postado em 05/07/2009 08:31
O sucesso do Plano Real no combate à inflação é inegável. Mas 15 anos depois de o Brasil ter se livrado da praga que corroía o poder de compra, sobretudo dos mais pobres, uma nova agenda se coloca diante do país: eliminar os entraves e ameaças que impedem um crescimento mais robusto da economia sem que o Banco Central seja obrigado a aumentar as taxas de juros (Selic) para manter os índices de preços dentro das metas definidas pelo Conselho Monetário Nacional (CMN).
[SAIBAMAIS]Essa nova agenda (contemplada no encerramento da série de reportagens sobre os 15 anos do Plano Real), que é vista pelo mercado como uma espécie de Plano Real 2, explicitou-se na última terça, um dia antes de o Real completar seu 15º aniversário, quando o CMN anunciou a meta de inflação para 2011.
Ao bater o martelo pelos 4,5% - índice em vigor desde 2005 -, o governo assumiu que havia optado por aquele número para que o BC não tenha que promover um aperto na política monetária no ano que vem, o que prejudicaria a candidatura da ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff. Na avaliação de parte do governo e do mercado, com a retomada mais forte da economia em 2010, pressões inflacionárias levarão à alta da Selic.
Apesar de o BC contestar tal previsão e assegurar que, pelo menos até a primeira metade de 2011, a inflação estará rodando na casa dos 4%, sem que haja alteração na taxa Selic, escolheu-se o caminho mais fácil. "Isso só mostra o quanto o país se ressente de reformas que ampliem a capacidade de investimentos do setor privado e reduzam os gargalos que levam o Brasil a alternar períodos de crescimento moderados com taxas medíocres", diz a economista-chefe do Banco ING, Zeina Latif. "O debate sobre o controle da inflação é página virada. Agora, temos que deixar as discussões sobre juros e câmbio para trás e encampar uma nova agenda, que realmente leve o país a mudar seu patamar de crescimento".
Gasto público
Zeina reconhece que, apesar da urgência de mudanças estruturais da economia, dificilmente o atual governo encampará qualquer projeto com as eleições à vista. Mas, a seu ver, é importante que, desde já, se lance o debate, de forma que o próximo comandante do país assuma publicamente compromissos para promover, por exemplo, reformas na área fiscal. "Esse é o calcanhar de aquiles do Brasil", afirma. "O que se viu até agora em termos de ajuste fiscal foram remendos. A qualidade dos gastos do governo continua ruim, a capacidade de investimento do setor público em infraestrutura é mínima e, pior, nos últimos anos, contratou-se despesas permanentes que vão exigir mais e mais impostos", acrescenta.
Se nada for feito para mudar esse quadro, complementa Newton Rosa, economista-chefe da Sul América Investimentos, não há como se pensar em taxas sustentadas de crescimento acima de 5% ao ano, como alardeia o atual governo, mesmo com os ganhos proporcionados por uma década e meia da estabilidade. "Com o baixo volume de investimentos privados, é impossível manter esse ritmo de expansão sem que, em algum momento, o BC tenha de dar um tranco na economia via elevação dos juros", frisa.
O problema, no entender de Rosa, é que todo mundo sabe disso, mas ninguém faz nada. "Os gastos com a máquina pública e com o funcionalismo continuam crescendo. Para bancá-los, o governo eleva os impostos, reduzindo o caixa das empresas, sugando recursos que poderiam ser investidos na criação de empregos", reforça o economista. "Com a máquina maior, não sobra dinheiro suficiente para melhorar e ampliar estradas, portos, aeroportos e o sistema de energia elétrica, dificultando os negócios. Vamos torcer para que pelo menos a reforma tributária saia no próximo governo", diz.
Para Flávio Serrano, economista do Banco BES Investimento, é preciso, agora, abrir definitivamente as portas do futuro para o país. "O Brasil do atraso, o da hiperinflação, felizmente, foi enterrado depois do Plano Real. Temos hoje uma sociedade que não abre mão da estabilidade, mas é necessário que se crie um ambiente econômico sólido e competitivo", destaca. "Isso passa pelas reformas tributária e judiciária, por mudanças na lei trabalhista, pelo aprimoramento dos marcos regulatórios. Não dá mais para empurrar esses temas com a barriga".
Se nada for feito, acrescenta Serrano, velhos problemas, como o déficit da Previdência, vão se agigantar. Ele lembra que, nos últimos três anos, com a economia bombando, o rombo nas contas do (INSS) se estabilizou, pois houve uma expressiva criação de postos formais de trabalho. Daqui por diante, no entanto, mesmo com a economia voltando a crescer a uma velocidade próxima de 4%, o déficit da Previdência tende a se elevar, pois o envelhecimento da população exigirá cada vez mais recursos para o pagamento de aposentadorias e pensões.
Indexação
Na opinião de Carlos Thadeu Filho, economista-chefe da SLW Asset Management, há outro ponto fundamental para que as conquistas não fiquem pela metade: a necessidade de se por fim de vez à indexação da economia. A despeito de, nos últimos 15 anos, o país ter se livrado de entulhos acumulados em décadas de inflação descontrolada, há muitos contratos corrigidos pela inflação passada (inércia) que acabam contaminando a inflação futura. "Ainda há muita indexação formal e informal, que alimenta as expectativas futuras de inflação e inibe uma queda mais forte dos juros", diz.
Do lado formal, por exemplo, há os contratos de telefonia e de energia elétrica, firmados durante o processo de privatização. Também há os contratos de aluguel e a caderneta de poupança, com seu rendimento de 6% ao ano, além da variação da Taxa Referencial. Do lado informal, aparecem as mensalidades escolares e o salário mínimo (que não tem uma lei específica para correção). "Tudo isso cria um constrangimento para a política de juros do BC e realimenta a inflação, impedindo que os índices fiquem mais próximos da média dos países emergentes, de 3,6% ao ano", ressalta
No entender do diretor de Política Econômica do BC, Mário Mesquita, chegou a hora de a sociedade encarar os resquícios da indexação, pois não há por que manter a cultura de instituições que teimam em reproduzir a inflação passada. Questionado se a mudança de contratos em vigor não seria vista como um retrocesso, uma quebra de acordo perniciosa para os investimentos, pois abriria precedentes para outras alterações, ele disse que não. "A mudança de contrato vem do hábito da inflação baixa", frisa. Ou seja, houve um importante amadurecimento do país, fruto da estabilidade e da consequente previsibilidade.
É esse amadurecimento, segundo Zeina Latif, que, independentemente de quem for o vencedor nas eleições, levará a sociedade a cobrar a votação de projetos importantes.
MEMÓRIA
Âncoras da moeda
Os economistas costumam dividir o Plano Real em duas etapas. A primeira, do Plano Real 1, vai de julho de 1994 a dezembro de 1998. Nesse período, o governo usou o sistema de câmbio fixo, com o real artificialmente valorizado frente ao dólar, para controlar a inflação. A segunda, o Plano Real 2, teve início em janeiro de 2009, com a substituição do câmbio fixo pelo sistema de taxas flutuantes, a fixação de metas de superávit primário (economia para o pagamento de juros) e a adoção das metas de inflação. A esse conjunto de medidas - hoje, o tripé da economia brasileira - deve-se somar a Lei de Responsabilidade Fiscal aprovada pelo Congresso em 2000, que pôs ordem nas finanças da União, estados e municípios. Agora, a expectativa é de que o Plano Real 3 seja composto pelas tão esperadas reformas constitucionais, como a tributária e a trabalhista.
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