postado em 29/10/2008 16:31
O Federal Reserve (Fed, o banco central americano) decidiu nesta quarta-feira (29/10) reduzir sua taxa de juros para 1% ao ano, patamar visto pela última vez em maio de 2004. O banco havia reduzido sua taxa de juros no último dia 8 de 2% para 1,5%, em uma medida emergencial, em coordenação com outros BCs, para conter o avanço da crise financeira.
Um dia antes da medida emergencial, o presidente do banco, Ben Bernanke, havia dito que o cenário econômico do país piorou e que os problemas podem se prolongar. Com esse cenário, Bernanke disse que o Fed teria de avaliar se a política de manutenção da taxa de juros continuaria "apropriada". O banco reduziu a taxa para 2% em abril e manteve-a nesse patamar em junho, agosto e setembro.
"A combinação dos dados econômicos recentes e dos desenvolvimentos financeiros sugerem que a perspectiva para a expansão econômico piorou e os riscos de baixa para o crescimento aumentaram", disse Bernanke, à época. "Ao mesmo tempo, o cenário para a inflação teve alguma melhora, embora ainda permaneça incerto. À luz desses desenvolvimentos, o Federal reserve terá de considerar se a atual política de juros continua apropriada." Quando o Fomc (Comitê Federal de Mercado Aberto, na sigla em inglês, equivalente ao Copom no Brasil) se reuniu em setembro, o banco de investimento Lehman Brothers já havia quebrado. O banco não conseguiu obter financiamento para suas operações junto a outras instituições privadas nem com o governo.
A quebra do Lehman pôs em movimento o que já foi chamado de segundo ciclo da crise financeira iniciada em agosto do ano passado, com a inadimplência no segmento "subprime" (de maior risco) do mercado americano de hipotecas. Desde então, quebrou também o banco Washington Mutual, do segmento de empréstimos e poupança ("savings & loans") no que foi considerada a maior quebra de um banco nos EUA.
Outro elemento que entrou em cena antes da reunião oficial do Fed hoje foi o pacote de US$ 700 bilhões, preparado pelo secretário do Tesouro, Henry Paulson. O pacote tinha o objetivo de comprar papéis considerados "podres" (com baixíssima possibilidade de resgate, conseqüentemente com alto risco de calote), mas o Tesouro já se lançou para a compra de ações de bancos como Citigroup, JPMorgan Chase, Bank of America e Wells Fargo. O valor da ajuda aos bancos é de US$ 250 bilhões, saídos dos recursos aprovados no pacote.
Além disso, o diário americano "The Wall Street Journal" ("WSJ") informou no último dia 25 que o Tesouro considera utilizar parte dos US$ 700 bilhões para comprar ações de seguradoras. Segundo a reportagem, gigantes do setor de seguradoras como MetLife, Prudential Financial e New York Life Insurance estariam interessadas na possibilidade de vender papéis ao governo.
O governo já ajudou uma seguradora, a AIG, atingida pela crise financeira e que quase quebrou. Nesta semana, o diário americano "Washington Post" informou que a AIG já utilizou US$ 72 bilhões do resgate original de US$ 85 bilhões concedido pelo Fed, além de US$ 18 bilhões dos US$ 38 bilhões adicionais para a realização de operações de crédito.
No último dia 15, o Fed divulgou o "Livro Bege" (documento com dados econômicos coletados nas 12 divisões regionais do Fed), no qual informou que quase todos os distritos que apresentaram comentários sobre o setor de serviços "apontaram para uma redução da atividade". O setor de serviços tem sido o motor da atividade econômica do país há vários anos anos. O documento mostrou que os gastos dos consumidores (responsáveis por mais de dois terços do PIB do país) caíram no mês passado na maioria dos distritos, tanto no comércio quanto nas vendas de veículos e no turismo.
Crédito
Os distritos do Fed relataram também que o crédito foi restrito em setembro, e que os bancos endureceram seus critérios para a concessão de empréstimos. As pressões de inflação diminuíram um pouco, mas as condições no mercado de trabalho pioraram.
