postado em 05/07/2009 10:40
A retomada do crédito a partir de março fez ressurgir a contratação de trabalhadores que ganham a vida nas ruas e de porta em porta, na tentativa de captar clientes para bancos e financeiras. Os pastinhas, como ficaram conhecidos esses vendedores, começam a recuperar um mercado enfraquecido devido ao agravamento da crise. Mas que agora desponta em função do destravamento do sistema financeiro.;Devagarinho, a gente está retornando aos patamares de antes da crise, com a produção (concessão de crédito) saindo de R$ 20 milhões por mês para R$ 60 milhões;, afirma o diretor-superintendente do Banco Panamericano, Rafael Paladino. O economista-chefe do Banco ABC Brasil, Luis Otávio de Souza Leal, reforça: ;Esses pastinhas normalmente são usados para crédito consignado ou para CDC (crédito direto ao consumidor). E há uma volta dessas duas modalidades este ano;.
A recente evolução do crédito ofertado a pessoa física refletiu diretamente no aumento da demanda por operações com desconto em folha, opção muito usada por aposentados, pensionistas e servidores públicos.
;Na nossa loja, que praticamente só trabalha com esse tipo de cliente, o movimento tem sido fortíssimo;, anuncia a operadora de crédito Ana Cláudia Carvalho, que está no ramo há um ano, e que, nesse tempo, viu os rendimentos triplicarem.
Suas colegas de trabalho, as homônimas Kelly Barros e Kelly Cristina Ferreira, vão além: ;Um vendedor que antes fechava de dois a três contratos por dia, hoje chega a fechar 10;, diz a primeira. ;E a tendência é que o movimento aumente, porque é na crise que o pessoal mais precisa de dinheiro;, completa Kelly Cristina.
O patrão, Carlos Alberto da Cunha, não tem do que reclamar. ;No auge da crise, nosso faturamento não era de R$ 2 milhões por mês. Hoje, está em R$ 9 milhões, e a projeção é que, até o fim do ano, deva chegar a R$ 20 milhões;, diz o proprietário da Delta Serviços de Crédito, grupo com três lojas em Brasília.
Nos cinco primeiros meses do ano, segundo dados do Banco Central, operações com consignado avançaram 101% ante igual período de 2008. Em volume total, o crédito, somente em maio, atingiu R$1.259 bilhão, registrando alta de 0,8% ante abril, e de 20,5% em 12 meses.
;É um crescimento que acabou ajudando bastante no retorno dos pastinhas;, diz o chefe da Divisão Econômica da Confederação Nacional do Comércio (CNC), Carlos Thadeu de Freitas, que dirigiu as áreas de dívida pública e bancária do BC. Bancos e financeira teriam sido os primeiros a sentir essa melhora.
A margem de endividamento de aposentados e pensionistas, por exemplo, aumentou de 20% para 30%. ;Passamos por um momento em que os bancos retrancaram o dinheiro. Mas, passado o susto, a turma descontraiu. Viu que a crise não era tão grave e resolveu que era hora de fazer negócio;, avalia o economista Roy Martelanc, professor de finanças da Universidade de São Paulo (USP).
Prazos
Os sinais da retomada no crédito ainda são pouco perceptíveis aos olhos do consumidor. Mas já aparecem descritos em operações de financiamentos ; que tiveram os prazos alongados ; e no volume de vendas de bens de consumo de maior valor agregado, como automóveis, móveis e eletroeletrônicos.
;Para se ter uma ideia, no período mais agudo da crise, o máximo de vezes que se financiava um carro era 60. Agora, o normal é 72 prestações. Mas na semana passada, por exemplo, teve venda que o Itaú financiou em até 84 meses;, detalha o gerente comercial da Jorlan Chevrolet, Stênio Tibério, um das maiores no segmento em Brasília.
Esse cenário de demanda aquecida se assemelha à euforia que se dava no mercado nos meses que antecederam a crise. Naquela época, o excesso de liquidez (mais dinheiro em circulação) e de confiança aumentou o endividamento do brasileiro, que acabou não conseguindo honrar seus compromissos.
Ainda em maio de 2009, o problema persistiu no Brasil. No quinto mês do ano, a inadimplência do crédito (atrasos superiores a noventa dias) ficou em 5,5% da carteira, o que correspondeu a uma alta de 0,3 pontos percentuais ante abril, e de 1,2 ponto percentual em 12 meses.
;O mercado como um todo ainda vai ter essa barriga (margem alta), porque a inadimplência é isso: uma combinação de menor emprego com maior (capacidade de) endividamento;, opina Eduardo Seixas, diretor-geral da financeira Dacasa, com operações no Espírito Santo, Rio de Janeiro e Bahia.
A manutenção dos empregos em 2009 é fator preponderante para a retomada do crédito e, também, para a diminuição da inadimplência.
A lógica dos especialistas é simples: quanto maior for o emprego, menor é o risco de calote. ;E a manutenção desse ciclo virtuoso e da massa salarial no terreno positivo é fundamental para que se reverta a inadimplência no país;, relaciona Souza Leal.