postado em 10/08/2008 09:19
A onda de crescimento vivenciada pelo Brasil nos últimos anos expôs uma grave fragilidade da economia: a falta de mão-de-obra capacitada. Apesar da forte demanda por trabalhadores, é cada vez menor o número de profissionais qualificados pelo sistema público de emprego, justamente quem deveria auxiliar a população mais carente a conseguir uma oportunidade no mercado. Na terceira e última reportagem da série sobre o sistema, o Correio mostra que, ano passado, quando 5,6 milhões de desempregados se inscreveram no Sistema Nacional de Emprego (Sine), apenas 107.982 pessoas passaram pelos cursos de formação oferecidos pelos programas federais, contingente 22,5% inferior ao de quatro anos atrás.
Para treinar essas pessoas, foram gastos R$ 89,9 milhões. A falta de verba ajuda a explicar por que o volume de profissionais qualificados não chega a 2% do total de desempregados que procuraram ajuda no Sine. Sem a devida qualificação, apenas 980,9 mil desses desocupados conseguiram voltar ao mercado. Significa dizer que, de cada 100 desempregados, somente 17 conseguiram uma vaga. E mesmo quem já passou por algum tipo de capacitação enfrenta dificuldades. O paranaense Rosni Carlos da Silva, 33 anos, mudou-se para Brasília há um mês. Ele conta que já trabalhou como autônomo e servente de obras. Para tentar melhorar de vida, fez um curso de vigilante, mas ainda não conseguiu nada. ;Como ainda recebo seguro-desemprego, posso esperar mais um pouco. Quando o seguro acabar, tenho que procurar outras coisas para fazer.;
Especialista em mercado de trabalho, o professor da Universidade de São Paulo (USP) Hélio Zylberstajn é forte crítico do atual sistema de qualificação. Segundo ele, as entidades que oferecem os cursos de capacitação seguem sua própria capacidade de oferta, sem acompanhar a dinâmica do mercado de trabalho. ;Em geral, quem oferece cursos só abre turmas no que têm a capacidade de fazer, não em relação à demanda;, afirma. ;Além disso, o treinamento de desempregados só funciona se, do outro lado, houver o compromisso de a empresa contratar essas pessoas que estão sendo qualificadas. Caso contrário, elas ficam defasada em muito pouco tempo.;
Integração
Na avaliação do presidente do Ipea, Marcio Pochmann, para a qualificação ter eficiência, seria necessária uma maior interação entre o sistema público de emprego e as empresas. Segundo o economista, em países como Japão e Alemanha, o sistema faz pesquisas periódicas com as empresas para medir a demanda por mão-de-obra. ;Se a economia cresce 5% ao ano, a empresa projeta crescer ;x; por cento. É preciso saber quantas vagas criará e de que profissional precisará;, explica.
Diretor de Qualificação Profissional do Ministério do Trabalho, Marcelo Aguiar reconhece a falta de integração entre os sistemas de intermediação e qualificação. ;No Sine, sobram mais da metade das vagas porque os cursos não são direcionados para a demanda. Hoje, o mercado precisa de garçom, mas qualifica costureiras;, afirma.
Até o ano passado, os cursos só podiam ser criados a partir de demanda vinda de estados, prefeituras, universidades e sindicatos. ;Não era possível saber se a demanda estava adequada;, explica. Após uma mudança na legislação, a União vai definir as prioridades. Agora, será possível saber quais setores estão crescendo em cada estado, com base nos dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados e do Sine. ;O ministério vai poder definir qual demanda atender.;