postado em 04/10/2009 09:11
O governo terá que comandar um amplo processo de capitalização dos bancos públicos comerciais, se quiser que essas instituições continuem operando com o pé no acelerador do crédito. Desde o fim do ano passado, quando esses bancos tomaram a dianteira da oferta de empréstimos e financiamentos aos consumidores e às empresas, o espaço para novas liberações vem diminuindo de forma considerável. A folga para mais operações é medida por um indicador internacional, denominado índice de Basileia. Quanto mais próximo ele for de 11% (em proporção ao patrimônio das instituições), menor é a capacidade de um banco de conceder crédito.
Das três maiores instituições comerciais federais - Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal e Banco do Nordeste (BNB) -, a situação mais preocupante é a do banco nordestino. De dezembro de 2008 a junho deste ano, o índice de Basileia do BNB recuou de 13,08% para 11,66%. A queda foi tão rápida que, às pressas, a instituição teve de negociar com o Banco Central um aumento de capital. A operação foi fechada no início de julho. Mas, em vez de recorrer ao Tesouro Nacional, seu controlador, em busca de socorro, o BNB incorporou ao seu patrimônio R$ 600 milhões do Fundo de Financiamento do Nordeste (FNE), do qual é gestor oficial. Para isso, abriu mão de qualquer remuneração por serviços prestados ao fundo e assumiu os riscos de todos os repasses.
"Foi a melhor opção naquele momento", diz Luiz Henrique Mascarenhas, diretor de Finanças e de Mercado de Capitais do BNB. "Aumentamos muito a nossa oferta de crédito devido ao recuo dos bancos privados por causa da crise mundial. Isso consumiu nosso índice de Basileia", acrescenta. Para não ser obrigado a suspender os empréstimos e financiamentos, o banco negociou com o BC a incorporação do patrimônio do FNE, por meio do que o mercado chama de dívida subordinada ou capital de nível dois. "Ganhamos um fôlego para liberar mais R$ 6 bilhões em crédito. Nosso índice de Basileia foi para um patamar próximo de 17%", ressalta.
Mascarenhas reconhece, porém, que essa capitalização resolverá os problemas do BNB por um tempo limitado. "Podemos recorrer mais uma vez ao FNE, pois temos a preocupação de não parar de operar. Mas, em algum momento, a diretoria do banco e o seu controlador, o Tesouro Nacional, terão que se sentar e discutir uma capitalização definitiva. Isso será recomendável em algum momento, pois estamos com a nossa carteira de crédito crescendo perto de 40%", frisou. Além disso, há a limitação imposta pelo BC de que o capital subordinado ou híbrido corresponda a, no máximo, 50% do patrimônio usado como referência pelos bancos para emprestar. Somente os RS 600 milhões do FNE representam quase um terço do patrimônio líquido do BNB.
Impacto na dívida
O Tesouro tem optado por recorrer a instrumentos alternativos para inflar o patrimônio dos bancos públicos devido ao impacto que a injeção direta de recursos nessas instituições tem na dívida pública. Recentemente, o governo concluiu um processo direto de capitalização do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), para que a instituição pudesse ampliar a oferta de crédito ao setor produtivo e, principalmente, financiar os megaprojetos da Petrobras. A fatura, reconhece o secretário do Tesouro, Arno Augustin, apareceu logo. A dívida pública aumentou R$ 106 bilhões apenas com essa operação.
Dentro do Ministério da Fazenda, a ordem é a seguinte: enquanto houver espaço para os bancos públicos reforçarem o capital por meio de dívidas subordinadas, sem a necessidade direta de desembolso de recursos públicos, o Tesouro não se manifestará. A perspectiva é de que uma capitalização do Banco do Brasil, da Caixa e do BNB semelhante à do BNDES só ocorra no próximo governo. Para o BB, a expectativa, neste momento, é de que o reforço de capital venha do mercado. A instituição pode lançar, nas próximas semanas, títulos de dívida perpétua no exterior. Há ainda a perspectiva de que o banco faça uma emissão de ações, com venda dos papéis no país e no exterior. Foi pensando nisso que o presidente Lula assinou decreto elevando de 12,5% para 20% a participação máxima de estrangeiros no capital do BB. O lançamento de ações pode sair no início de 2010.
Pelos dados do Banco Central, em junho deste ano, o índice de Basileia do BB estava em 15,71%. Mas já teria caído para 14,1% no fim de setembro, tanto pelo forte aumento da carteira de crédito quanto pela incorporação a seu patrimônio de 49% do capital do Banco Votorantin, que estava quase no limite operacional. O governo espera, porém, que, com novas emissões de dívidas subordinadas, a incorporação de 60% dos lucros ao patrimônio e a emissão de ações, o BB renove seu fôlego de conceder crédito, vital para uma economia que deve crescer entre 4% e 5% nos próximos anos.
"Não se pode esquecer que, em 2001, o BB incorporou R$ 2,8 bilhões do FCO (Fundo Constitucional do Centro-Oeste) a seu patrimônio. Isso permitiu ao banco uma folga para emprestar R$ 25 bilhões", lembra um técnico do Tesouro.
Dividendos sugados
Em 2005, foi a vez de a Caixa Econômica recorrer ao Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) para manter as operações de crédito ativas. Uma dívida subordinada de R$ 3,4 bilhões permitiu a liberação de R$ 30,9 bilhões em empréstimos e financiamentos. No início de 2007, houve um novo reforço. Com o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) nas ruas, o Tesouro teve de repassar R$ 5,2 bilhões ao banco por meio de uma dívida. Se não fizesse isso, a Caixa não teria como financiar obras para o setor público (estatais, estados e municípios). Por lei, a instituição só pode comprometer 45% de seu patrimônio com tais operações.
A diretoria da Caixa acredita que haverá folga para a liberação de recursos a obras de saneamento, habitação e infraestrutura urbana até a primeira metade de 2010. A partir daí, o Tesouro terá que se movimentar de novo caso mantenha os planos para que o banco continue liderando os desembolsos previstos no PAC. De dezembro do ano passado a junho, o índice de Basileia da Caixa encolheu de 20,63% para 18,80%.
Diante dos limites operacionais que estão por vir, o economista-chefe do Banco ABC Brasil, Luís Otávio de Souza Leal, diz que o governo não deveria sugar tanto as empresas estatais para fazer o superávit primário (economia para o pagamento de juros da dívida). Entre janeiro e agosto deste ano, essas empresas repassaram, em forma de dividendos, R$ 18,2 bilhões para o Tesouro Nacional, o dobro do registrado no mesmo período de 2008. Apenas em agosto, o BNDES transferiu R$ 4 bilhões e a Caixa, R$ 2 bilhões. "O melhor seria deixar esses recursos nos cofres das instituições, para que elas os incorporassem ao patrimônio", frisa. Para Arno Augustin, do Tesouro, não há nada demais nesses repasses ao acionista controlador, já que as empresas vêm ampliando seus lucros.
Regra internacional
Os parâmetros utilizados pelos bancos para emprestar dinheiro baseia-se em regras internacionais reguladas por um acordo assinado em 1988, na Basileia, Suiça, e atualizado em 2004. O documento, ratificado por mais de 100 países, criou exigências mínimas de capital a serem respeitadas pelas instituições financeiras como prevenção ao risco de crédito.