Economia

Entrevista: presidente do BC admite que a economia enfrenta uma crise, mas diz que ela é menor no Brasil

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postado em 25/01/2009 08:28

O presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, está convencido de que, depois de todos os traumas do passado, provocados por sucessivos fracassos no controle da inflação, o Brasil está tirando proveito de um bem imprescindível à qualquer sociedade: a estabilidade econômica. Ao avaliar os seis anos e 24 dias à frente do BC, tempo que lhe garantirá amanhã o título de mais longevo comandante da instituição, ele afirma: ;O Brasil cresceu 5% ao ano em média entre 2004 e 2008. Nesse período, os investimentos aumentaram e hoje somos grau de investimento (um porto seguro para o capital);. Ele reconhece, porém, que o Brasil terá um período difícil pela frente, devido à velocidade com que a crise, que começou nos Estados Unidos, propagou-se pelo mundo, contaminando o crédito (que escasseou e encareceu), o comércio internacional e as expectativas de empresários e consumidores. O desastre foi tamanho, que os sete países mais ricos do mundo estão em recessão. Mas ele faz uma ressalva. ;Estamos enfrentando essa desaceleração (da economia), que é severa, porém, será em menor intensidade e de menor duração (no Brasil) do que na maioria dos outros países;, frisa. Em entrevista ao Correio, Meirelles minimiza as críticas ao BC e diz que, aos 63 anos, está muito longe da aposentadoria. As perguntas abaixo foram encaminhadas por e-mail ao dirigente do BC antes da reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), na qual a taxa básica de juros (Selic) caiu um ponto percentual, para 12,75% ao ano.

;Desaceleração é severa;

Como o senhor classifica sua gestão à frente do BC? Esses seis anos e 24 dias, que lhe garantem o título de mais longevo presidente do BC, foram recheados de muitas críticas e pressões. Foi difícil permanecer no cargo? Eu acredito em resultados. O Brasil cresceu 5% ao ano em média entre 2004 e 2008 com inflação na meta. Neste período, os investimentos aumentaram e hoje somos grau de investimento. Organizações independentes consideram o Brasil um dos países melhor preparados para enfrentar esta crise. Quanto às críticas, elas fazem parte da vida pública, particularmente para uma instituição que se dedica a consolidar no Brasil algo desconhecido por décadas: a estabilidade econômico-financeira. Enfrentar e vencer estes desafios demandou muita persistência e paciência. Em 2003, o senhor largou um mandato de deputado para assumir o BC de um governo envolto em desconfiança, lidando com inflação e juros em alta. Passou por escândalos como o mensalão. Agora, enfrenta a maior crise mundial em quase 80 anos. Quais foram os momentos mais difíceis da sua gestão? O momento mais difícil da minha gestão foi o primeiro semestre de 2003, quando beirávamos a insolvência. Nossas reservas estavam abaixo de US$ 20 bilhões e vendíamos dólares diariamente para equilibrar os mercados. Os momentos iniciais da atual crise, quando os efeitos da falência do Lehman Brothers atingiram o Brasil, também foram muito difíceis. Os problemas aconteciam em sucessão e rapidamente. As ações tiveram que ser rápidas e decisivas para evitar que houvesse um choque de proporções muito maiores do que o que está correndo. Por que as expectativas para a economia brasileira para este ano estão se deteriorando tão rápido? Até o mercado de trabalho, que os economistas diziam ser o último a ser afetado pela crise, mais precisamente no segundo semestre, já está pagando um preço alto. O que realmente está acontecendo com a economia brasileira? A crise atual tem algumas características raras: ela iniciou-se nos Estados Unidos e propagou-se pelo mundo em alta velocidade transmitida pelos canais do crédito, do comércio e das expectativas. O Brasil foi considerado pela OCDE (organização que reúne as economias mais ricas do mundo) como o país que deve apresentar o melhor desempenho nesta crise dentre os 29 monitorados pelo organismo. Em resumo, estamos enfrentando essa desaceleração (econômica), que é severa, porém, será em menor intensidade e de menor duração (no Brasil) do que na maioria dos outros países. O que o BC pode fazer para que o país saia o menos afetado possível desta crise? O Banco Central está trabalhando duramente para enfrentá-la. Nesse sentido, já liberou R$108 bilhões de compulsório para normalizar o crédito. Visando normalizar o câmbio, vendeu US$ 13,4 bilhões no mercado à vista, US$ 33 bilhões em derivativos cambiais e fez leilões de US$ 12,8 bilhões para financiar as exportações brasileiras. Como resultado, a concessão de crédito doméstico já atingiu os níveis pré-crise, mas continua muito caro. Uma das razões é que os empréstimos externos a companhias e bancos brasileiros não estão sendo totalmente renovados e isso leva essas empresas a tomarem crédito doméstico, pressionando os spreads e os volumes. Para enfrentar esse problema, anunciamos a disponibilização de parte das reservas (internacionais) para ser aplicada em bancos que usem tais recursos para emprestar a empresas brasileiras que tenham dívidas no exterior. São exemplos de um conjunto amplo de ações juntamente com outros órgãos de governo para enfrentar a crise. Qual a maior contribuição que a sua administração dará ao Brasil? Consolidar a estabilidade de preços como um valor nacional, como ocorre em muitos países bem sucedidos. O senhor já tem planos para quando deixar o BC? Qual o futuro de Henrique Meirelles pessoa física? Pretendo continuar trabalhando intensamente. Meu pai aposentou-se aos 92 anos e, seis meses depois, achava que tinha se precipitado. Quando deixar o BC, terei quatro longos meses de quarentena para decidir essas questões.

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