Economia

Leia íntegra da entrevista com o governador de Minas Gerais, Aécio Neves, sobre o plano de estabilização

postado em 04/07/2009 08:01

O governador de Minas Gerais, Aécio Neves ; um dos postulantes do PSDB a candidato a presidente da República nas próximas eleições ; acredita que o Plano Real "fincou raízes e permitiu que florescesse uma nova lógica para o desenvolvimento brasileiro". Nesta entrevista ao Correio Braziliense, ele fala de inflação, juros, privatização, protecionismo, reforma tributária e Lei de Responsabilidade Fiscal. "Precisamos diminuir o crescente e preocupante volume de gastos com a máquina do governo para investir mais, especialmente em infra-estrutura, inclusive para acompanhar a ampliação do ritmo da atividade econômica induzido pela menor taxa real de juros". Para ele, a gestão pública de qualidade deve ser o primeiro item na agenda nacional de debates. Leia o que pensa o governador sobre o futuro do Real a partir de 2010.

O plano de estabilização está completando 15 anos. Quais são os efeitos da estabilidade esperados pelo senhor a partir de 2010?



O Plano Real é o marco do Brasil moderno. Um novo País nasceu depois dele. Se, ao contrário das oito iniciativas anteriores de combate a hiperinflação, foi um plano de indiscutível qualidade técnica, sua implementação exigiu coragem, seriedade e credibilidade política, além de compromissos com o futuro e o bem-estar da sociedade brasileira. O crescimento econômico, desde então, e a extraordinária evolução da qualidade de vida que se percebe no País, são decorrências diretas dessa mudança. E os seus efeitos positivos devem continuar pela história adentro, porque ele representa a base para um novo ciclo de desenvolvimento nacional. Outro ganho incontestável: o Plano Real, e todos os avanços que vieram com ele, vacinaram a população brasileira contra oportunismo político e malabarismos na condução da política econômica. O Real fincou raízes e permitiu que florescesse uma nova lógica para o desenvolvimento brasileiro. Se perdemos, agora, oportunidades preciosas de atravessar a fronteira para um outro patamar, para o pleno desenvolvimento, neste que foi o mais importante ciclo de prosperidade do mundo, estamos prontos para avançar mais, com ousadia e segurança, fazendo as reformas constitucionais necessárias, melhorando a qualidade da gestão pública e agindo para democratizar as oportunidades e distribuir com mais equidade as riquezas que produzimos, reduzindo, assim, a dramática desigualdade social que nos constrange e nos diminui perante o mundo.

O senhor considera que a independência operacional do Banco Central contribuiu para a estabilidade da moeda ou a estabilidade ocorreria independentemente dessa liberdade? O senhor acredita que a autonomia operacional do BC deve ser mantida, visando à independência, ou o governo deve ter maior presença dentro do BC?



A política monetária é formada por um conjunto de medidas eminentemente técnicas, mas que respondem a uma política de governo. Acredito que o tratamento dado a essa questão, no Brasil, está perfeitamente consolidado, após os 10 anos de sucesso do regime de metas de inflação. Desse ponto de vista, a relação entre o governo federal e o Banco Central não poderia ser outra senão à de confiança e respeito às funções técnicas do Banco Central. Isso quer dizer que o Banco Central tem e deve continuar a ter autonomia para executar ; com parâmetros pré-estabelecidos ; a sua importante missão de defender o valor da moeda e a saúde monetária nacional.

[SAIBAMAIS]

Em sua avaliação, e considerando que o país irá passar por um período de redução de juros, são necessários ajustes ao plano de estabilidade? Quais?



Acho que precisamos realizar alguns reposicionamentos de prioridades. Por exemplo, precisamos diminuir o crescente e preocupante volume de gastos com a máquina do governo ; eles cresceram mais de 70% nos últimos seis anos -, para investir mais, especialmente em infra-estrutura, inclusive para acompanhar a ampliação do ritmo da atividade econômica induzido pela menor taxa real de juros. Investir menos de 1% do PIB está, obviamente, muito aquém das necessidades do País. Acrescento que, nessa linha, iniciativas acessórias precisarão ser analisadas, especialmente no âmbito regulatório, como a questão da indexação e de medidas prudenciais em relação ao mercado de capitais, reorganização do sistema tributário, entre outras. Importante entender que a estabilidade econômica não é algo que se conquistou e pronto. A estabilidade é um processo dinâmico de interrelações entre agentes econômicos, instituições e o setor público e, por definição de dinâmica, deve ser permanentemente cuidada, com vistas aos concretos objetivos da sociedade. Essa é uma das funções mais importantes de quem governa.



Alguns economistas atribuem ao programa de privatização grande relevância para o processo de estabilização. Qual é a sua avaliação? O programa de privatização deve ser mantido e aprofundado ou o senhor avalia que esta etapa já se esgotou?



O Plano Real mostrou ; mas muitos ainda insistem em não ver ; que a questão da privatização não é ideológica, mas funcional e pragmática. Há segmentos em que a privatização funcionou muito bem ; aí, há o caso clássico da telefonia. Da mesma forma, não havia qualquer motivo estratégico para o Estado continuar sendo o maior produtor de aço. Em 2001, enquanto presidente da Câmara, tive a oportunidade de me posicionar contra o movimento de privatização de Furnas. Nesse caso, por razões estratégicas, sendo essa empresa uma referência para a conduta do capital privado do setor, não me pareceu funcional, até porque o marco regulatório, a exemplo de hoje, gerava muita incerteza.



