postado em 12/04/2009 08:37
Apesar de todos os avanços conseguidos pelo Brasil no controle da lavagem de dinheiro, uma parcela importante da economia continua funcionando sem nenhum tipo de regulação, facilitando a vida de criminosos. São cartórios de registros de imóveis, joalherias, lojas de arte e antiguidades, gestoras de fundos de investimentos, empresas que negociam atletas de futebol e contratos de artistas, firmas de auditoria e juntas comerciais. Mesmo movimentando grandes somas de recursos ; muitas vezes entregues em malas ;, esses setores não são obrigados a fazer nenhum tipo de comunicado às autoridades, ainda que o dinheiro seja oriundo do narcotráfico ou da corrupção.
;Não podemos fechar os olhos. Por melhor que seja a nossa legislação, existe uma economia que funciona nas sombras. E temos de impor limites. Sabemos que não há um sistema totalmente imune a irregularidades e que não vamos acabar com a lavagem de dinheiro. Mas podemos torná-la mais difícil;, diz Antonio Gustavo Rodrigues, presidente do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), órgão vinculado ao Ministério da Fazenda. O caminho para dificultar a vida dos criminosos depende, porém, do Congresso, que está avaliando o Projeto de Lei nº 3.443, uma atualização da Lei nº 9.113, de 1998, que tipificou os crimes de lavagem de dinheiro no Brasil.
Mas, enquanto os parlamentares não dão a sua contribuição, o Coaf vai usando os poderes que tem para apertar o cerco até aonde a vista alcança. ;Elegemos algumas prioridades, entre elas, o segmento de loterias e de cartões de crédito, setores nos quais encontramos alguns vácuos;, destaca Rodrigues. Ele ressalta que, no caso das loterias administradas pela Caixa Econômica Federal, não há problemas. Todas as informações suspeitas são repassadas normalmente às autoridades. O problema está nas loterias administradas pelos estados.
A despeito de todos os pedidos feitos pelo Conselho para que as secretarias de Fazenda, administradoras dos jogos, informem as listas dos vencedores ; especialmente os ganhadores contumazes ;, nenhum dado é repassado. ;Não estamos pedindo nada demais. Só queremos informações que sejam suspeitas, como é suspeito uma pessoa carregar dinheiro em malas. Mesmo não sendo ilegal, é importante nos comunicar. Não estamos montando um banco de dados de bandidos. Trata-se de uma fonte de informação importante, para proteger, inclusive, quem está do outro lado do negócio;, assinala o presidente do Coaf. Ele não sabe dimensionar o tamanho da zona cinzenta que está fora do foco do Conselho. Mas admite que é enorme. No sistema financeiro, submetido à Lei da Lavagem de Dinheiro, há cerca de R$ 2,2 trilhões em circulação.
Receita Federal
No caso dos cartões de crédito, todas as transações que passam pelos bancos já são amplamente fiscalizadas. Mas o Coaf vê fragilidades em operações fechadas pelas empresas que fornecem os cartões. ;Queremos ampliar nosso raio de ação, deixar as coisas mais claras, especificar bem as responsabilidades de cada um;, diz Rodrigues. ;Vamos fazer o mesmo com as joalherias e as lojas que negociam objetos de arte e antiguidades. Simplesmente, não temos noção de quantas empresas atuam nesses ramos no país. E, muitas vezes, as compras são fechadas sem registro, pois pessoas pedem anonimato, alegando problemas pessoais;, conta.
Ele ressalta ainda que o Coaf dará passos mais largos em direção ao mercado imobiliário e às empresas de factoring, que antecipam receitas ao setor produtivo comprando, por exemplo, notas promissórias e duplicatas. ;Estamos fechando acordos com entidades que representam as factorings e os corretores. Nossa intenção é que a Associação Nacional das Sociedades de Fomento Mercantil (Anfac) e o Conselho Federal de Corretores de Imóveis (Cofeci) exijam o fornecimento de informações suspeitas de todos os seus associados;, conta. Para se medir a importância desses setores, desde 1998, o Coaf recebeu 10.270 comunicados sobre negociações de imóveis com irregularidades à vista e 45.143 de factorings.
;No mundo inteiro, o sistema financeiro, que engloba os bancos, as bolsas de valores, as seguradoras e os fundos de pensão, é o mais regulado pelas autoridades. Mas não podemos nos prender a ele;, frisa Rodrigues, ressaltando a importância de uma cooperação da Receita Federal para que o combate aos crime se amplifique. O Fisco, acredita o presidente do Coaf, tem ampla condições de traçar um perfil mais claro das empresas que não têm obrigação de comunicar operações suspeitas de lavagem. ;Seria importante, por exemplo, que todas as compras acima de R$ 10 mil fossem imediatamente comunicadas à Receita, como ocorre nos Estados Unidos e da Europa;, diz. ;Com certeza, poderíamos focar nossa trabalho na inteligência. Hoje, temos 45 funcionários para fazer tudo;, acrescenta.
Terrorismo
O combate à lavagem de dinheiro no Brasil precisa dar outro passo importantíssimo: definir em lei o crime de financiamento ao terrorismo. Da forma como está a legislação hoje, o país não se adequa às recomendações internacionais e corre o risco de se reprovado na avaliação pela qual passará ao longo do segundo semestre pelo Grupo de Ação Financeira sobre Lavagem de Dinheiro (Gafi). Esse grupo estabeleceu 49 normas a serem seguidas, das quais nove se referem ao terrorismo. ;Estamos na dependência do Congresso, para definir o financiamento ao terrorismo. Se isso não for aprovado, vamos levar bomba;, avisa o presidente do Coaf.
A última avaliação do Brasil ocorreu em 2004. Mas, de lá para cá, pouco se avançou. Agora, segundo Rodrigues, é preciso se preocupar com o que se define como ;terceira geração;, em que qualquer ilícito (como roubo ou desvio de dinheiro) é considerado antecedente à lavagem de dinheiro. Se essa visão for adotada, ficará muito mais fácil para os governos se desfazerem de bens tomados de criminosos. Hoje, é preciso esperar a comprovação da lavagem para que os bens bloqueados sejam vendidos. Muitas vezes, quando isso acontece, já não têm mais valor.
Também é preciso ampliar a integração entre os órgãos reguladores, como a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e o Banco Central. Quando há suspeita de lavagem de dinheiro nas bolsas de valores, é a CVM que investiga. Mas se as informações levarem ao sistema financeiro, o trabalho é interrompido, porque o BC alega sigilo bancário. ;Por isso, sou defensor de uma agência única de regulação, pois levaria a uma maior eficiência no combate aos crimes.;