Economia

Economista diz que BC não pode ceder às pressões contra alta dos juros

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postado em 19/10/2008 07:59
Com todo o governo pressionando o Banco Central a suspender o aumento da taxa básica de juros (Selic) na reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) dos dias 28 e 29 deste mês, o economista-chefe do Banco Santander, Alexandre Schwartsman, alerta: se o BC cair em tal armadilha, será altíssimo o risco de a inflação de 2009 superar o teto da meta definido pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), de 6,5%. Ex-diretor de Assuntos Internacionais do BC, ele afirma que o estrago feito pela forte arrancada do dólar nos preços já está contratado. Por isso, subiu, de 4,5% para 5,5%, a previsão de inflação para o ano que vem, cenário no qual o Copom promoverá mais dois aumentos de 0,5 ponto percentual nos juros nas duas reuniões deste ano ; o que empurrará a Selic dos atuais 13,75% para 14,75% ; e elevará a taxa até 15,75% nos primeiros meses do próximo ano. Para Schwartsman, o Brasil viverá, em 2009, um ;inverno nuclear; suave, reflexo do terremoto provocado pelo estouro da bolha imobiliária dos Estados Unidos, que devastou todos os mercados financeiros do mundo. O crescimento do país, acredita ele, será de 2,5%, bastante inferior aos 5,2% projetados para 2008, mas muito superior ao 0,5% previsto pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) para as economias mais desenvolvidas, índice que, ressalte-se, ele considera otimista. Na visão do economista, apesar dos megapacotes de socorro a bancos promovidos pelos governos dos EUA e da Europa, o sistema de crédito global continuará travado por um bom tempo. No Brasil, as medidas adotadas pelo BC tenderão a desatar mais rapidamente os nós. Mas setores de bens duráveis, como o automobilístico, que dependem de financiamentos fartos, vão sentir o baque da escassez de recursos e dos juros mais altos. Mas há um alento: em 2010, o Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro já terá recuperado o fôlego e crescerá 4,5%. A seguir, os principais trechos da entrevista que Schwartsman concedeu ao Correio Braziliense. O senhor compartilha da visão de que o mundo poderá viver uma grande depressão em 2009, uma recessão severa, ou as medidas adotadas, principalmente, pelos governos dos Estados Unidos e da Europa serão suficientes para diminuir os estragos provocados pela atual crise? Acho que as medidas tomadas recentemente evitarão, muito provavelmente, tal resultado. Continuo acreditando que a contração de crédito observada hoje no mundo ainda marcará os próximos trimestres. E, mesmo com o capital (parcialmente) recomposto, os bancos de países desenvolvidos diminuirão suas operações, resultando em menor volume de crédito e taxas de juros mais altas para os tomadores, até que todas as perdas sejam digeridas. Pela magnitude da crise bancária, acho até otimista a perspectiva do FMI (Fundo Monetário Internacional) acerca do crescimento de 0,5% nos países desenvolvidos em 2009. Pode ser ainda mais próxima de zero, pois, embora as medidas dos governos evitem uma crise sistêmica que poderia se transformar numa depressão prolongada, não conseguem evitar (embora atenuem) a contração de crédito já encomendada. Como o Brasil vai se comportar nesse quadro de recessão mundial? Será mesmo um ;inverno nuclear suave; como o senhor disse recentemente? O Brasil terá que crescer menos. Entre 2002 e 2008 a capacidade de importação do país, resultante da expansão das quantidades exportadas e da melhora dos termos de troca, aumentou 80%. Num cenário como esse, tornou-se possível (dentro de certos limites) fazer a demanda doméstica crescer à frente do PIB, fenômeno que observamos desde o final de 2004, culminando na expansão da demanda doméstica de 8% nos quatro trimestres até junho de 2008, contra uma expansão de 6% do PIB. A diferença entre demanda doméstica e o PIB foi coberta pelo aumento das importações, que não nos trouxe maiores problemas do ponto de vista do balanço de pagamentos. No entanto, em um mundo que cresce menos, com queda nos preços das commodities e volume menor de exportações, a capacidade do país para importar deve, muito provavelmente, cair. Assim, a demanda doméstica deve se reduzir, aproximando-se do crescimento do PIB. Portanto, o ;inverno nuclear; suave se materializaria num crescimento do PIB em 2009 da ordem de 2,5% (contra 5,2% esperados em 2008 e uma projeção anterior de 3,5% para o próximo ano) e numa demanda doméstica desacelerando de 7,3% em 2008 para 3,5% em 2009 (ante os 5% esperados). Para 2010, vemos o PIB se recuperando e crescendo a 4,5%. Com o mundo em recessão e a economia brasileira em desaceleração em 