postado em 14/06/2009 09:05
Quarenta e quatro quilates de diamantes extraídos do rico subsolo de Coromandel, município de 27 mil habitantes localizado no Alto Paranaíba, desembarcaram em Antuérpia, na Bélgica, em meados do mês passado, vendidos por US$ 350 mil. O volume e o valor podem parecer insignificantes ; e são, num mercado mundial que movimenta US$ 120 bilhões anuais. Mas o negócio, em si, carrega um significado que extrapola a simples negociação comercial.
Motivo: foi a primeira vez que uma cooperativa de garimpeiros de Minas Gerais ; no caso, a Cooperativa de Garimpeiros de Coromandel (Coopergac) ; exportou diamantes de forma absolutamente legal, cumprindo normas fiscais e ambientais. E mais: seguindo o Certificado de Kimberley, documento exigido pela Organização das Nações Unidas (ONU) para evitar que pedras contrabandeadas ou extraídas em áreas de conflito, como na África (principalmente em Serra Leoa, onde as atrocidades cometidas pela guerrilha chegou às telas de Hollywood no filme Diamantes de sangue, com o galã Leonardo di Caprio), sejam negociadas nas principais bolsas de joias do mundo.
Além da Coopergac, apenas a cooperativa de Juína, no Mato Grosso, detém o certificado de origem, emitido pelo Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM), ligado ao Ministério de Minas e Energia. Com isso, a partir de agora, os garimpeiros de Coromandel, cidade registrada como a capital nacional dos diamantes, estão também abrindo uma porta para se livrar dos atravessadores que, desde as primeiras descobertas no município, no início do século 19, compram as pedras dos trabalhadores por um preço ínfimo e as revendem por valores bem mais gordos, geralmente de forma ilegal, para empresas de mineração ou de comercialização de joias.
A porta de saída para essa cilada é exatamente a cooperativa, que adquire diamantes de seus cooperados por um valor considerado justo e dentro dos parâmetros legais. Os 130 garimpeiros pagam à Coopergac 2% sobre o valor do negócio. ;Não queremos liquidar os atravessadores, mas, agora, os nossos cooperados têm uma opção de venda de forma legal e com preço maior;, diz Darío Machado Rocha, fundador da cooperativa, ex-secretário-geral da entidade e vereador na cidade. Antes da cooperativa, os garimpeiros que tentavam vender as pedras sem passar pelos atravessadores eram jurados de morte. Muitos, de fato, foram assassinados ; o próprio Darío chegou a ser ameaçado. Mas os tempos de diamantes de sangue em Coromandel parecem ter ficado para trás.
Na cidade, os compradores mais conhecidos são os irmãos Gilmar e Geraldo Campos, de Patos de Minas, donos da Gia Campos Mineração, conhecidos como os reis dos diamantes e já investigados pela Polícia Federal por extração ilegal de pedras em reservas indígenas na Amazônia. Gilmar, por sinal, acaba de comprar uma ampla área no município, que será utilizada para garimpo.
Outro comprador é o comerciante Hassan Ahmad, nascido em Serra Leoa, registrado no Líbano e dono de um passaporte belga, também investigado pela PF na Operação Carbono, em 2006. Na época, Ahmad foi acusado de formação de quadrilha e falsificação do Certificado Kimberley com a ajuda de funcionários do DNPM. O comerciante chegou a ser flagrado no Aeroporto de Confins negociando pedras e o ministério suspendeu a emissão dos certificados, que só foi retomada um ano depois.
Darío, da Coopergac, garante que Ahmad não foi mais visto em Coromandel, mas garimpeiros locais afirmam que ele continua atuando nas sombras. Seu nome é falado com frequência por eles. ;Estamos nos movimentando num jogo de xadrez violento;, resume o vereador.
Rotina movida a ilusão
A palavra ;ilusão; é uma das mais ouvidas entre os homens que trabalham no garimpo. Outra expressão bastante usada é ;cruel;. José Carlos Rodrigues, de 43 anos, está há 21 na profissão. ;O garimpo de diamante é uma atividade cruel. A gente pode ter sorte e achar uma pedra em poucos dias ou passar meses sem achar nada;, diz. A sorte sorriu para Rodrigues há alguns dias, quando encontrou, na bateia, um diamante de aproximadamente três quilates, avaliado em cerca de R$ 2 mil. Mas a sorte não costuma sorrir sempre.
;Fiquei 10 anos sem encontrar nada. Isso aqui é só ilusão;, concorda Sinval Isoldino, o mesmo que foi obrigado a vender a pedra da sua vida para os atravessadores locais. Os comerciantes e atravessadores, esses sim, se dão bem ; e jogam pesado. ;Há pouco tempo, um garimpeiro tentou vender uma pedra de 72 quilates diretamente para o Ahmad (o comerciante africano/libanês/belga investigado pela PF) por R$ 540 mil. Ahmad aceitou, mas os atravessadores ficaram sabendo e ele retirou a oferta. Então, eles compraram por R$ 470 mil. O garimpeiro perdeu R$ 70 mil;, conta Isoldino.
A expectativa é de que esse quadro mude com o crescimento da Cooperativa de Garimpeiros de Coromandel (Coopergac), que já ameaça essa turma da pesada. E os planos da entidade são ambiciosos. Depois de fazer sua primeira exportação de diamantes para a Bélgica, a Coopergac quer entrar na Bolsa de Diamantes de Israel, uma das maiores do mundo (só perde para a belga), que movimenta US$ 10 bilhões por ano. ;E estamos negociando também com um grupo suíço, que tem interesse em diamantes menores;, revela Darío Machado Rocha, fundador da cooperativa.
Coromandel abriga cerca de 3 mil garimpeiros, quase 10% da população da cidade. Mas a cooperativa espera que, com a crise mundial e a queda nas vendas e nos preços de diamantes, empresas estrangeiras abram mão do direito de lavra na região, que seria arrematada pela Coopergac. Dessa forma, a entidade poderia ampliar o número de cooperados. ;Hoje, temos uma área útil de 100 hectares. Não há como abrigar mais gente;, explica Darío. (PP)