Economia

Armadilha do cheque especial

Uso indiscriminado desse tipo de empréstimo deixa brasileiro cada vez mais endividado e viciado em um crédito extremamente caro

postado em 21/12/2008 08:42
O brasileiro está cada vez mais pendurado no cheque especial. Depois do estouro da crise econômica internacional, então, a dependência desse ;dinheiro extra; ficou ainda maior. Dados do Banco Central mostram que em outubro (últimas informações disponíveis) o consumidor ficou, em média, 22 dias com a conta no vermelho, sendo coberta por uma das modalidades mais caras de empréstimo do mercado, com juros que podem ultrapassar os 12% ao mês. Ou seja, o salário de boa parte dos brasileiros só dura oito a nove dias por mês. ;Nos últimos meses, a média de utilização era de 20 dias. Em outubro, subiu para 22;, ressalta Miguel Ribeiro de Oliveira, vice-presidente da Associação Nacional dos Executivos de Finanças, Administração e Contabilidade (Anefac). O volume de operações de cheque especial também disparou em outubro. Enquanto de março a setembro o montante de empréstimos estava mais ou menos estável na casa dos R$ 15 bilhões, saltou para R$ 17 bilhões em outubro, mostrando claramente o efeito pós-crise de restrição de várias linhas de crédito no mercado. ;O cheque especial é uma boa linha de crédito, mas só deve ser usada em caso de emergência, como a compra de um remédio, por exemplo. O problema é que as pessoas vêem o cheque especial como renda, e não como empréstimo;, alerta Miguel Oliveira. Uma das maiores armadilhas do cheque especial é a comodidade. Não precisa ir ao banco calçar a cara para pedir um empréstimo ao gerente: o limite é pré-aprovado e está disponível para o cliente em qualquer hora e lugar. Mas tanta facilidade tem um preço e o Correio fez as contas. Usando o limite de R$ 500 por 22 dias, escoam pelo ralo, no mínimo, R$ 33,64 por mês ou R$ 403,68 ao ano, considerando a taxa média praticada pelo mercado em dezembro. Ao aplicar os maiores juros, o rombo aumenta para R$ 530,28. Como em Brasília o poder aquisitivo da população é maior que a média nacional, é concedido um limite médio de R$ 5 mil para os clientes, o que significa que, se a pessoa cair na tentação de usar esse dinheiro extra, o prejuízo será 10 vezes maior. Desavisados de plantão, façam contas, pois estão jogando dinheiro fora. ;O cheque especial é a modalidade de crédito mais cara do mundo. O Brasil já pratica a maior taxa mundial de juros, considerando a Selic de 13,75% ao ano. O cheque especial cobra quase isso por mês;, alerta Firene Matesco, economista da Fundação Getúlio Vargas. ;Como o brasileiro não presta atenção aos juros, não sabe o custo do dinheiro. Ele fala que não tem dinheiro, mas se olharmos o que muita gente paga de juros de cheque especial por mês, daria para comprar um bem durável, no mínimo;, afirma. E a economista alerta: o cheque especial vai ficar ainda mais caro. ;Apesar da manutenção da taxa Selic, houve aumento dos juros na ponta, para o consumidor. E como o crédito continua escasso, ficará mais caro;, avisa. As últimas pesquisas já mostram esse efeito. Das 10 instituições pesquisadas pelo Procon-SP, três aumentaram os juros do cheque especial em dezembro, elevando a média para 9,33% ao mês, voltando ao patamar de junho de 2003. Levantamento da Anefac mostra que, pelo sétimo mês consecutivo, todas as taxas das linhas de crédito tanto para pessoa física como jurídica subiram. Em novembro, a taxa média de juros do cheque especial passou de 7,93% para 8,02% ao mês. Muleta O taxista José Gomes da Silva tinha o costume de usar o cheque especial, mas depois da escalada dos juros nos últimos meses, está fugindo do endividamento. ;Tenho conta em banco há mais de 20 anos e, sempre que precisava, usava o cheque especial. Mas agora está caro demais. O juro subiu muito este ano. Se antes era uns 7%, hoje os bancos não cobram menos que 9%, 10%;, reclama. José da Silva, porém, observa que sempre procurava pagar rápido o socorro do cheque especial. ;Quanto antes quitar, melhor. Senão, chega num ponto em que a gente não consegue pagar;, diz. Depois de abandonar a ;muleta; do cheque especial, José passou a fazer economia forçada. ;Estou enxugando um monte de cosia que fazia antes. Cortei fim de semana com festa e com churrasco. Também gostamos muito de viajar, mas vamos ter que cortar;, conta.

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