Economia

Gasto do combate à crise vira inflação

Previsão de aumento do custo de vida para os próximos dois anos piora por causa do impacto das despesas públicas. Juros causam discórdia

postado em 26/09/2009 10:03
A redução do superávit primário (economia para o pagamento de juros da dívida) levou o Banco Central a aumentar as previsões de inflação para este ano e, principalmente, para 2010 e 2011. Técnicos do BC explicaram ao Correio que a instituição foi obrigada a %u201Caperfeiçoar%u201D as metodologias para medir o impacto do aumento dos gastos públicos nos índices de preços. %u201CVimos que o efeito dos gastos do governo é pesado. Em determinado período, tivemos que ampliar a nossa estimativa de inflação em 0,6 ponto percentual (quatro vezes a inflação de agosto deste ano, de 0,15%)%u201D, disse um dos técnicos. Para 2009, no cenário de referência do BC constante no relatório trimestral de inflação divulgado ontem, a previsão do Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), usado como parâmetro para o sistema de metas do governo, passou de 4,1% para 4,2%. Mas é importante ressaltar que esse ligeiro ajuste reflete um quadro de atividade mais fraca. À medida, porém, que a economia vai se fortalecendo, o reflexo da gastança do governo na inflação vai se potencializando. Por isso, para 2010, quando se espera que o Produto Interno Bruto (PIB) registre alta próxima de 5%, a projeção do BC pulou de 3,9% para 4,4%. No primeiro semestre de 2011, a estimativa aumentou de 4,1% para 4,6%. Já no segundo trimestre daquele ano, a previsão subiu de 4% para 4,6%. %u201CEsse é o motivo de estarmos tão preocupados com a disposição do governo de gastar. Mas o que mais nos angustia é que parte das despesas, como o aumento dos servidores, é praticamente irreversível%u201D, afirmou outro técnico do BC. Ele lembrou que, nos últimos meses, o governo reduziu a meta de superávit primário de 2009 várias vezes. Primeiro, de 3,8% para 3,3%, quando excluiu a Petrobras do cálculo. Depois, para 2,5%. E, mais recentemente, para 1,56%. %u201CCom a crise e a recessão da economia, muita gente entendeu esse movimento. Mas não há nenhuma garantia de que o governo voltará a fazer 3,3% de superávit em 2010, ano de eleições. É isso que está deixando muita gente apreensiva%u201D, frisou. A apreensão é tamanha, destacou o economista-chefe do banco alemão WestLB, Roberto Padovani, que o mercado está apostando em alta de até quatro pontos percentuais na taxa básica de juros (Selic) no ano que vem, dos atuais 8,75% para 12,75% ao ano. Essa, na visão do mercado, será a única forma de o BC manter a inflação próxima do centro da meta definida pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), de 4,5%. %u201CEu, particularmente, vejo a Selic subindo um 1,5 ponto percentual, para 10,25% ano. E acredito que a elevação da Selic começará em abril do próximo ano, entendendo-se até dezembro%u201D, disse. Os economistas Fabio Akira e Júlio Callegari, do banco americano JP Morgan, são mais radicais. Para eles, a alta da Selic começará já em janeiro próximo e se dará em quatro etapas, cada uma de 0,5 ponto percentual. Ou seja, ao fim do processo, a taxa básica terá saltado para 10,75% ao ano. No entender dos economistas, mesmo com o BC ressaltando que o atual patamar de juros está compatível com a retomada da atividade econômica sem pressões inflacionárias, o relatório trimestral de inflação evidenciou riscos maiores para o IPCA. Especialmente por causa do aumento dos gastos públicos e da menor ociosidade do parque produtivo nacional. Mercado desafia Apesar das apostas na alta dos juros, o mercado demonstra sinais crescentes de desconfiança na disposição do BC de elevar a Selic, mesmo com a inflação em alta. O argumento é de que, sendo 2010 um ano de eleições, o Comitê de Política Monetária (Copom) ficaria acuado em tomar medida tão impopular, para não prejudicar a candidatura da ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, à sucessão do presidente Lula. Além disso, há o envolvimento do presidente do BC, Henrique Meirelles, com a política. Ele deve disputar o governo de Goiás ou uma vaga ao Senado. Meirelles deve ficar no BC até março e seu sucessor, na visão do mercado, terá pouco poder para elevar juros. Essas desconfianças provocaram forte reação do diretor de Política Econômica do BC, Mário Mesquita. %u201CDesconfiar do compromisso do BC com o controle da inflação tem dado resultado ruim. Não deveriam (seguir nesse caminho)%u201D, afirmou. Desemprego no menor nível Em meio aos alertas sobre os riscos dos aumentos de gastos do governo e às previsões maiores de inflação, o Banco Central deu uma boa notícia. Pelas suas contas, a taxa de desemprego, que está em 8,1%, fechará o ano em 6,7%, o menor patamar mensal da série histórica do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) iniciada em 2002. Segundo o diretor de Política Econômica do BC, Mário Mesquita, a redução do desemprego será comandada pela indústria, segmento que mais demitiu durante a crise mundial, e pelo setor de serviços, esse último, por causa das contratações temporárias do comércio para o Natal. %u201CA retomada mais consistente da economia está encorajando a contratação. Estamos vivendo um quadro bem diferente do registrado no fim de 2008, quando a crise inibiu até os empregos temporários%u201D, disse Mesquita. Ele reconheceu, porém, que, assim como os analistas do setor privado, o BC estava bastante pessimista em relação ao mercado de trabalho, a ponto de prever que, em julho deste ano, a taxa de desemprego chegaria a 9,7%, muito acima do registrado pelo IBGE, de 8%. %u201CMas o emprego resistiu. Na média, o desemprego deste ano, de 8,1%, será maior do que o verificado em 2008, de 7,9%. Mas ficará abaixo de 2007: 9,3%%u201D, assinalou. Crédito Outra boa notícia, segundo o diretor do BC, é a volta do crédito para as empresas. Desde o estouro a bolha imobiliária americana, em setembro de 2008, o setor produtivo enfrentava dificuldade para tomar empréstimos. Mas, em agosto, a média diária de concessões às pessoas jurídicas cresceu 8% ante o mês anterior. Além disso, as companhias voltaram a emitir ações e a captar recursos no exterior, facilitando a retomada dos investimentos. Nas contas do BC, o total de crédito na economia crescerá 16% neste ano, correspondendo a 47% do Produto Interno Bruto (PIB), um recorde. Mesquita ressaltou, porém, o perigo de o mundo, incluindo o Brasil, estar criando novas bolhas. %u201CEsse debate está sendo mais intenso entre os bancos centrais das economias mais desenvolvidas%u201D, disse. Há analistas preocupados com a forte valorização das bolsas de valores de países em que a atividade continua no chão.

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