Economia

Reajuste acima do necessário nas contas de luz

Uso das térmicas para evitar apagão custa R$ 2,3 bilhões. Despesa começa a ser rateada e brasilienses receberão a fatura em agosto

postado em 17/07/2009 08:00
Os reajustes das contas de luz poderiam ser até 20% menores este ano se o governo não tivesse mudado as regras (1) para evitar o risco de apagão em 2008. Isso porque a decisão de acionar todas as usinas térmicas no ano passado gerou uma fatura de R$ 2,3 bilhões que está sendo rateada entre todos os consumidores do país. Nos aumentos autorizados pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), há casos em que o Encargo sobre Serviços de Sistemas (ESS) ; valor recolhido nas faturas de energia elétrica que funciona como um seguro contra o racionamento ; subiu 21.007%, como para a Cemat (MT), e 20.843% para a Cemig (MG). Para a CPFL Paulista (SP), o ESS teve peso de 4,2 pontos percentuais ou 19,8% do índice de 21,22% de alta fixado pela agência (veja quadro).

Clique na imagem para ampliarOs consumidores do Distrito Federal vão receber a fatura em breve. A CEB entrega hoje à Aneel os cálculos que serão usados como parâmetro para o índice de reajuste que será fixado para a concessionária em agosto. Reinaldo de Lima Rosa, superintendente de regulação da CEB, adiantou que o uso das térmicas terá impacto no índice da concessionária. ;Os custos do acionamento das térmicas foram suportados pelo distribuidor. Agora, têm que ser repassados;, observa. Segundo ele, a compra de energia, que responde por 38% da composição da tarifa, é o que deve ter maior peso na definição do índice da CEB. ;Tínhamos um valor e, agora, temos outro. Em 2008, o Mwh (megawatt/hora) custava R$ 79,35. Agora, está indo para R$ 104,31;, afirma.

; Custo alto
Especialistas no setor elétrico contestam o governo. ;Os índices de reajustes autorizados ficaram entre 10% e 20% maiores por causa desse encargo. O que se pergunta é: onde está o estudo que mostra a relação custo-benefício? Essa metodologia está provocando um custo assustador para a população;, ressalta Cláudio Sales, presidente do Instituto Acende Brasil.

Ele observa que a tarifa do ESS varia de empresa para empresa, mas responde por 2% do valor total das contas de luz no país. Sales compara o ESS a um seguro, mas observa que o ;bem; que está sendo protegido ; a possibilidade de racionamento de energia ; custa muito menos que o prêmio que está sendo pago. ;O valor do ESS, que nos últimos cinco anos ficou na casa dos R$ 150 milhões, saltou para R$ 2,3 bilhões em 2008, o que é um custo extraordinário;, critica.

O Acende Brasil fez análises do custo do acionamento das térmicas com a metodologia anterior e a atual e chegou à conclusão de que essa medida era desnecessária.

O instituto fez a avaliação com dois parâmetros: um otimista e um pessimista para os próximos cinco anos. ;Um é o balanço estrutural, que é ver quais são a demanda e a oferta média entre o fim de 2007 e início de 2008, e constatamos que o Brasil estava com folga de energia de mil megawatts médios, o equivalente a 1,5 Jirau ou três vezes Angra 3 para os próximos cinco anos. Num cenário pessimista, considerando o crescimento da demanda de energia de 4,4% ao ano e queda de pelo menos 50% na oferta de energia das térmicas e que Jirau (hidrelétrica) atrasasse seis meses, ainda assim teríamos um superávit de energia de 2009 a 2013 de 1.880 megawatts médios;, afirma.

José Goldemberg, professor do Instituto de Eletrotécnica e Energia (IEE) da USP e ex-ministro de Ciência e Tecnologia, também questiona o despacho das térmicas. ;Primeiro, porque as térmicas parecem baratas, pois o custo de R$ 160 por megawatt hora é um preço que não é ruim. Mas isso para funcionar 10% do tempo. Quando existe emergência e ela é acionada, o custo sobe para R$ 500, R$ 600;, diz. ;O segundo aspecto é que (as térmicas) vão na contramão de aumento de emissão de carbono. A projeção da EPE (Empresa de Pesquisa Energética) é que a matriz hidrelétrica responda por 85% do parque brasileiro e, com as térmicas em funcionamento, cai a para 75%;, afirma.

