Economia

Depois do apogeu, construção civil pena com a retração de mercado

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postado em 07/12/2008 10:14
Até três meses atrás o Brasil vivia uma grande ameaça: o risco de um apagão de mão-de-obra, tamanha a escassez de profissionais até para funções que não exigem grande qualificação, como a de pedreiro e soldador elétrico. Da semana passada para cá, no entanto, um fantasma passou a rondar o país e deixou o governo em pânico: a possibilidade de o desemprego dar um salto, minando conquistas importantíssimas que levaram pelo menos 20 milhões de pessoas a ingressarem na classe média. A brusca virada de cenário, que passou de um extremo ao outro, está inquietando especialistas. Mas eles não têm dúvidas em dizer o que mudou: a crise internacional. Renato Fonseca, gerente-executivo de Pesquisa da Confederação Nacional da Indústria (CNI), está convencido disso. E avisa: os maiores afetados pelo desemprego serão os menos qualificados, justamente os maiores beneficiados pelo forte crescimento econômico dos últimos anos e que engrossaram o mercado de consumo. Esses trabalhadores vinham sendo absorvidos, principalmente, pela construção civil, que vivia um momento espetacular até setembro, quando a crise financeira internacional empurrou o mundo para o buraco. Por enquanto, afirma o presidente da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC), Paulo Safady Simão, as demissões são pontuais. ;Mas reconhecemos que, com a crise, os cortes foram um pouco maiores do que o normal;, destaca Simão. Ele diz que o primeiro grupo a sofrer foi o de engenheiros, pois como houve cancelamento de lançamentos de prédios, não há mais necessidade de tantos profissionais. Por ironia, antes do início da fase mais aguda da crise, as construtoras estavam disputando a tapas, fazendo leilões de salários, os poucos engenheiros disponíveis no mercado. ;Infelizmente, a crise não poupa ninguém, do P ao P, ou seja, do porteiro ao presidente, todos estão sujeitos a perderem o emprego;, afirma Adriana Beringuy, técnica da Pesquisa de Emprego e Renda do IBGE. ;O cenário se modificou nos últimos meses no Brasil. A engenharia estava se valorizando muito e estava havendo falta de engenheiro no mercado. Não temos ainda como avaliar mas, havendo demissões, a demanda torna-se maior que a oferta e a tendência é de os salários se estabilizarem;, afirma Carlos Roberto S. Moura, presidente da Federação Brasileira de Associações de Engenheiros (Febrae). Para Manuel Enriquez Garcia, professor do Departamento de Economia da Universidade de São Paulo (USP), pode ser até que a média salarial comece a cair. ;O leilão de profissionais deve acabar. E a pressão dos que estão de fora pode puxar os salários para baixo;, ressalta. ;Antes, com as obras do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) e com um ritmo acelerado de lançamento de empreendimentos imobiliários, a demanda por engenheiros aumentou muito. Antes, as pessoas compravam imóveis na planta, sem pestanejar. Agora, estão correndo para colocar o dinheiro na poupança, com medo de que os bancos quebrem;, compara. Os segmentos dependentes de crédito, como o automotivo e o financeiro, também vão engrossar a fila do desemprego. Até agora, as montadoras estão optando por férias coletivas e pelo corte de horas extras. 360 mil podem ser dispensados O tamanho do fechamento de postos de trabalho no Brasil dependerá da proporção da desaceleração do ritmo de crescimento, afirma a economista Sandra Utisumi, diretora de Renda Fixa em Portugal do banco BES Investimento. Se o Produto Interno Bruto (PIB) resistir aos impactos da crise e crescer entre 3% e 4% em 2009, é possível que o índice de desocupação avance dos atuais 7,5% para 9%. Caso a expansão econômica fique abaixo desse patamar, entre 1% e 2%, como prevêem os especialistas, o piso passa a ser 10%. Como cada ponto percentual de elevação no índice de desemprego significa 240 mil pessoas a mais sem trabalho nas seis regiões metropolitanas pesquisadas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), na melhor das hipóteses, 360 mil trabalhadores serão dispensados ao longo de 2009. Se imperar o quadro mais pessimista, no mínimo 600 mil engrossarão o exército dos sem-trabalho. Esse, no entanto, é só um lado do problema, alerta o economista-chefe do Banco ABC Brasil, Luís Otávio de Souza Leal. ;Temos de lembrar que, além das demissões, o país deixará de criar empregos. E, nesse período, muitos jovens (cerca de 2,4 milhões) estarão ingressando no mercado de trabalho;, ressalta. Por isso, destaca, não será surpresa se a taxa do desemprego for além dos 10%. Países ricos Elson Teles, economista-chefe da Concórdia Corretora, diz não acreditar em uma explosão do desemprego. Mas ele acredita que os brasileiros ainda vão sofrer muito, pois a crise internacional tende a se prolongar até 2010. Ou seja, as empresas voltadas para a exportação, que dependem dos mercados mais ricos para sustentar a produção serão as grande prejudicadas. Sabe-se que consumidores de produtos brasileiros nos Estados Unidos, na Europa e no Japão suspenderam compras de minérios, de aço e de papel e celulose do Brasil. Não é à toa que, dentro do governo, o sinal de alarme foi ligado. Apesar de manter índices recordes de aprovação junto à população, o presidente Lula sabe que o apoio popular pode se desmanchar rapidamente se uma onda de demissões varrer o país. Teme-se que, mesmo em um cenário ameno, 1 milhão de empregos deixem de ser criados em 2009. É praticamente a metade do total de vagas abertas em todo o país neste ano, em que o PIB deve cravar crescimento entre 5% e 5,5%. (VN e KM)

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