postado em 04/07/2009 08:00
São Raimundo Nonato (PI) ; Na pequena cidade encravada aos pés da Serra da Capivara, um dos maiores sítios arqueológicos do mundo, são visíveis os avanços ocorridos desde 1994, quando o Plano Real foi lançado e quando a reportagem do Correio esteve no local, retornando neste ano, quando se completa 15 anos de estabilidade. Dinâmica, a economia do município cresceu a passos largos, permitindo a queda do desemprego e a melhoria das condições de vida de parte importante da população. O controle da inflação, no entanto, explicitou diferenças, algumas gritantes, como as que separam Raimundo Soares, 44 anos, e Socorro Macedo, 54, ambos empresários do setor de confecções.Instalados em lojas distantes pouco mais de 50 metros, os dois representam o fracasso e o sucesso na luta para sobreviver em uma economia estável, sem a loucura das remarcações diárias de preços e as correções mensais de até 80% dos salários, que davam uma falsa sensação de riqueza. Nocauteado pela concorrência e por um alto índice de calote, Soares fechou a fábrica na qual empregava nove pessoas. Hoje, cuida de uma pequena loja.
Já Socorro cortou custos, soube negociar com os fornecedores e passou a trocar de supermercados mesmo que a diferença de preços fosse de apenas dois centavos. Pujante, sua empresa emprega, direta e indiretamente, 32 pessoas. E está pronta para ampliar o quadro de pessoal, mesmo com a crise mundial, que, segundo ela, não chegou ao sul do Piauí. Conheça um pouco mais dessas duas sínteses do Plano Real.
Ajustes
Os últimos 15 anos foram um tormento para o comerciante Raimundo Soares, 44 anos. Apesar de a maior parte da população do país ter se esbaldado com o fim do tormento da inflação, ele reconhece que não soube lidar bem com a tão sonhada estabilidade da economia. ;Não me dei bem com o plano, foi difícil viver sem a ajuda da inflação;, diz. No caso de Soares, não se dar bem com o Plano Real foi perder a fábrica de roupas, a Sol Nascente, na qual empregava nove pessoas. ;Vendia e não recebia. Registrei um índice de inadimplência de 90%, insustentável para um negócio se manter de pé;, diz.
[SAIBAMAIS]Além do calote, Soares teve de enfrentar a competição. Com o aumento da renda da cidade em que nasceu e se criou, no sul do Piauí, viu gigantes do varejo nordestino abrirem as portas a poucos metros da loja de sua fábrica. As facilidades de pagamento ; prestações a perder de vista ; oferecidas pelas concorrentes lhes roubaram o grosso da clientela. Restaram uns poucos que, na base da amizade, continuavam lhe pedindo fiado e ele vendendo mesmo não recebendo em dia. ;Deu no que deu, meu negócio minguou de vez;, conta.
Hoje, considerando-se uma vítima das mudanças profundas promovidas na economia brasileira pelo Plano Real, Soares ressalta que seu negócio se resume a uma pequena loja, na qual ele e a mulher, Celsa, 47, tiram boa parte do sustento da família ; ela é professora da rede pública. As mudanças no comércio chegaram em casa. Um dos dois filhos do empresário teve que sair da escola particular por incapacidade do pai de pagar as mensalidades. Nas compras de supermercado, só o essencial. ;Aos poucos, estamos tentando refazer a vida. Tenho fé que tudo vai dar certo;, diz.
Ilusão inflacionária
Os dias da empresária Socorro Macedo, 54 anos, têm sido de um corre-corre danado. ;Não me sobra tempo para nada;, admite. Motivo: sua confecção de roupas está trabalhando a pleno vapor para atender a todos os pedidos. ;Em alguns casos, estou até terceirizando os serviços para cumprir os prazos de entrega;, diz. Com isso, entre funcionários próprios e terceirizados, está garantindo o pão de cada dia de 32 famílias. ;É uma responsabilidade e tanto;, reconhece.
A empresária atribui o sucesso de seu negócio ao ajuste que teve de fazer quando a ;ilusão; inflacionária acabou, há 15 anos, com a edição do Plano Real. ;Tive de promover uma mudança de mentalidade não só na minha confecção como na minha casa. Passei a negociar preços com fornecedores, a exigir produtos de boa qualidade. Nos supermercados, me obriguei a mudar de calçada se a loja em frente estivesse vendendo um produto dois centavos mais barato;, relata. ;Tudo isso me permitiu uma boa economia e um controle de custos vital para a minha sobrevivência;, acrescenta.
Socorro ressalta que a São Raimundo Nonato de hoje nada tem a ver com a cidade de 15 anos atrás. O município cresceu muito, tornou-se um polo importante do sul do Piauí, que atrai gente de outras 12 cidades próximas. ;A concorrência aumentou, mas se você fizer um bom produto a preços acessíveis, há espaço no mercado;, receita. ;Eu, inclusive, procuro repassar à clientela todo o desconto que obtenho com meus fornecedores. E, fiado, só aos que realmente podem pagar;, afirma. Quanto ao futuro, Socorro é enfática: ;Só espero que o governo nos proteja e não deixe a inflação voltar;.
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