postado em 19/01/2009 09:04
Em meio à crise financeira internacional, que já chega à economia real e afeta o mercado interno, setores da indústria brasileira dizem que exportadores da China estão reduzindo os preços de alguns produtos para compensar a alta do dólar e assim manter condições competitivas. Também apontam a "desova" no Brasil de mercadorias que os chineses não conseguiram colocar nos países ricos, seja pelo efeito da recessão, seja por medidas protecionistas.
Segundo o diretor do Departamento de Comércio Exterior e Relações Internacionais (Derex) da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), Roberto Giannetti da Fonseca, o primeiro alerta sobre o "excedente [de produtos chineses] boiando sem destino" foi dado em outubro. A hipótese virou fato. A recessão nos países do hemisfério Norte reduziu as compras dos produtos chineses, que partiram para mercados considerados ainda acessíveis.
"Em outubro e novembro, fizemos reuniões com associações empresariais sobre a hipótese, hoje real, de exportadores chineses, na falta da demanda nos países centrais, buscarem países com grande população, economia aberta, sem recessão e com renda mínima. Parece o Brasil, não?", indaga Giannetti.
A ideia de que a valorização do dólar seguraria as importações não está funcionando para alguns setores. Desde a quebra do banco de investimento Lehman Brothers, em setembro, o dólar se valorizou ante o real em 29,5%. Embora as importações da China tenham se desacelerado, o fluxo ainda é relevante e alcançou US$ 20 bilhões em 2008, US$ 7,4 bilhões a mais do que 2007.
A indústria calçadista afirma que, em plena época de desvalorização do real, produtos chineses entraram no país com preços 30% menores que antes da crise. Dados monitorados pela Fiesp mostram que em calçados esportivos a redução de novembro para dezembro foi de 13,8%.
"Quem achava que a desvalorização cambial significaria um freio [nas importações] se enganou. Esse movimento atende à necessidade dos exportadores chineses de desviar produtos sem destino para o Brasil e dos importadores em manter o mercado local mesmo depois da desvalorização do real", afirma Heitor Klein, diretor-executivo da Associação Brasileira da Indústria do Calçado (Abicalçados).
Em dezembro, a Secretaria de Comércio Exterior (Secex) do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC) abriu uma investigação para apurar prática de dumping (venda a preços inferiores ao custo) por parte de exportadores de calçados da China. Em investigação preliminar, a Secex identificou margem de dumping de 435,7% no preço médio do sapato que chega ao Brasil. O preço de referência foi o italiano (em razão de a China não ser uma economia de mercado), cujo valor médio é de US$ 25,99 o par. O par chinês chega ao Brasil a US$ 5,50.
Têxteis
Talvez por isso, o avanço chinês sobre o mercado brasileiro deu um salto em 2008. Números da Abicalçados mostram que a China exportou para o Brasil 39,3 milhões de pares no ano passado, 10,7 milhões a mais do que o volume do ano anterior. É a mesma preocupação que orbita na cadeia têxtil - assim como o setor calçadista, uma indústria intensiva em mão-de-obra e ainda vulnerável à concorrência chinesa, sobretudo num momento de afunilamento do mercado interno. Um efeito desse problema pode ser visto no polo calçadista de Jaú.
Fernando Pimentel, diretor-superintendente da Abit (Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecções), afirma que os exportadores chineses vão tentar colocar a produção no Brasil, mesmo diante da desvalorização do real. O déficit comercial na cadeia têxtil no país (excluídas as fibras de algodão) subiu de US$ 1 bilhão em 2007 para US$ 2 bilhões em 2008. A Abit identificou uma queda nas importações chineses no final de 2008, mas a associação também já constata em janeiro movimento estratégico de redução de preços para sustentar mercado.