postado em 29/07/2008 11:22
Os ministros de 35 países tentam nesta terça-feira (29/07) aproximar Estados Unidos e Índia para evitar que o tema da proteção dos mercados agrícolas de países em desenvolvimento provoque o naufrágio definitivo das negociações multilaterais de livre comércio.
Vários ministros destacaram ao chegar à reunião na sede da Organização Mundial de Comércio (OMC) em Genebra os riscos de que o dia de hoje - o nono consecutivo de negociações - acabe sem uma solução de compromisso.
Entre EUA e Índia, além da China, o clima é de divergências. Entre os pontos de maior discórdia está o setor do algodão, tanto pelos subsídios que os EUA concedem a seus produtores quanto pela rejeição da China e Índia a reduzir as tarifas que protegem essa plantação. Outro ponto de atrito é o mecanismo de salvaguarda, criado para evitar as importações em massa de produtos agrícolas.
O ministro indiano do Comércio, Kamal Nath, não pareceu particularmente pressionado ao chegar à sede da OMC. "Esta noite tive ótimos sonhos. Estou otimista", comentou. "Os Estados Unidos tentam favorecer seus interesses comerciais, eu tento proteger a vida e a segurança dos agricultores [indianos]." O embaixador da China perante a OMC, Sun Zhenyu, disse por sua vez que o país quer seguir negociando ainda e que os EUA "não mudaram sua posição".
Ontem, o diplomata americano David Shark disse que a Índia e a China colocam em perigo o sucesso da rodada, por terem rejeitado a primeira proposta de acordo feita pelo diretor-geral da OMC, Pascal Lamy. "Infelizmente, uma grande economia emergente, a Índia, rejeitou imediatamente o projeto (de Lamy), após o qual outra grande economia emergente, a China, se afastou dele. Suas ações colocaram em perigo toda a rodada", disse.
A representante comercial americana, Susan Schwab, já havia tocado nesse ponto, embora sem citar nomes. "Um punhado de países emergentes comprometam o delicado equilíbrio (...) Na sexta-feira [25/07] havia espaço para um desenlace bem sucedido; não era perfeito, mas era delicadamente equilibrado e contava com um forte apoio", afirmou. "Infelizmente, um punhado de mercados emergentes decidiram fazer novas reivindicações."
O governo da China rejeitou os argumentos dos EUA em defesa da redução de subsídios ao algodão deve estar vinculada à queda de tarifas de países em desenvolvimento, segundo a agência oficial de notícias Xinhua. "Recentemente, ouvimos certos argumentos absurdos de que a diminuição pelos EUA de subsídios ao algodão que distorcem o comércio dependerá da redução ou inclusive eliminação de tarifas sobre o algodão aplicadas por países em desenvolvimento, incluindo a China", disse o chefe de assuntos da OMC do Ministério do Comércio da China, Zhang Xiangchen.
Ele acrescentou que os EUA não podem discutir com os países em desenvolvimento sobre as tarifas do algodão até que elimine seus subsídios, como pedem os países africanos.
"Por um fio"
O ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, disse ver "as coisas por um fio". "Se não for resolvido [a questão das salvaguardas pedidas pela Índia] isso acaba", disse à agência de notícias France Presse, após uma jornada de trabalho que terminou às 2h da madrugada (horário de Genebra). Ele pediu a todas as partes que "assumam riscos, políticos inclusive", para salvar a Rodada Doha, "porque se isso acabar agora, francamente não vejo como se possa retomar dentro de dois ou três meses, seria uma total ilusão".
O porta-voz da organização, Keith Rockwell, destacou o momento "muito tenso" em que se encontram as negociações; ontem, ele já havia apontado para a falta de tempo para se chegar a um acordo. "Não temos muito tempo. Nosso objetivo é fazer os textos com as revisões circularem hoje e organizar uma reunião amanhã. Algum momento nesse horizonte de tempo terá de ser o adequado", disse. "Provavelmente as delegações dirão que gostariam de ter mais [tempo], mas tempo é uma commodity preciosa e não temos excesso dela." Ao deixar a sede da OMC, o comissário de Comércio da União Européia, Peter Mandelson, mal-humorado, afirmou que "o show continua".
Mais oposição
Não só China e Índia se opõem aos EUA, mas a Venezuela também manifestou insatisfação com o atual estado das negociações. O ministro venezuelano de Indústria e Comércio, William Antonio Contreras, disse ontem que os EUA "fizeram uma acusação muito forte à Índia e à China de estarem bloqueando o acordo, e desconhece que também foi rejeitado por Argentina, Venezuela, Cuba e Nicarágua, entre outros".
A acusação feita por Shark foi "uma atitude midiática, que não tem nada a ver com a realidade" e uma "grosseira com os países em desenvolvimento", disse Contreras. "Nós não estamos aqui para bloquear um acordo, mas para defender nossos interesses e que se cumpra o mandato da rodada, que é a do desenvolvimento", afirmou. "A responsabilidade política do êxito está do lado dos países desenvolvidos."