2009, como ficará a política monetária? O atual aperto nos juros pode jogar a economia brasileira no buraco? O aperto monetário faz parte dos pressupostos acerca do desempenho da economia brasileira em 2009. Caso o BC não faça o aperto que esperamos, a demanda doméstica crescerá mais. Porém, num contexto de exportações encolhendo, um crescimento mais forte da demanda doméstica implica importações mais fortes e um desequilíbrio mais grave no balanço de pagamentos, isto é, uma desvalorização mais forte do real frente ao dólar e conseqüências inflacionárias mais graves. No cenário com aperto monetário, esperamos inflação da ordem de 5,5% (antes esperávamos 4,5%) em função da alta do dólar (imaginamos a moeda americana na casa de R$ 2,00 a R$ 2,10). Na ausência de resposta adicional do BC ao choque externo, a desvalorização do real será mais forte, o repasse maior para os preços e ainda corremos o risco de descolamento das expectativas de inflação em relação ao centro da meta (até agora, um sucesso do BC). Sem o aperto monetário adicional, os riscos de a inflação superar a topo do intervalo da meta (6,5%) se tornam bastante elevados. A forte queda das commodities (agrícolas, minerais e petróleo) não seria suficiente para compensar a disparada dos preços do dólar? Qualquer um que se preocupe em fazer um mínimo de contas chega à conclusão de que a recente aceleração da inflação brasileira não resultou da alta dos preços de commodities. Os preços das commodities medidos em reais estão aproximadamente constantes nos últimos 24 meses. Os preços em reais na primeira metade do ano estavam cerca de 1,3% acima das médias dos últimos 24 meses e 1,5% menores que os observados no primeiro semestre de 2007. Como é que alguém em sã consciência pode olhar para esses dados e atribuir às commodities a aceleração da inflação? Isso ocorre porque, como o Brasil é exportador (mais que importador) de commodities, a taxa de câmbio se move quase sempre em oposição aos preços destas. Assim, não vejo preços de commodities ajudando a trazer a inflação para baixo, da mesma forma que não ajudaram a puxar a inflação para cima. Só que todo o resto dos bens comercializáveis que não se refere a commodities pressionará a inflação para cima. Quais os setores da economia brasileira vão sofrer mais? Os setores de bens duráveis, em particular automóveis. Como o senhor avalia o processo de ;estatização; de bancos na Europa e nos Estados Unidos? O que sairá desse modelo? Que sistema financeiro teremos daqui a dois ou três anos? Certamente, não um sistema estatizado. O Goldman Sachs não irá se transformar no Banco do Brasil (sem méritos ou deméritos para cada modelo); continuará a ser gerido de acordo com o interesse privado. A diferença, creio, é que teremos um sistema muito mais ;amarrado; do que nos acostumamos a ver. A alavancagem, pelo menos nos próximos anos, será severamente limitada. O crescimento de crédito (quando voltar) não será tão exuberante quanto foi entre 2003 e 2007. A regulação, se bem feita, privilegiará a transparência. Em suma, menor expansão da liquidez, mais transparência e retornos mais modestos nas operações. Haverá mudanças no sistema bancário brasileiro? Vai haver mais concentração, diante das dificuldades enfrentadas pelas instituições de menor porte? Acredito que não. Bancos pequenos, nas atuais e futuras circunstâncias, terão que enfrentar maiores dificuldades, principalmente no que se refere ao financiamento externo. Ainda assim, me parece que seu modelo de negócio tem lugar no sistema. Acho que serão mais originadores de crédito do que carregadores dessas operações. As medidas tomadas até agora pelo BC são suficientes para minimizar os efeitos da crise no país? O BC agiu tarde, como falam seus críticos? Novas medidas terão que ser adotadas? As medidas para enfrentar a questão da liquidez foram corajosas e, acredito, bem dirigidas (a liberação de compulsórios para a aquisição de carteiras de crédito foi particularmente inteligente). Também não me parece que o BC tenha agido tarde. Claro que, para os críticos, o BC estará sempre errado, seja o que fizer, ou quando fizer, motivo pelo qual a opinião deles vale o mesmo que uma nota de R$ 3. Quem esteve até agora na linha de frente (compulsórios, incentivos à aquisição de ativos de bancos pequenos e médios, leilões de linhas em dólar, leilões de dólar à vista, leilões de swap cambial) foi o BC. E, diga-se, porque ; apesar das críticas à política de aquisição de reservas ; é graças à munição acumulada que o BC pode fazer o que faz. Quanto às novas medidas, tudo depende do curso da crise. Hoje, não prevejo nada além de uma eventual calibragem dos instrumentos existentes.

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