postado em 19/04/2009 11:27
A decisão do governo de reduzir a economia para o pagamento de juros da dívida (superávit primário), de 3,8% para 2,5% do Produto Interno Bruto (PIB) ; anunciada pelos ministros Guido Mantega e Paulo Bernardo ;, não causou ruídos imediatos no mercado financeiro. Mas custará caro ao próximo presidente da República. Se o menor esforço fiscal permitirá, agora, que a administração Lula mantenha abertas as torneiras dos gastos, concedendo aumentos substanciais ao funcionalismo e ao salário mínimo, que bate direto nas contas da Previdência Social, quem sair vitorioso na eleição de 2010 será obrigado a promover um arrocho brutal nas despesas públicas se quiser manter a mínima capacidade de investimentos.
;Simplesmente, caiu a máscara do governo Lula. As virtudes que prevaleciam na política fiscal foram jogadas fora. O grande interesse do presidente é manter a sua popularidade em alta e fazer seu sucessor;, diz o economista-chefe do Banco ABC Brasil, Luís Otávio de Souza Leal. Para ele, ao rasgar a cartilha do ajuste fiscal, o governo optou pelo caminho mais fácil: em vez de cortar gastos para adequá-los a queda das receitas com impostos, seriamente afetadas pela crise mundial, a equipe econômica baixou o superávit. ;A sensação que se tem é de que, nesses últimos anos, o governo só fez superávits primários robustos porque se aproveitou do forte aumento da arrecadação;, acrescenta.
Fatura
Como está a pouco mais de um ano e meio de deixar o governo, Lula sabe que a fatura das estripulias fiscais de agora só aparecerão a partir de 2011. ;É difícil imaginar o próximo governo dando reajustes aos servidores ou aumentando o salário mínimo acima da inflação;, afirma Zeina Latif, economista-chefe do Banco ING. Mas ninguém está se dando conta disso neste momento, porque há uma comoção no mundo com a retração econômica. A maioria dos governos está ampliando os gastos para estimular a produção e o consumo. São as chamadas políticas anticíclicas. ;A verdade é que, no Brasil, não há política fiscal anticíclica, pois os gastos públicos vêm crescendo ano a ano. Não é um fato emergencial, como se vê em outros países;, complementa.
O que mais assusta os economistas é que, além das receitas em queda, o governo está concedendo redução de tributos a alguns setores, que, somente no primeiro trimestre, custou R$ 3,1 bilhões ; com eles, a perda de arrecadação superou os R$ 10 bilhões no período. ;Em vez de beneficiar todos os setores industriais com o corte linear do IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados), o governo privilegia os que falam mais alto ou choram mais;, ressalta Leal. ;Para ver como esses privilégios não funcionam, basta olhar para o setor automotivo, que teve corte de IPI, aumentou as vendas, mas não puxou a indústria como um todo;, frisa.
Juros altos
Na avaliação de Zeina Latif, o próximo presidente também poderá herdar juros mais altos. Ela diz que há um forte debate no mercado financeiro sobre a necessidade de o Banco Central ter de elevar a taxa básica (Selic) a partir de segundo semestre de 2010. Com a atividade recuperando o fôlego, a gastança fiscal tirará parte da eficiência da política monetária. ;Estou apostando que, por causa do aumento das despesas do governo, o Comitê de Política Monetária (Copom) fará somente mais um corte de juros neste mês, de um ponto percentual, com a Selic ficando em 10,25% por um bom tempo. Isso quer dizer que não chegaremos a uma taxa de um dígito, porque o BC não quer correr riscos;, destaca.
A maioria dos analistas, porém, vê a Selic descendo até os 9,25% ao ano nos próximos meses. Mas admite que, no fim de 2010 ou, no mais tardar, no início de 2011, o BC será obrigado a aumentar novamente os juros para manter a inflação sob controle. ;É o efeito colateral da deterioração da política econômica do atual governo;, complementa Luís Otávio Leal.
O banqueiro Luiz Cezar Fernandes, que está dependendo do aval do BC para assumir o controle do banco alemão Dresdner no Brasil, reconhece que o Copom não terá como evitar uma alta dos juros no fim do ano que vem. ;Mas o aumento dos juros aqui será bem menor do que a que veremos nos Estados Unidos. No Brasil, a Selic terá de voltar para os 11%, provavelmente. Nos EUA, os juros, que estão próximos de zero, irão até os 21%. Será um choque e tanto;, afirma.
Lá, o estímulo à economia está se dando por meio da emissão de moedas. Desde o estouro da crise, em setembro do ano passado, a quantidade de dinheiro em circulação na economia americana passou de US$ 1 trilhão para US$ 2,5 trilhões, um combustível potente para a inflação quando o consumo recuperar o fôlego. ;Nesse ponto, nossa situação está bem melhor. O potencial dos gastos do governo brasileiro de estimular a inflação é bem menor do que a emissão de moeda nos Estados Unidos;, diz. ;Por isso, sou mais otimista. E vejo o Brasil fechando 2009 com crescimento econômico entre 1% e 1,5%.;
Fernandes avalia como positiva a retirada da Petrobras do cálculo do superávit primário, pois a empresa terá R$ 15 bilhões a mais para investir sem as amarras do setor público. Na visão de Leal, economista do banco ABC Brasil, a liberação das amarras da estatal pode ser positiva.