postado em 12/07/2009 13:19
A crise internacional agravou as divergências ideológicas que já separavam a cúpula do Ministério da Fazenda e seus comandados. Herdados das duas administrações anteriores, de Pedro Malan e Antonio Palocci, técnicos de orientação mais liberal discordam das medidas anunciadas pelo ministro Guido Mantega para tirar o país da recessão. Especialistas das secretarias do Tesouro Nacional, de Política Econômica e da Receita Federal reclamam que não participam mais da formulação de políticas e que o ;debate está interditado;. Os chefes asseguram que existe conversa e que os liberais só são derrotados pela ;fraqueza de ideias;. Temendo represálias, os subordinados reprimem sua insatisfação.
A equipe econômica tem se inclinado claramente por uma política anticíclica, aumentando os gastos públicos e concedendo diversos incentivos fiscais para elevar as vendas de bens duráveis, os investimentos e a produção. Preocupados com a estabilidade fiscal, técnicos do Tesouro temem os efeitos negativos dessa orientação no médio e longo prazos. Se o resultado fiscal se deteriorar, com elevação da dívida como proporção do Produto Interno Bruto (PIB), o preço a pagar pode ser a volta da inflação. Em todas as frentes do Tesouro (política fiscal, controle da dívida e relacionamento com os estados, por exemplo), muitos operadores chegaram à Fazenda nos anos 1990. Eles se dizem frustrados.
;Até a chegada do Mantega, o debate era mais fluido e aberto. Os atuais secretários imprimem uma nítida orientação ideológica, embora tenham sido mais pragmáticos quando isso foi preciso. Eles são muito fechados num grupo monolítico. Determinam a política e nós só a executamos;, afirma um experiente técnico da Fazenda. Ele cita decisões que trouxeram preocupação: a emissão de até R$ 100 bilhões em títulos para capitalizar o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), a determinação que o Banco do Brasil (BB) baixe os juros e empreste mais, mesmo com o aumento do risco de calote, e a escolha de setores específicos para gozar de cortes de impostos.
Dominantes
O ;grupo monolítico; que domina o ministério é formado, além do próprio Mantega, pelo secretário-executivo, Nelson Machado; o secretário de Política Econômica, Nelson Barbosa; e o secretário do Tesouro Nacional, Arno Augustin. Todos eles são filiados ao PT ou têm profundas ligações com o partido do governo. Os quatro, pintados pelos técnicos como ;razoavelmente inflexíveis;, defendem uma intervenção mais forte do Estado na economia. A orientação também está sendo ditada, em grande medida, pela ministra-chefe da Casa Civil e pré-candidata do PT à Presidência da República, Dilma Rousseff. Só assessores muito próximos da cúpula da Fazenda participam de algumas discussões.
;Falar em interdição de debate hoje é brincadeira. O que eles chamam de debate interditado eu chamo de resultado democrático das eleições. O Brasil escolheu uma orientação e isso se traduz nas ações do ministério. Os funcionários da casa devem seguir as diretrizes do governo. Podem obviamente opinar, contribuir e divergir, mas no fim do dia vale a opinião do governo eleito;, rebate o secretário de Política Econômica, Nelson Barbosa. Na visão dele, alguns funcionários estão desacostumados com a alternância de poder que deu fim ao ;pensamento único; dominante na Fazenda por mais de uma década. ;Se é para os técnicos ditarem os rumos da política econômica, para que haver eleição?;
Para o secretário, o debate não era possível no governo anterior, de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), em que não haveria espaço para discutir um ponto de vista ;alternativo à visão de Washington; nem para a ascensão profissional de quem pensava diferente. ;Hoje, o debate é amplo e irrestrito. Se o argumento liberal não vence, é pela qualidade das ideias e pelos exemplos claros de fracasso recente;, garante. Barbosa contra-ataca: alguns técnicos alegam que são perseguidos para não admitir sua baixa capacidade. ;É muito mais confortável dizer para a esposa que perdeu o DAS (cargo em comissão) por ser perseguido do que por ser incompetente.;
Ouça o "Melô dos técnicos", trecho da música "Ideologia", de Cazuza