Economia

Crise provoca redução da desigualdade no país

Turbulência destrói emprego mais qualificado e diminui distância entre ricos e pobres

postado em 05/08/2009 08:00
Se há alguém que não perdeu o sono com a crise financeira mundial, essa pessoa é o contínuo José Martins Gonçalves Júnior, 26 anos. O morador de Águas Lindas de Goiás, cidade distante cerca de 40km do centro de Brasília, pouco se importou com as demissões na indústria e no setor financeiro. Ou com o futuro de seu bolso. Num período tenebroso para a área econômica, José Martins esbanja otimismo. Em menos de cinco meses, contabilizou um aumento de salário, financiou um carro usado e trocou boa parte dos móveis da casa. ;Agora;, diz ele, ;só falta a contemplação no consórcio que entrei de casa própria;, diz o trabalhador, referindo-se à carta de crédito no valor de R$ 30 mil.

Gonçalves é exemplo mais claro do levantamento realizado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Mesmo com o terremoto provocado pelo estouro da bolha imobiliária americana, a desigualdade social diminuiu nas seis principais regiões metropolitanas do país (Recife, Salvador, Belo Horizonte, Rio de Janeiro, São Paulo e Porto Alegre). Em junho deste ano, segundo os pesquisadores, o Índice Gini, que mede o tamanho do fosso que separa pobres e ricos, caiu para o menor patamar desde 2002, quando começou a ser calculado pelo Ipea: 0,493, um recuo de 4,1% em relação ao fim de 2008. Quanto mais distante esse índice for de um, menor é a desigualdade social de um país.

;Da crise para cá, minha vida melhorou. O máximo que pode me acontecer é mudar de emprego, e não ficar desempregado;, afirmou o contínuo. Segundo o Ipea, com a recessão trazida pelas turbulências internacionais, os trabalhadores mais afetados pelo fechamento de vagas foram os de maiores salários, a maioria empregada pela indústria exportadora. Já a população de menor renda, além de ter mantido a ocupação, beneficiou-se da ampliação dos programas sociais do governo e do reajuste do salário mínimo acima da inflação. Foi essa combinação, sobretudo, que resultou na diminuição da desigualdade.

Risco de reversão
O presidente do Ipea, Márcio Pochmann, reconheceu, porém, que essa conquista tende a se reverter caso a economia volte a crescer com mais força, pois serão justamente os trabalhadores mais qualificados e que ganham mais os maiores beneficiados. Para que não se perca esse ganho no meio do caminho será preciso um amplo processo de educação e de qualificação da mão de obra, nivelando por cima os que estão no mercado de trabalho. ;Temos uma conquista importante, principalmente porque houve uma diminuição no número de pobres. De outubro do ano passado a junho deste ano, 503 mil pessoas deixaram a condição de pobreza;, frisou. ;Mas é preciso mais para preservamos as conquistas.;

Nas contas do Ipea, no auge da crise, o número de pobres nas seis principais regiões metropolitanas, as mais sensíveis a crises econômicas, era de 14,510 milhões de pessoas. Nos mesmos meses igualmente anteriores à crise, eram15,013 milhões. Segundo Pochmann, para efeitos de cálculo, o instituto considera como pobre o integrante de uma família cuja renda per capita corresponda a meio salário mínimo por mês.




; Palavra de especialista
Sem motivo para soltar foguetes

;Os dados de desigualdade do Ipea, baseados em renda do trabalho para quem está nas classes mais altas, refletem, com consistência, a realidade brasileira e mundial diante da crise econômica global. Foi esse grupo que pagou pelos efeitos das oscilações do mercado. Entretanto, o mesmo não pode ser dito com relação às classes de renda mais baixa. A crise afetou diretamente o emprego e o índice de Gini ; que mede o grau de desigualdade existente na distribuição de indivíduos segundo a renda domiciliar per capita ; desconsidera aqueles que ficaram desempregados, sem renda e aqueles que vivem de ganhos de programas sociais. Assim, não é possível saber o efeito total da crise sobre a desigualdade, já que os resultados podem ser bem diferentes se os segmentos da sociedade sem renda e que recebem benefícios sociais forem incluídos na base de dados. O fato de a pobreza baseada na renda do trabalho ter se mantido praticamente estável durante esse período é positivo, mas não há motivos para soltar fogos de artifício. No último ano, não houve uma redução espetacular da pobreza. E de acordo com a série histórica, e há muito o que melhorar.;

Marcelo Neri, economista da Fundação Getulio Vargas (FGV), especialista em economia dos Programas de Bem-Estar Social

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