Economia

Queda de arrecadação e alta das despesas com a máquina pública deixam governo com poucos recursos

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postado em 04/03/2009 08:05
A forte queda da arrecadação de impostos nos dois primeiros meses do ano levou o Tesouro Nacional a restringir ao máximo a liberação de recursos. ;Tudo está sendo liberado a conta-gotas;, diz um técnico do Ministério da Fazenda, reconhecendo que a crise mundial bateu muito mais forte do que se pensava nas receitas do governo. ;Voltamos ao regime de controle na boca do caixa, pois qualquer descontrole neste momento será um problema;, acrescenta. Como o governo assumiu despesas pesadas no final do ano passado com reajustes aos servidores e o funcionamento da máquina está consumido cada vez mais dinheiro, quase todo o arrocho recaiu sobre os investimentos, justamente onde o presidente Lula prometeu que não mexeria. Os números são claros. Segundo Gil Castelo Branco, consultor de Economia do site Contas Abertas, enquanto os gastos com a máquina (Outras Despesas Correntes, OCC) aumentaram 41% (de R$ 64,9 bilhões para R$ 91,5 bilhões) e as despesas com pessoal subiram 23,3% (de R$ 22,3 bilhões para R$ 27,5 bilhões) no acumulados de janeiro e fevereiro deste ano ante o mesmo período de 2008, os investimentos tiveram incremento de apenas 15,7%. ;O problema é que a elevação dos investimentos não quer dizer nada;, ressalta o economista. Primeiro, porque a base de comparação está distorcida, pois, nos dois primeiros meses de 2008, não havia Orçamento aprovado pelo Congresso. Ou seja, os desembolsos feitos naquele período, de R$ 1,935 bilhão, se referiam basicamente a restos a pagar, dívidas contraídas em anos anteriores. Segundo, dos R$ 2,248 bilhões liberados neste ano, R$ 2,083 bilhões são restos a pagar e apenas R$ 164,9 milhões são efetivamente do Orçamento de 2009. ;O que estamos vendo é uma combinação perversa, que está prejudicando os investimentos;, destaca Castelo Branco, que colheu as informações no Sistema Integrado de Administração Financeira (Siafi), no qual o governo detalha todas as suas contas. ;A arrecadação está em queda, por causa da crise, e a União está tendo de arcar com despesas cada vez maiores de pessoal e com a máquina;, emenda. Segundo ele, nem mesmo o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), que Lula prometeu preservar da tesoura, está escapando do arrocho. No primeiro bimestre, foram pagos R$ 925,6 milhões ; 41% do total dos investimentos quitados no período e menos de 5% dos quase R$ 20 bilhões prometidos para todo o ano. Arrocho continuará Quem acompanha de perto a evolução dos gastos do governo não acredita em uma mudança brusca nesse cenário ao longo do ano. Por uma simples razão: a arrecadação continuará fraca, uma vez que a crise está longe do fim, e as despesas correntes (com pessoal e com o funcionamento da máquina) permanecerão crescentes. Sendo assim, dificilmente o governo conseguirá reverter o contingenciamento de R$ 37,3 bilhões. Na opinião de Castelo Branco, é possível que esse valor seja mantido ou, na melhor das hipóteses, recue para R$ 30 bilhões. ;O quadro fiscal do governo está muito difícil;, admite um assessor do Planejamento. No próximo dia 20, o governo fará uma reavaliação bimensal das receitas e o novo arrocho será divulgado logo a seguir. Indagado pelo Correio sobre o momento delicado pelo qual passa as contas públicas ; com investimentos contidos e gastos correntes em disparada ; o secretário do Tesouro Nacional, Arno Augustin, nega dificuldades e diz que, a partir de agora, haverá uma inversão nas despesas, os investimentos crescerão de forma mais acelerada do que as demais despesas. Ele afirma ainda que, a princípio, a meta de superávit primário de 3,8% do Produto Interno Bruto (PIB) está mantida, apesar de muita gente na Fazenda e no Banco Central admitir que, para evitar cortes no Orçamento e restringir ainda mais os investimentos, o superávit poderá ser reduzido para 2,8%. Segundo Augustin, mesmo com a queda na arrecadação, o Tesouro está liberando normalmente os recursos. ;A liberação é feita à medida que os ministérios nos pedem;, frisou. O secretário-executivo do Ministério da Integração Nacional, Luiz Antonio Eiras, assegurou que o Tesouro só está liberado verbas para obras do PAC. ;Mas quase tudo é de restos a pagar, pois só poderemos empenhar (comprometer) recursos do Orçamento deste ano a partir de abril;, afirmou. Ele também reconheceu que vários ministérios têm se queixado da falta de dinheiro para transferências voluntárias. O das Cidades, por exemplo, não recebe limite financeiro do Tesouro para pagamento de obras (fora do PAC) já medidas e atestadas pela Caixa desde a segunda metade de dezembro de 2008.

Superávit pode ser reduzido O governo federal já cogita a possibilidade de reduzir a meta de superávit primário (economia para pagamento de juros) de 3,8% do Produto Interno Bruto (PIB) para 2,8% por causa dos impactos da crise mundial na economia brasileira. Mas a diminuição, se ocorrer, não deve gerar dúvidas sobre a capacidade de o governo federal honrar seus compromissos como acontecia no passado. Para o especialista em contas públicas Amyr Kahir, o mais relevante no momento é que a relação dívida/PIB, mesmo com um corte no superávit primário, deve seguir trajetória de queda. Isso porque, segundo ele, a inflação em queda possibilita cortes na taxa de juros pelo Banco Central (BC), o que diminui o custo da dívida pública. Nas projeções do economista, se a economia crescer pelo menos 1% neste ano e se o superávit primário cair para 2,5% do PIB, a relação dívida/PIB será de 35,4% ; percentual um pouco menor que os 35,8% de 2008. ;Mesmo assim, teríamos uma ligeira queda na comparação com o ano passado;, contou. O professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Samuel Pessoa, frisou que a economia mundial passa por um período excepcional e que diante do cenário de queda da arrecadação ocasionada pela desaceleração da economia será praticamente impossível o cumprimento da meta de superávit primário de 3,8%. Para ele, essa economia deverá ficar entre 2,5% e 3,5% neste ano. Isso porque, o governo federal precisa manter os investimentos, como os previstos no Programa de Aceleração de Crescimento (PAC), para evitar que o tombo da economia neste ano seja ainda maior. Muitos economistas projetam expansão do PIB entre 1% e 2% em 2009. ;Se os juros baixarem rápido, o custo da dívida vai diminuir, o que pode compensar parte da redução do superávit primário. A questão da solvência não é colocada em xeque neste ano atípico;, destacou Pessoa.

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