Economia

Estados e municípios colocam em risco meta do setor público

postado em 01/10/2009 07:00
O setor público (União, estados, municípios e estatais) terá que fazer um esforço redobrado no corte de gastos e torcer muito para que a recuperação da economia resulte em mais receitas, se quiser cumprir a meta de superávit primário neste ano. Foi o que indicou ontem o Banco Central, crítico do ímpeto gastador do governo. Apesar de a economia para o pagamento de juros da dívida ter somado R$ 5 bilhões em agosto, superando as estimativas do mercado, no acumulado de 12 meses o saldo ficou em R$ 47 bilhões, correspondendo a apenas 1,59% do Produto Interno Bruto (PIB), praticamente o piso da meta, de 1,56%, aprovada pelo Congresso. Esse piso desconta R$ 28,5 bilhões em despesas referentes ao Programa Piloto de Investimentos (PPI) e ao Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).

;Sinceramente, pelas minhas projeções, acho difícil o governo cumprir a meta, mesmo o seu piso;, disse o economista-chefe do Banco ABC Brasil, Luís Otávio de Souza Leal. ;Tudo leva a crer que o superávit ficará entre 1% e 1,3% do PIB, depois de descontados os gastos do PPI e do PAC, porque não vejo o governo federal cortando despesas com o funcionamento da máquina nem uma forte recuperação das receitas nos próximos meses;, acrescentou. Para ele, é justamente por não acreditar no cumprimento da meta que o governo vem reduzindo esse indicador de forma sistemática. O índice original começou em 3,8%, caiu para 3,3%, passou para 2,5% e, com a ampliação dos descontos de investimentos, baixou para 1,56% do PIB.

Pelos dados do BC, qualquer que seja o indicador analisado das contas públicas, a deterioração é visível. O superávit de agosto, de R$ 5 bilhões, foi o pior para esse mês desde 2003, o primeiro ano da administração Luiz Inácio Lula da Silva. O saldo de R$ 43,4 bilhões acumulado nos oito primeiros meses de 2009 foi o menor para o período desde 2002, o último ano do governo Fernando Henrique Cardoso. Já o resultado dos 12 meses terminados em agosto, de R$ 47 bilhões, foi o menor desde 2002. E, em relação do PIB, de 1,59%, foi o pior da série histórica iniciada pelo BC em dezembro de 2001. Quando incluídos os gastos com juros, chegou-se a um deficit nominal de R$ 104,4 bilhões em 12 meses, o mais elevado desde que o BC passou a fazer tal levantamento.

Esquisitices
;Se fosse somente isso, não seria problema, pois superávits menores em um ano como este, de crise mundial, são aceitáveis. O que assusta é o fato de o governo estar apresentando resultados positivos recorrendo a esquisitices, gambiarras;, destacou o economista do ABC Brasil. ;Não há como aceitar que parte do superávit venha de depósitos judiciais, dinheiro que o governo não pode contar, nem que mais de 40% sejam referentes a dividendos pagos por estatais. Em vez de um superávit com qualidade tão duvidosa, seria melhor não fazê-lo, pois ficaria mais confiável;, assinalou.

A despeito das desconfianças do mercado e da ;flexibilidade expressiva; do superávit deste ano, o chefe do Departamento Econômico do BC, Altamir Lopes, ressaltou que, mesmo com o Congresso aprovando o piso de 1,56%, o governo continuará ;trabalhando para cumprir a meta de 2,5%;, que não desconta o 0,94% do PIB equivalente aos investimentos do PPI e do PAC. Na avaliação do economista-chefe do Banco Fator, José Francisco de Lima Gonçalves, é otimismo demais acreditar no cumprimento da meta de 2,5%. ;Abandonamos essa aposta em maio. Na melhor das hipóteses, já com todos os descontos, o superávit ficará em 1,8% do PIB;, afirmou.

Emissões

O governo emitiu ontem papéis com vencimento superior a 30 anos, em operação que mirou os mercados norte-americano e europeu. A ideia do Tesouro Nacional é diluir a parcela da dívida mobiliária externa que vence até o fim do ano, estimada em US$ 2 bilhões, com a oferta de papéis mais velhos e baratos, que melhorem a composição da dívida mobiliária (em poder do mercado), que ultrapassou o total US$ 1,5 trilhão em agosto deste ano. Os papéis foram ofertados em dólar, e terão vencimento em janeiro de 2041, a exemplo do que fez o Tesouro na reabertura do Global 2037, em que fez emissões com vencimentos em 2037 e juros (remuneração aos acionistas) na casa dos 6%.

Dessa vez, o cupom de juros pago pelo Tesouro foi de 5,625% ; a menor remuneração por um papel do governo desde a segunda reabertura do bônus Global 2017, em maio do ano passado. Na última emissão, o prêmio ao acionista foi de 5,8% ao ano. Em nota, o Tesouro explicou que a emissão nos dois mercados totalizou US$ 1,25 bilhão, e que a oferta poderá ser estendida aos mercados da Ásia em até US$ 62,5 milhões, ;nas mesmas condições obtidas na oferta nos mercados europeu e norte-americano;. Um operador do Tesouro Nacional explicou que a oferta tem o objetivo de impor uma nova estratégia utilizada pelo governo em captações futuras nos mercados externos. ;É um novo benchmarking (prática positiva de mercado), até porque o último global (papel), de 30 anos, estava ficando velho;, disse a fonte.

Essa foi a quarta vez, somente neste ano, que o Tesouro emitiu papéis no exterior, aproveitando-se do bom momento que vive a economia brasileira após ter recebido a chancela de grau de investimento pela terceira e última das agências de classificação de risco, a Moody;s, em setembro.

O número
R$ 47 bilhões
Saldo acumulado em 12 meses da economia para pagamento dos juros da dívida, que foi equivalente a 1,59% do PIB, pouco acima do piso de 1,56%





Nada a comemorar

Dados das contas públicos explicitam impacto negativo do forte aumento de gastos

SUPERÁVIT PRIMÁRIO
;Saldo de agosto, de R$ 5,042 bilhões, foi o pior para esse mês desde 2003, quando ficou em R$ 4,173 bilhões.

;Resultado acumulado entre janeiro e agosto, de R$ 43,477 bilhões, foi o menor para o período desde 2002, quando se registraram R$ 36,915 bilhões.

;Valor acumulado nos 12 meses terminados em agosto, de R$ 47,044 bilhões, foi o pior desde agosto de 2002, de R$ 43,693 bilhões.

;Saldo de 1,59% em relação ao PIB foi o menor já computado desde dezembro de 2001, início da série histórica do BC.

DEFICIT NOMINAL
;Rombo de R$ 8,162 bilhões registrado em agosto foi o mais alto para esse mês desde 2003, quando cravou R$ 8,922 bilhões.

;Saldo negativo de R$ 64,833 bilhões acumulado entre janeiro e agosto foi o pior para o período desde o início da série do BC, em dezembro de 2001.

;Buraco de R$ 104,433 bilhões contabilizado nos 12 meses terminados em agosto foi o mais elevado da série histórica do BC.

;Rombo equivalente a 3,53% do PIB nos 12 meses encerrados em agosto foi o mais alto desde dezembro de 2006, quando estava em 3,54%.

Fonte: Banco Central

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