postado em 22/02/2009 14:15
Um bom termômetro para a gravidade da crise internacional daqui por diante será a cor da pele do secretário do Tesouro dos Estados Unidos, Timothy Geithner. Amante dos esportes náuticos, ele costuma surfar ou velejar nos momentos de ócio. Se aparecer bronzeado, a turbulência estará acabando, a economia voltando ao caminho do crescimento e será possível relaxar um pouco. Se, ao contrário, seu rosto ficar cada vez mais pálido, é sinal de que as coisas vão de mal a pior. Nas suas mãos, está o maior desafio de um secretário desde o lendário Henry Morgenthau Jr., que serviu por 11 anos na administração Franklin Delano Roosevelt (1933-1945) e teve de domar a Grande Depressão.Septuagésimo quinto ocupante do cargo, Geithner vai precisar de toda a sua proverbial tranquilidade para enfrentar não só a crise, mas também a concorrência interna pelos ouvidos do presidente Barack Obama. Das três pessoas que foram entronizadas como pontas de lança da nova política econômica, ele é o de menor envergadura. Os outros dois são gigantes já testados em outros momentos de dificuldades. O chefe do Conselho Econômico da Casa Branca é o encrenqueiro Larry Summers, secretário do Tesouro no governo Bill Clinton (1993-2000). O chefe do comitê anticrise é Paul Volcker, presidente do Federal Reserve (Fed, o banco central dos EUA) no governo Ronald Reagan (1981-1988).
;Conflito é uma palavra muito forte para descrever o que deve acontecer. Mas, com certeza, haverá disputa de poder e alguns arranca-rabos;, afirma o embaixador Roberto Abdenur, que esteve frente à missão em Washington entre 2004 e 2007. Atento analista da cena norte-americana, Abdenur privou do contato de Geithner, que recebia ministros brasileiros em almoços na sede do Fed de Nova York, que chefiou entre 2003 e 2008. Dos contatos, ficou a imagem de um homem jovial, mas extremamente equilibrado e bem-preparado. ;Ele é um homem de qualidades indiscutíveis para essa função, embora não tenha ainda uma biografia que o permita assumir o Tesouro como um peso-pesado.;
Diferenças
Na avaliação de Abdenur, Geithner tem uma personalidade afável e conciliadora, de alguém que valoriza as opiniões dos interlocutores. Ou seja, o exato oposto de Larry Summers, um soldado armado e orgulhoso de suas ideias, que vai abrindo espaço à base de cotoveladas e empurrões. Summers já chefiou Geithner, que foi subsecretário do Tesouro para Assuntos Internacionais entre 1998 e 2001. Na disputa por espaço, o conselheiro-chefe saiu na frente. Na primeira tarefa pública, o anúncio do pacote de US$ 1,85 trilhão de socorro aos bancos, o atual secretário se mostrou hesitante. Seu desempenho foi ainda pior na sessão de discussão do plano no Senado, no dia seguinte. As bolsas despencaram.
Ninguém discute o conhecimento técnico de Geithner, provado por onde passou: na consultoria do ex-secretário de Estado Henry Kissinger, no Fundo Monetário Internacional (FMI) e no Fed de Nova York. Relativamente jovem aos 47 anos, as dúvidas recaem sobre sua capacidade de articulação política, habilidade que será necessária para negociar com o Congresso eventuais ajustes na política econômica. Na sabatina no Senado para a confirmação no cargo, Geithner passou por maus bocados, apertado por republicanos e democratas. Além do rumoroso caso de sonegação, em que deixou de pagar US$ 34 mil na época em que trabalhava no FMI, ele foi duramente questionado sobre sua passagem no Fed.
Na ocasião, o senador Ron Wyden, democrata do Oregon, perguntou se a supervisão nas contas dos bancos que atuam em Wall Street não deveria ter sido mais eficiente. Fazendo uma espécie de mea-culpa, Geithner respondeu de forma humilde: ;Sim. Absolutamente;. ;Ele não perde a elegância e os bons modos. É um cara com aquela personalidade da Nova Inglaterra. Parece um ;menino Kennedy;, com porte atlético e o cabelo cor de areia;, descreve o secretário de Fazenda do Rio de Janeiro, Joaquim Levy, numa referência à família do falecido presidente John Kennedy (1917-1963). Na posição de secretário do Tesouro brasileiro, ele teve vários encontros com Geithner no FMI.
Levy defende a atuação de Geithner no Fed, principalmente na operação que resgatou o banco de investimentos Morgan Stanley da falência dada como certa. ;Ele agiu rapidamente, enquanto o Tesouro gaguejou. Depois, o Tesouro tomou a decisão de deixar o Lehman Brothers quebrar, provocando todo o dano que veio depois;, diz. Abdenur acredita que ainda é muito cedo para avaliar se Geithner será bem-sucedido ou não à frente do Tesouro, cargo equivalente ao de ministro da Fazenda no Brasil, mas Levy crê no sucesso. ;Essa crise é como um joguinho de varetas: você mexe numa peça e desarruma tudo. Mas ele é muito bom e vai dar conta do recado;, assegura.
Adaptação
Neto de um alemão e filho do diretor para a Ásia da Fundação Ford, Geithner se acostumou com a diversidade cultural desde cedo, a exemplo de seu chefe, Barack Obama. Nascido no Brooklyn, em Nova York, no dia 18 de agosto de 1961, passou boa parte da infância vivendo no exterior. Morou no Zimbábue, na Índia e na Tailândia, onde fez o segundo grau numa escola internacional em Bangkok. Sua formação inicial não é de economista: se graduou em Governo e Estudos Asiáticos em Dartmouth, uma das oito universidades de ponta nos EUA que formam a Ivy League.
;Tim sempre se adaptou muito bem nos diferentes locais onde moramos;, disse seu pai Peter Geithner para o jornal de Dartmouth após a indicação para o Tesouro. Segundo seu relato, o filho se tornou um fotógrafo amador na adolescência, tendo feito elogiadas fotos em preto-e-branco de refugiados na Tailândia. Seus professores em Dartmouth dizem que o secretário tem uma inclinação natural para os esportes e uma habilidade impressionante para línguas. Na juventude, ele aprendeu a falar chinês mandarim e japonês. Depois de Dartmouth, fez o mestrado em Economia Internacional na Universidade Johns Hopkins. Trabalhou por três anos como consultor para a Kissinger and Associates em Washington, antes de entrar no Tesouro, como funcionário raso em 1988.
Na mesma reportagem do jornal universitário, Deborah Geithner, mãe do secretário, disse estranhar a diferença entre sua imagem pública e a privada. ;Nas fotos nas revistas, ele me parece sempre tão sério. Na verdade, ele é muito alegre e jovial e tem um grande senso de humor;, afirmou. Geithner é conhecido por ter nervos à toda prova. Segundo amigos, ele ouve notícias que fariam tremer qualquer um sem nem sequer franzir a testa. ;Ele é um homem sem sobrancelhas;, brincou Larry Summers após o anúncio do pacote de ajuda aos bancos. O secretário vai precisar desse sangue-frio para consertar a maior economia do mundo, que sofre de uma grave recessão desde dezembro de 2007.