Cristóvam Buarque fala sobre a decadência do ensino público nacional e aponta soluções para a recuperação da rede: Inflação pode matar piso A criação de um piso era reivindicação antiga dos professores. O salário mais alto garante a qualidade do ensino? Não. O salário maior é uma condição necessária, mas não é suficiente. Sem salários mais altos, não vai ter como atrair bons quadros, não vai ter como incentivar a formação, nem a dedicação. Professor é feito de cabeça, coração e bolso. Cabeça bem formada, coração bem motivado e bolso bem remunerado. Mas salário só resolve um ponto. Por isso, o aumento de salário tem que estar vinculado a uma maior formação do professor, maior dedicação e análise dos resultados que ele consegue. E para ter esses resultados, é preciso que ele disponha de equipamentos, tanto os de construção civil, como escola bonita. Hoje, os R$ 950 equivalem a 2,3 salários mínimos, mas em 2010 deverão valer menos de dois salários mínimos. O valor do piso será reajustado anualmente conforme a correção dos valores que são repassados para a educação. Esse é o índice mais adequado para aumentar os salários? Esse não é um reajuste com base em custo de vida, com base em ganhos reais, como hoje tem o salário mínimo. É um reajuste com base apenas em quanto aumenta a transferência para a educação. É a forma que se encontrou para dar o reajuste dentro dos limites previstos para a educação, mas ainda não é o reajuste que a gente precisa para não perder para a inflação. Hoje, o piso de todos os trabalhadores, que é o salário mínimo, já tem uma regra para o reajuste, que prevê aumento conforme o crescimento do PIB (Produto Interno Bruto). Nós precisamos ter, mais adiante, um reajuste conforme a realidade da economia em geral e não conforme apenas os recursos que são enviados para a educação. Até 2010, a inflação pode corroer o reajuste. Há possibilidade de o Congresso Nacional votar uma nova lei, que estipule outros indexadores para vincular ao aumento? Se a inflação vier, mata tudo, começa matando meu piso salarial. A Lei Buarque, como estão chamando aí, perde todo o valor. Estou pensando se apresento ou não um projeto de lei prevendo uma forma de reajuste. Mas hoje eu prefiro lutar para que não tenha inflação. A primeira luta deve ser contra a inflação, a segunda pode ser por uma política de reajuste. Sem a garantia de correção dos valores que garantam a manutenção do poder aquisitivo, as greves podem se tornar o único instrumento de pressão dos professores? Os professores não vão ficar contentes, eles vão sentir uma melhora. Mas, daqui a pouco, não estarão satisfeitos, é natural. É um risco enfrentar greves nacionais, mas eu garanto que ela não vai durar 100 dias, nem 90, nem 60 e talvez nem 30. Uma greve municipal hoje dura meses. Mas é difícil fazer uma greve nacional, quando tiver é porque os professores estarão muito irritados. Criando a carreira federal aí sim, eles vão ganhar mais força. Mas professor precisa ter força. Quando um banco faz greve, só dura dois, três dias. Quando um professor faz greve dura dois, três meses. O projeto sancionado pelo presidente Lula pode trazer um novo fantasma de greve para o governo? Se o governo pensar assim é porque não está ligando para a educação. As outras categorias federais fazem greves todos os dias, como auditores, policiais, por que que professor não pode? Mas deveria haver um pacto para não haver greve, ela destrói a educação. Mas com R$ 950 não temos moral para pedir pacto. Defendo um piso mínimo de R$ 4 mil. Com esse valor, dá para propor um pacto com os professores. Como deve ser feita a negociação entre os municípios e o governo para oficializar o repasse dos recursos adicionais? O Brasil é um país com um sistema de informação muito completo. Sabe-se perfeitamente quem pode e quem não pode pagar, quem tem que fazer um esforço maior e quem não tem que fazer esforço. Hoje, com o dinheiro do Fundeb, já é possível cobrir esse piso na maior parte das cidades. É uma questão de ajustar quem recebe mais e quem recebe menos, mas não é difícil. O governo federal sabe quantos professores tem, quanto cada um deles ganha e qual é a receita das prefeituras. Com essas três informações, vai saber onde deve injetar dinheiro.

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