postado em 20/09/2008 15:23
O professor da FGV-SP Márcio Holland afirmou à Agência Estado que o pacote de ajuda do governo dos EUA delineado ontem (19), que tem como foco assumir ativos ruins do setor privado vinculados ao mercado imobiliário, deve trazer algum efeito positivo para acalmar a forte crise registrada pelo segmento financeiro norte-americano.
Os gastos públicos relativos à ajuda aos bancos de investimento e outras instituições que atuam no setor crédito, que segundo o Secretario do Tesouro, Henry Paulson, deverá atingir "centenas de bilhões de dólares", devem elevar o déficit público de forma expressiva, que atingiu US$ 4,88 trilhões em agosto.
"A contrapartida disso é que o crédito mais escasso e caro deve reduzir o consumo do setor privado, o que deve provocar desaceleração da economia dos EUA, Europa, Japão, China, ou seja, todo o mundo, inclusive o Brasil", disse.
Para o acadêmico, dentro do pacote que precisará ser aprovado pelo Congresso, em Washington, devem ser adotadas medidas regulatórias, necessárias para reduzir o alto endividamento das instituições financeiras. "O governo dos EUA devem adotar regras prudenciais mais severas para conter a alavancagem do crédito", afirmou. "Do contrário, o Fed vai incorrer no erro mais grave possível, o 'moral hazard', o que poderia permitir que problemas semelhantes aos atuais voltem a ocorrer lá na frente."
Na avaliação de Holland, mesmo com o pacote multibilionário de socorro ao setor financeiro, a grande volatilidade nos mercados de ativos pode diminuir um pouco a intensidade no curto prazo, mas mesmo assim tende a manter um nível muito elevado de oscilações bruscas a cada anúncio de dados econômicos relevantes nos EUA.
"O mercado estará sensível a notícias, como a divulgação de balanços de bancos. Não deve haver uma dissipação do choque imediatamente", afirmou. "No médio prazo, o mundo continuará a lançar várias questões: há os preços das commodities, entre elas o petróleo. Além disso, está sendo eliminada a desvalorização do dólar, um dos componentes que ajudavam a conter o déficit de transações correntes", que colaborou para reduzir tal saldo negativo do patamar de 6% para 5% do PIB.
Holland afirmou estar muito preocupado com problemas estruturais da economia norte-americana, que precisarão ser atacados com vigor e se transformar em pontos primordiais da agenda de governo do próximo presidente dos EUA, que tomará posse em janeiro. Um deles é a combinação negativa gerada pelos déficits fiscal e de contas correntes, conhecidos como déficits gêmeos, o que possivelmente pode ser atacado pela redução dos gastos públicos e privados com aumento de juros.
Desconfiança
A outra questão relevante é adotar normas mais severas a fim de diminuir o nível de endividamento das instituições financeiras na compra de ativos e concessão de crédito. "Tais medidas são necessárias, pois o mundo tem desconfiança do sistema financeiro dos EUA. Não é à toa que o governo norte-americano está adotando um novo pacote, pois os bancos não confiam nos próprios bancos", comentou. "O grau de alavancagem e liquidez nos mercados de títulos atingiram patamares excessivos e precisam ser corrigidos",disse.
Na avaliação de Holland, a economia brasileira certamente será afetada pela desaceleração mundial provocada pela crise financeira nos EUA e para ele não é provável que o Brasil voltará a crescer 5% no próximo ano e em 2010. Ele pondera que o juro real estará 1,5 ponto porcentual maior em 2009, o que deve reduzir o ritmo da expansão dos investimentos e como conseqüência do PIB.
A Formação Bruta de Capital Fixo registrou um incremento de 16,2% no segundo trimestre deste ano em relação ao mesmo período de 2007 e foi responsável por boa parte da alta do produto interno bruto de 6,1% apurada pela mesma base de comparação.
Contudo, o acadêmico pondera que o País deve crescer ao menos 3% no ano que vem, pois isso seria fruto da herança da alta do PIB ao redor de 5% em 2008, dado que a inércia positiva da elevação do produto interno bruto para o ano seguinte é de aproximadamente 60%. "Pode até ser possível que o Brasil registre uma expansão de 4,5%, 5% no primeiro semestre do próximo ano, mas a velocidade vai reduzir. É até possível crescer 4% em 2009, mas um patamar acima disso só ocorreria devido a algum fator extraordinário", destacou.