Economia

Endividamento das famílias atinge o mesmo nível da Inglaterra

postado em 26/06/2009 08:00
A crise financeira que ainda faz estrago pelo mundo e jogou as economias mais ricas do planeta na recessão não está intimidando os brasileiros na hora de comprar a prazo ou de tomar um empréstimo. Somente em maio deste ano, o endividamento das famílias aumentou R$ 10 bilhões ( 2,4%), atingindo a cifra recorde de R$ 426,5 bilhões. Esse saldo devedor corresponde a 14,5% do Produto Interno Bruto (PIB), a soma de todas as riquezas produzidas pelo país, nível comparável ao da Inglaterra. Apesar de crescente, não é o tamanho do débito das pessoas físicas que assusta os economistas. Mas a sua qualidade. Os brasileiros estão pendurados em dívidas muito caras, como o cheque especial e o cartão de crédito, com taxas de juros próximas de 170% ao ano, custo impensável em uma economia civilizada. Não foi à toa que o nível de calote entre as pessoas físicas fechou maio em 8,6%, patamar sem precedentes desde julho de 1994, quando o Banco Central (BC) passou a fazer o levantamento. O número, explicou o chefe do Departamento Econômico da instituição, Altamir Lopes, reflete o ápice da crise, no fim de 2008 e início deste ano. Apreensivos com o futuro da economia, os bancos suspenderam boa parte de suas linhas de crédito, especialmente as mais baratas, como o crédito consignado, com desconto em folha de pagamento. As liberações ficaram concentradas no cheque especial, no cartão de crédito e nos tradicionais empréstimos pessoais. Com isso, quem não conseguiu refinanciar as dívidas baratas que venceram, tiveram de recorrer aos empréstimos mais caros. Assim, os juros elevados comprometeram demais a renda das famílias e não restou outra alternativa a não ser a inadimplência. O que chama mais a atenção nos levantamentos do BC é que o índice de inadimplência só é calculado sobre uma parcela da dívida dos brasileiros, de R$ 290 bilhões. O BC não informa o patamar de atraso nas operações realizadas, por exemplo, por cooperativas de crédito e empresas de leasing, hoje, as maiores financiadoras de automóveis. Só entram no cálculo os débitos sem pagamento há mais de 90 dias. Assim, os 8,6% representam um calote de R$ 25 bilhões. "Os dados do BC são incompletos. Temos a impressão de que a inadimplência é maior quando se considera a dívida total das pessoas físicas", frisa a economista Luíza Rodrigues, do Banco Santander. Para ela, os brasileiros deveriam mudar o perfil de suas dívidas. Em vez do cartão de crédito e do cheque especial, o melhor seria comprometer a renda familiar com prestações da casa própria. Nessas operações, os juros estão em 10% ao ano, taxa que, normalmente, se paga em um mês quando se recorre aos limites do especial. Apelo a parentes O autônomo Francisco Barroso Sousa, de 54 anos, morador do Riacho Fundo I, sabe muito bem o que as estatísticas do BC estão mostrando. Há dois anos, com a economia brasileira crescendo a todo vapor e bancos e lojas vendendo facilidades na hora de emprestar dinheiro ou de financiar uma mercadoria, ele não pensou duas vezes em ceder aos desejos do consumo. Mas, com o estouro da crise mundial, em setembro último, sua vida financeira se transformou em um inferno. Os rendimentos mensais, de até R$ 10 mil, caíram para apenas 10% do que faturava antes de o mundo ruir. "Para botar comida em casa, deixei de pagar as prestações de lojas, o celular, o cartão de crédito e os empréstimos bancários", disse Sousa. Os débitos já somam R$ 7.267 e seu nome está na lista de maus pagadores da Serasa, empresa que acompanha com lupa os débitos em atraso. A vida de Jorge César Oliveira Santos Júnior, 31, não está muito diferente. Desempregado há um ano e com 27 prestações a pagar a uma financeira e a uma loja de eletrodomésticos, ele acumula dívidas superiores a R$ 1,7 mil. "Vivo com a ajuda de parentes. Estou com dificuldade para arrumar emprego, pois meu nome está no Serviço de Proteção ao Consumidor (SPC), conta. "O que me resta é fazer bicos como vigia. Ganho R$ 40 por noite", diz o morador de Valparaíso (GO), que agradece o fato de a mulher receber um salário mínimo por mês, quantia fundamental para os dois filhos não passarem fome.
Seu bolso Fuja do cheque epecial Quem está pensando em fazer uma dívida deve ter muito cuidado. Apesar de os juros estarem em queda, comprar a prazo ou tomar empréstimo no Brasil continua custando muito caro e o débito pode se tornar impagável. A dica da economista Luza Rodrigues, do Banco Santander, é pesquisar as taxas dos bancos e só fechar negócio se realmente não houver como adiar a dívida. Para os que podem esperar para trocar a geladeira ou o carro, o melhor é poupar parte do salário. E mais: fuja do cartão de crédito e do cheque especial, cujas taxas de juros encostam nos 200% ao ano. Retomada do crédito A retomada das linhas de crédito mais baratas está sendo puxada, de um lado, pelos bancos públicos, por determinação do presidente Lula, e de outro, pelos bancos privados de pequenos e médio portes, que estavam fora do mercado desde o estouro da crise mundial, em setembro de 2008. "Felizmente, essas instituições voltaram a oferecer crédito consignado, bem mais baratos", disse o economista-chefe da Confederação Nacional do Comércio (CNC), Carlos Thadeu de Freitas Gomes. No acumulado do ano, as concessões de empréstimos com desconto em folha aumentaram 101,5%, o que mostra que esse segmento estava praticamente parado. Na avaliação de Freitas Gomes, a forte presença dos bancos públicos nos momentos mais críticos da crise foi muito importante para fazer com que o crédito continuasse jorrando. A intervenção estatal também ajudou para que, na média, os juros começassem a cair. "Num primeiro momento, o crédito secou e os juros subiram. Mas, com a maior presença do Banco do Brasil, da Caixa e do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e social (BNDES) nas operações, os consumidores e as empresas puderam se financiar e o custo do crédito voltou a baixar", ressaltou. Nos cálculos do chefe do Departamento Econômico do Banco Central, Altamir Lopes, de maio de 2008 a maio de 2009, a participação dos bancos públicos aumentou de 35% para 38%. No mesmo período, a presença das instituições privadas nacionais recuou de 44% para 42% e a dos bancos estrangeiros, de 21% para 20%. De janeiro a maio, as operações dos bancos públicos tiveram expansão de 6,9%, enquanto as liberações de crédito pelas instituições privadas avançaram 1,2% e os negócios dos bancos estrangeiros encolheram 1,9%. "Em maio, pela primeira vez em sete meses, o crescimento dos financiamentos pelo setor privado superou o dos bancos públicos", disse a economista Luíza Rodrigues, do Banco Santander. Ela destacou, porém, que o crescimento do crédito ao longo deste ano será de 15%, metade do que se viu nos últimos anos. Haverá, ainda, aumento da inadimplência entre as empresas, que, no mês passado, bateu em 3,2%, o maior nível desde maio de 2001. Os juros deverão permanecer em queda. Para as pessoas físicas, a taxa média, que fechou maio em 47,3% ao ano, caiu para 46,7% nos primeiros 15 dias de junho. Os juros do cheque especial, no entanto, subiram em maio para 167,8% ao ano.

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