Para Adriano Pires, professor do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE), a mudança das regras do jogo foi uma decisão política. ;Esse governo tem um problema concreto porque combateu medidas do governo Fernando Henrique Cardoso e sempre prometeu que no governo do PT não ia ter racionamento;, afirma.

1 - REGRAS DO SEGURO
No fim de 2007, o governo abriu mão de um critério de uso de fontes de energia complementares à hidrelétrica que estabelecia uma ordem para acionar usina térmicas, ligando primeiro as de menor custo. Essa opção custou R$ 5,7 mil por megawatt hora (Mwh) para evitar falta de energia em 2008, de acordo com o Instituto Acende Brasil. O valor é mais que o dobro do que o considerado aceitável pelo próprio Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), que é de R$ 2,5 mil.






; Esperança contra racionamento

Zulmira Furbino
Enviada especial a Porto Velho

A primeira concretagem (foto) da hidrelétrica de Santo Antônio, no Rio Madeira (Rondônia), permitirá a antecipação do cronograma de conclusão da obra para dezembro de 2011. A usina é uma das esperanças do governo para reduzir o risco de racionamento. A etapa da construção será feita na margem direita do rio, onde se localizará a casa de força da usina. Ali, oito turbinas bulbo serão responsáveis por gerar cerca de 600 Mw de energia. A usina terá 3.150 Mw de capacidade instalada e energia assegurada da ordem de 2.217 Mw, o suficiente para abastecer 11 milhões de residências ou 40 milhões de pessoas.

; Memória
Crise em 2001

Apagão refere-se ao período de racionamento de consumo de energia elétrica, que vigorou de 1; de junho de 2001 a 28 de fevereiro de 2002, para os consumidores das regiões Sudeste, Centro-Oeste e Nordeste, e entre 1; de julho de 2001 e 31 de dezembro de 2001, para os estados do Pará e Tocantins e parte do Maranhão. A crise de fornecimento de energia em 2001 resultou na criação da Câmara de Gestão da Crise de Energia Elétrica, responsável por adotar medidas emergenciais para evitar a falta de energia elétrica no país.

Entre 4 de junho de 2001 e 28 de fevereiro de 2002, os consumidores residenciais estiveram sujeitos ao regime especial de cobrança nas contas de luz. Quem consumia mais energia pagava mais caro. Os valores adicionais cobrados nas contas de luz eram destinados a constituir provisão para a cobertura dos custos adicionais das concessionárias para acionamento das usinas térmicas, garantir o fornecimento de energia e remunerar o bônus previsto aos clientes que cumprissem a meta de consumo. (KM)

; Governo rebate críticas

O ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, rebate as críticas contra o acionamento das térmicas no ano passado. ;Todos se recordam de que em janeiro do ano passado as notícias eram de que mergulharíamos outra vez num apagão semelhante a 2001. Os especialistas, que hoje nos criticam, são exatamente os que mais falavam isso;, provoca. ;Não compreendo as críticas que são feitas a isso. O que foi feito, foi feito com análise profunda dos órgãos do Ministério de Minas e Energia, do Operador Nacional do Sistema (ONS), que achou que havia a necessidade de se colocar em funcionamento todas as térmicas, fizemos o que era preciso durante o tempo necessário, que foi curto;, afirma. Segundo o ministro, com isso foi garantida a saúde dos reservatórios, que voltaram a ter água suficiente para a geração de energia. ;Será que essas pessoas que nos criticam preferem que tivéssemos tido racionamento de energia outra vez? Acho que a energia mais cara que pode ter no Brasil, e no mundo, é aquela que não existe;, conclui.

Hermes Chipp, diretor-geral do ONS, explica que todo ano é necessário o acionamento das térmicas como forma de se fazer um estoque de segurança para o ano seguinte. ;É como se fosse um seguro para que a sociedade, se tiver escassez de chuvas, não tenha que passar por racionamento. Se a chuva vier escassa, tenho água nos reservatórios;, explica Chipp, que observa que a metodologia usada pelo ONS é diferente da que serviu de base para estudos que criticam o governo. O diretor ressalta que, em 2001, quando houve o apagão, o Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro teve redução de 2%, o equivalente a uma perda de R$ 60 bilhões. ;O custo de R$ 2,3 bilhões das térmicas é 30% menor que a perda de PIB. Então, vale a pena;, ressalta. (KM)

Tags

Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação