postado em 04/10/2008 09:15
A forte pressão política feita pela Casa Branca e por empresários preocupados com os efeitos negativos da escassez de crédito nos seus negócios acabou surtindo o efeito desejado. Depois de ter rejeitado o multibilionário plano de socorro aos bancos quebrados de Wall Street na segunda-feira, a Câmara dos Deputados norte-americana aprovou ontem a versão revisada do pacote elaborada no Senado. O presidente George W. Bush sancionou as medidas ontem mesmo, antes de partir para o fim de semana em sua casa de campo. Apesar do alívio momentâneo nos meios políticos e financeiros, analistas afirmam que o auxílio é apenas o primeiro passo para resolver a séria crise financeira mundial e que alguns problemas continuarão à espera de solução.
A presidente da Câmara, a democrata Nancy Pelosi, só abriu a votação quando teve certeza da aprovação. O placar apontou uma margem confortável: 263 votos a favor e 171 contra. Eram necessários 218 votos para a aceitação. Os líderes dos dois partidos conseguiram reverter a posição de 58 deputados que haviam rejeitado o projeto no início da semana. Alguns democratas mudaram de idéia depois de conversar com o candidato do partido à Presidência, o senador Barack Obama. A exemplo do que ocorreu na primeira votação na Câmara e no Senado, o governo angariou mais votos na oposição do que entre seus partidários: 172 democratas disseram sim e 63, não. A contabilidade republicana foi de 91 a favor e 108 contra.
;A irresponsabilidade e a falta de regulação criaram o caos. Temos que nos cercar de garantias de que isso não vai acontecer de novo. É preciso fazer uma reforma regulatória no setor financeiro. Não podemos mais pôr em risco as poupanças das famílias;, disse Pelosi depois da votação. Agradecendo ao Congresso pela autorização para usar até US$ 700 bilhões para limpar o balanço dos bancos, Bush justificou o abandono de suas crenças liberais. ;Como forte entusiasta da livre iniciativa, acredito que a intervenção do governo deve ocorrer só quando necessário. Na atual situação, uma ação é claramente necessária;, afirmou. Segundo ele, o trabalho bipartidário vai ajudar a evitar que a crise em Wall Street se espalhe para a economia real, prejudicando todos os cidadãos.
Preço dos créditos
Citando as péssimas estatísticas sobre o emprego divulgadas ontem, Bush reconheceu que ainda será necessário mais tempo e determinação para superar o momento difícil. ;Vamos vencer os sérios desafios, pôr de novo a nação no caminho do crescimento, da criação de empregos e da prosperidade no longo prazo;, prometeu. O secretário do Tesouro, Henry Paulson, e o presidente do Federal Reserve (Fed, o banco central norte-americano), Ben Bernanke, têm 45 dias para regulamentar o pacote, mas já disseram que editarão as normas em até duas semanas. A principal dúvida é sobre como será fixado o preço com que o Tesouro vai adquirir os créditos podres dos bancos, que tiveram origem em empréstimos para a compra da casa própria sem garantias seguras.
Na avaliação do diretor de economia da Federação Brasileira de Bancos (Febraban), Tomás Málaga, o pacote é um primeiro passo para a estabilização do mercado financeiro, mas não resolve a crise. A determinação do Tesouro de comprar os créditos podres dos bancos vai evitar uma queda ainda maior do seu valor. ;O pacote acaba com o derretimento do valor desses papéis, interrompendo a destruição do capital dos bancos que estava ocorrendo. Esses ativos devem voltar a se valorizar;, previu. Segundo ele, entretanto, os bancos só voltarão a ter dinheiro para emprestar a consumidores e empresas quando suas ações ficarem atraentes para novos investidores. Até que a capitalização seja feita, as restrições de crédito devem continuar.
Para Málaga, a economia real dos Estados Unidos está comprometida e uma recuperação só virá depois da retomada do fluxo do crédito e após o governo criar mais incentivos ao crescimento. O Fed poderia ajudar reduzindo a taxa básica de juros nos próximos meses. Hoje, ela está em 2%, num nível que já estimula a economia, considerando-se a inflação por volta de 4%. Nas estimativas do analista, o renascimento econômico dos EUA não virá antes que se passe pelo menos um ano. ;Quanto mais o governo demorar a regulamentar o pacote e o colocar em prática, mais setores serão prejudicados pela falta de crédito e maior será o buraco;, disse.
Perdas adicionais
O economista-chefe do banco HSBC, André Loes, acredita que o superpacote será bem-sucedido em interromper a queda irracional do valor dos títulos, mas só o tempo dirá se conseguirá restaurar a confiança dos investidores no setor financeiro. Loes chamou a atenção para o fato de que os bancos terão perdas adicionais quando o Tesouro estipular o preço dos papéis, pois alguns desses créditos nem têm valor de mercado. ;Quando a poeira baixar, veremos como ficou o nível de alavancagem dos bancos (a proporção entre empréstimos concedidos e capital bancário), o tamanho das perdas e se haverá de fato capitalização;, constatou.
Antes que a real situação das instituições financeiras fique clara, o crédito deve continuar escasso, afirmou Loes. Enquanto isso, o Fed deve continuar salvando o fechamento diário dos bancos por meio de empréstimos de curto prazo e o mercado permanecerá nervoso. ;O pacote deve evitar o pânico irracional;, apostou.
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