Desde o início do plano de estabilização os governos falaram em promover uma reforma tributária. Qual é a sua avaliação? A reforma tributária é necessária para garantir a continuidade da estabilização? Ou o país já se adaptou ao atual sistema e esta reforma não é mais necessária?



A questão tributária pode, certamente, contribuir para que o País cresça e se desenvolva de forma mais justa. Com ela, podemos aprimorar a produtividade, desonerar bens e serviços segundo suas essencialidades, incentivar o desenvolvimento regional e promover melhor perfil distributivo da renda. Da mesma forma, a distribuição entre esferas de governo de receitas fiscais, compatíveis com suas respectivas responsabilidades, é uma medida urgente e necessária e só com ela refundaremos o pacto federativo. Portanto, há espaço para um novo ordenamento tributário, mas a exeqüibilidade depende de um enorme esforço político que deixe transparecer ; no governo ; aqueles atributos mencionados de seriedade e a firmeza de propósitos, de forma a conseguir equacionar os naturais antagonismos que surgem em momentos de transformação, como esse. Entendo que só conseguiremos avançar efetivamente nesse campo criando uma grande convergência de propósitos e idéias, acima das nossas naturais divergências e ideologias. A questão precisa receber tratamento diferenciado e supranacional, porque é fundamental ao nosso desenvolvimento.



Alguns analistas consideram relevante a abertura da economia brasileira para o processo de estabilização. Neste momento de crise, vários países estão defendendo posturas protecionistas. Qual é a sua opinião a respeito? O Brasil deve aprofundar a abertura de seu mercado interno ou deve se proteger, garantindo este mercado aos empresários e produtos brasileiros?

Esse é um outro ponto que o Plano Real ensinou à sociedade brasileira. Com a estabilidade, o brasileiro percebeu que se podia planejar e investir. O resultado disso, no âmbito do parque produtivo, foi uma espetacular elevação da produtividade nacional. Neste momento, a atenção de todos está voltada para a crise que começou financeira e se alastrou por toda a economia. Mas é preciso ficar claro que numa economia dinâmica e sem fronteiras, como agora, é nosso dever compartilhar responsabilidades e decisões. Acredito que podemos sair desse cenário avançando para um nova ordem econômica, com a responsabilidade compartilhada e economias mais solidárias. Por isso precisamos estar atentos e vigilantes a tentações como as medidas protecionistas, que às vezes representam uma saída mais fácil e imediata para o problema, mas que precisam ser combatidas com rigor, sob o risco de retrocedermos a mercados mais fechados e menos acessíveis. Isso seria uma grave contradição com os próprios princípios que sustentam a economia global, no seu atual estágio de desenvolvimento. Países como o Brasil, que alcançaram um novo protagonismo na cena internacional, têm o dever de participar ativamente do debate em torno das relações comerciais em um mundo cada vez mais sem fronteiras. A questão não é simplesmente abrir o mercado interno, ou protegê-lo, mas torná-lo mais competitivo e capaz de fazer evoluir todos os nossos imensos potenciais.



A aprovação da Lei de Responsabilidade Fiscal foi considerada um marco para a melhoria da gestão pública e o equilíbrio das finanças dos entes federativos. Mas nos últimos meses houve a flexibilização das regras de forma a desafogar estados e municípios abalados com a perda de receita. O que o senhor acha que deve ser feito: manter as regras, zelando pela responsabilidade fiscal estrita, ou deve haver uma maior flexibilização destas regras?



A Lei de Responsabilidade Fiscal é de fato um divisor de águas para a credibilidade fiscal no Brasil. Como toda diretriz, ela é um caminho, um instrumento para um fim. Desnecessário dizer que esse fim é composto pela tríade da estabilidade econômica, o progresso e o bem-estar social. Nesse atual período de crise econômica aguda, provocada por um choque externo, foi necessário que a política econômica se tornasse expansionista, sustentando a demanda interna, como, aliás, fizeram todos os países. Isso implica dizer que quando o próprio objetivo do progresso econômico estiver sob risco e que algo possa ser feito pelo governo ; por um período de tempo -, não há razão para transformarmos a Lei de Responsabilidade fiscal num encargo, que acabaria por comprometer as metas da sociedade. De tudo, deve-se ter bem claro que o instrumento da responsabilidade fiscal é permanente e que alternativas ; se cabíveis ; devem ter data para início e fim. Essa é a forma soberana de uma sociedade lidar com suas obrigações, vale dizer, manter a credibilidade do governo em relação aos objetivos permanentes, sem se enfraquecer em decorrência das carências eventuais de curto prazo.
Precisamos recuperar os princípios que moveram a República e o Federalismo no Brasil, e que praticamente morreram sob a égide da concentração de poder e da irremediável subordinação dos entes federados. Hoje vivemos a mais grave concentração de impostos, recursos e poder de decisão na esfera da União de nossa história. Quase 70% de tudo que se arrecada no país estão sob a guarda direta do governo central. Se falta ao Brasil esse sentido de ampla participação, também tem faltado, em todos os níveis do setor público, um parâmetro mais elevado de eficiência, além de um inadiável compartilhamento de responsabilidades. Por esse motivo, temos insistido tanto na proposta de que a gestão pública de qualidade deve ser o primeiro item na agenda nacional de debates, neste momento da vida brasileira.

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