postado em 27/10/2008 08:03
A gravidade da crise atual levou a uma mudança de discurso sem precedentes na história recente da economia brasileira. Até o início de setembro, antes da quebra do quarto maior banco de investimentos dos Estados Unidos, o Lehman Brothers, era comum economistas de dentro e de fora do governo tecerem um rosário de queixas contra instrumentos adotados pelo Banco Central e detonarem o excesso de isolamento do Brasil em relação ao mundo. Pois bastou pouco mais de um mês de um terremoto que deixou mortos e feridos em todos os mercados financeiros do planeta para que, de repente, os defeitos do país se tornassem virtudes, ou melhor, vantagens, como define o ministro da Fazenda, Guido Mantega, ele mesmo, um feroz crítico de muitos dos pontos que, agora, elogia.
Não é preciso ser um observador atento dos temas econômicos para se lembrar da campanha liderada por Mantega pregando uma forte redução da taxa básica de juros (Selic). O ministro sempre apresentava como argumento que os ;exageros do BC; inibiam o crescimento. Agora, a postura é outra. Ao falar sobre a crise, Mantega ressalta que um dos diferenciais do Brasil é o fato de ter um mercado interno forte, que compensará a queda das exportações em meio à recessão mundial. Ele só esquece de dizer que esse ;grande potencial do mercado interno; foi construído porque o BC priorizou o combate à inflação, que possibilitou o aumento da renda, do emprego e dos investimentos produtivos.
Reservas
O acúmulo das reservas internacionais, de mais de US$ 200 bilhões, também esteve na linha de frente das críticas. A justificativa era de que, ao se sentar em cima de tal montanha de dinheiro, o BC estava transferindo um custo fiscal enorme para o Tesouro Nacional. Nas contas dos críticos, como as reservas eram remuneradas pelos juros dos títulos do governo dos EUA (hoje, de 1,5% ao ano) e o BC tinha que retirar os reais injetados na economia por meio das compras de dólares pela taxa Selic (de 13,75% ao ano), o prejuízo parava nos cofres públicos. ;A dúvida era sobre o patamar que as reservas deveriam alcançar e até que ponto o custo fiscal valia a pena. Mas é certo que, acima dos US$ 200 bilhões, as reservas são, de fato, importantes para amenizar os efeitos da crise;, afirma Marcelo Nonnenberg, economista do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).
Os custos fiscais estavam por trás, ainda, das queixas contra um instrumento usado pelo BC para regular o câmbio, os swaps reversos, por meio dos quais o banco apostava na alta do dólar e o mercado, na variação dos juros. É verdade que, com o dólar em queda, o BC perdeu feio. Mas veio a crise, e não só o BC está recuperando os prejuízos como a relação entre a dívida pública e o Produto Interno Bruto (PIB), o principal indicador da capacidade do país de honrar seus compromissos, despencou para menos de 40%. Com os swaps reversos, o Brasil ficou credor em dólar em US$ 28 bilhões.
Compulsórios
Mas não é só. O país sempre foi apontado como vilão por exigir que os bancos recolhessem elevados volumes de depósitos compulsórios juntos ao BC. Neste momento de escassez de liquidez, a devolução desses compulsórios está irrigando o sistema ; com alguma distorção, ressalte-se ; sem que o BC tenha de recorrer aos cofres públicos para salvar bancos em dificuldades. Outro ponto citado como frágil foi o excesso de regulamentação dos mercados financeiros nacionais. Mas foi a liberdade em excesso dos mercados americanos e europeus que resultou na gravíssima crise que atormenta o mundo.
Para completar, o país sempre foi apontado, especialmente pelo Banco Mundial (Bird), como fechado demais, por ter uma abertura econômica variando entre 13% e 14% do PIB. Na Ásia, essa relação é, em média, de 35%. Por isso, aquela região está sendo tão castigada pela ameaça de recessão mundial. Se a economia global desabar, a Ásia não terá para quem exportar e levará um tombo monumental.
;Ainda que esse certo isolamento seja um mecanismo de proteção do Brasil ante a crise, o ideal é ter uma economia mais aberta. Temos de lembrar que crises são passageiras e o mundo voltará a crescer;, assinala Alexandre Maia, economista-chefe da Gap Asset Management. O mesmo diz Sérgio Vale, economista-chefe da MB Associados. ;Economia fechada é péssimo. O melhor é ampliar as exportações e importações;, aconselha.
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