Escassez de crédito é o efeito da desconfiança generalizada que se instalou entre os bancos não só nos EUA, mas no mundo todo. As hipotecas de risco mostraram-se um lastro muito frágil para a variedade de papéis e derivativos que circulavam no mercado financeiro; o banco francês BNP Paribas, por fim, resolver ver as cartas do mercado financeiro --ou seja, resolveu suspender os resgates em alguns de seus fundos.
Isso enviou uma onda de desconfiança que causou prejuízos bilionários. O Fed respondeu com cortes de juros que levaram dos 5,25% em que a taxa estava até a reunião de setembro do ano passado para o 1% em que caiu hoje.
A taxa chegou a 1% quando o comando do banco estava a cargo de Alan Greenspan. Ele reduziu a taxa para esse patamar em junho de 2003 e a manteve aí por mais de um ano. Nesse período, a economia americana, que vinha de uma recessão causada tanto pelo estouro da bolha das empresas "pontocom" como pelos ataques do 11 de Setembro e os escândalos contábeis da Enron e da Worldcom, começou a reagir.
Esses juros baixos levaram a uma explosão de consumo e de financiamentos para compra da casa própria no país, abrindo caminho para critérios menos rigorosos para o fechamento de contratos de hipoteca. Era a raiz do atual problema que estava surgindo.
Na semana passada, Greenspan foi ao Congresso para falar sobre o papel das agências de controle financeiro e econômico do governo; ele disse que a crise atual o deixou "em um estado de estupor". Ele disse que as empresas e mercados financeiros "deveriam ser muito mais regulados, para impedir um tsunami financeiro como o que não vimos em um século".
O ex-presidente do Fed disse ainda que "está em choque e não pode acreditar" como os bancos e as empresas financeiras não se vigiaram e controlaram a si próprias, que é com o que ele e outros responsáveis de supervisão no governo americano contavam.
Fraqueza
Os sinais de fraqueza econômica, por sua vez, não param de surgir. Ontem, o instituto privado de pesquisa Conference Board informou que o índice de confiança do consumidor caiu para 38 pontos neste mês, o menor em 41 anos. A Universidade de Michigan já tinha apontado queda recorde da confiança do consumidor: o índice apurado pela instituição caiu para 57,5 pontos na leitura preliminar de outubro, ante taxa de 70,3 pontos registrada em setembro.
O mercado de trabalho americano, por sua vez, não encerrou nenhum mês deste ano ainda com criação de empregos. Em setembro, a economia americana eliminou 159 mil vagas. A taxa de desemprego, por sua vez, ficou em 6,1%, mesma de agosto. O mercado imobiliário, por sua vez, apresentou um novo dado negativo ontem: o índice S/Case-Shiller, um dos de maior peso no país, mostrou uma queda de 16,6% em agosto nos preços dos imóveis residenciais, na comparação com o mesmo mês do ano anterior, nas 20 principais regiões metropolitanas do país. Trata-se do maior recuo anualizado que o índice, criado em 2000, já teve.
Na comparação com julho de 2006, quando o indicador teve seu pico, a perda já passa dos 20%. Além disso, pelo quinto O secretário do Tesouro dos EUA, Henry Paulson, disse as ações do governo pára ajudar os bancos estabilizarão o sistema financeiro, mas advertiu que continuarão as dificuldades econômicas. "Não há dúvida de que a forma de obter o maior impacto do dinheiro dos contribuintes aqui era investir nos bancos", disse.
Estímulo
Na semana passada, Bernanke sugeriu que seria apropriado que o Congresso considerasse um novo plano de estímulo à economia. No dia 8, a presidente da Câmara, Nancy Pelosi, também sugeriu que os EUA precisam de um novo pacote de estímulo à economia, de US$ 150 bilhões - aos moldes do que foi aprovado em fevereiro deste ano, de US$ 168 bilhões.
O pacote de US$ 168 bilhões ajudou a fazer a economia americana andar: o dinheiro extra favoreceu os gastos dos consumidores entre abril e julho, o que se refletiu nos dados do Produto Interno Bruto (PIB). No segundo trimestre, a economia cresceu 2,8% (ligeiramente menor que os 3,3% em um cálculo prévio). Analistas dizem, no entanto, que, sem o benefício do dinheiro extra, nos próximos trimestres o desempenho econômico americano deverá ser inferior.