postado em 24/10/2009 10:59
A entrada líquida no Brasil de capital externo destinado às bolsas de valores e a títulos públicos já supera em 71% o total de investimentos estrangeiros diretos (IED), voltados para o aumento da produção e à criação de empregos. Dados do Banco Central mostram que, do início de janeiro até ontem, a compra de ações e papéis do governo com recursos vindos de fora somou US$ 32,6 bilhões contra US$ 18,9 bilhões em IED, mostrando que o país está atraindo muito mais capital volátil, que não tem prazo de permanência, do que dinheiro de longo prazo para sustentar o crescimento econômico.
"Não é que esse capital financeiro seja ruim, mas ele é muito mais suscetível a qualquer sinal de crise. Ou seja, traz um risco potencial, pois pode deixar o país a qualquer momento, provocando fortes oscilações no mercado de câmbio", explicou o economista-chefe do Banco Schahin, Sílvio Campos Neto. O problema fica maior, segundo ele, porque, com a retomada do crescimento econômico, o Brasil voltará a ter déficits crescentes nas contas externas. E, para financiar esses rombos, precisará constantemente desse tipo de capital. "Por isso, a luz amarela está acesa", acrescentou.
Foi essa discrepância no fluxo de recursos, por sinal, que levou o Ministério da Fazenda a impor a cobrança de 2% de Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) nas aplicações de estrangeiros em bolsa e em renda fixa. A meta é evitar a criação de potenciais bolhas nos mercados, com a valorização excessiva da bolsa, e, claro, conter a alta do real frente ao dólar, um problema para as exportações e para o parque produtivo do país.
Segundo o chefe do Departamento Econômico do BC, Altamir Lopes, o apetite dos estrangeiros está tão forte que, somente em outubro, até o dia 23, o saldo líquido (descontadas as saídas de recursos) das operações na bolsa brasileira atingiu US$ 8,761 bilhões, valor sem precedentes para um único mês desde o início da série histórica do BC, em 1947. Quando incluídas as compras de papéis de empresas nacionais na Bolsa de Nova York, as aplicações bateram em US$ 13 bilhões, também uma quantia histórica, inflada pelo lançamento de ações do Banco Santander. No mesmo período, as aplicações em renda fixa ficaram em US$ 1,58 bilhão.
Impacto zero
Na avaliação de Altamir, ainda não é possível medir o impacto da cobrança do IOF sobre o capital estrangeiro que vai para a bolsa e os títulos de renda fixa. "Temos que esperar um pouco mais para avaliar os números", destacou. As informações preliminares não indicam, porém, qualquer recuo no fluxo de recursos. Entre a segunda-feira (19) do anúncio do imposto e a quarta-feira (21), último dado disponível, o fluxo cambial ficou positivo em US$ 3,1 bilhões, dos quais US$ 2,4 bilhões na conta financeira. "A nossa expectativa é de que os recursos estrangeiros continuem fluindo para os mercados", frisou.
O economista do BC admitiu ainda que, diante do que se viu até agora, o banco terá que rever as projeções para o saldo líquido da carteira de investimentos em ações e renda fixa. Até o mês passado, a expectativa era de que a diferença entre a entrada e a saída de recursos ficasse em US$ 22 bilhões, valor superado em mais de US$ 10 bilhões. "Certamente, teremos que rever esse número", admitiu Altamir.
Quanto aos investimentos estrangeiros diretos, mais perenes e produtivos, em setembro, o resultado líquido foi de US$ 1,816 bilhão, registrando queda de 71% em relação aos US$ 6,241 bilhões do mesmo mês de 2008. O economista do BC ressaltou que esse tombo é influenciado por duas operações atípicas de saídas de recursos do país, uma, de US$ 500 milhões, devido à recompra do Banco Pactual do banco suíço UBS, a outra, de US$ 1 bilhão, referente à aquisição pela Ambev de títulos emitidos no exterior por sua controladora, a Inbev. Mas, em outubro, o IED permaneceu em queda. Até o dia 23, o saldo líquido estava positivo em US$ 1,3 bilhão, devendo encerrar o mês em US$ 1,7 bilhão contra os US$ 4 bilhões de outubro de 2008.
ACORDO COM O URUGUAI
Os bancos centrais de Brasil e Uruguai assinaram ontem carta de intenção para que os dois países possam realizar exportações e importações em moedas locais (real e peso). Esse sistema já vem funcionando com a Argentina e tende a se estender para os demais parceiros comerciais do Mercosul. Segundo o BC brasileiro, as operações em divisas locais reduzem os custos para as pequenas e médias empresas, que se livram da obrigação de recorrerem a uma terceira moeda, o dólar, principalmente. Além disso, o real e o peso passarão a ter mais liquidez. A ideia que o novo mecanismo de compensações entre em funcionamento no segundo trimestre de 2010. Pelas contas do BC, em setembro deste ano, 6,4% das exportações do Brasil para a Argentina foram fechadas em reais. Algo em torno de R$ 75 milhões.
Exportador é ameaça à taxação
Principais beneficiários da taxação do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) de 2% nas aplicações de investidores estrangeiros em renda fixa e em ações de empresas brasileiras, os exportadores também despontam como ameaça para a eficácia da medida. Segundo registros do Banco Central, eles detêm aproximadamente US$ 20 bilhões depositados no exterior e estão à espreita de uma possível recuperação do dólar para trazer parte dos recursos ao país e, com isso, transformá-los em mais reais. Ou seja, os mesmos empresários que convenceram o ministro da Fazenda, Guido Mantega, a tributar o capital financeiro que entra no país podem detonar a eficácia da medida.
Segundo o chefe do Departamento Econômico do BC, Altamir Lopes, essa "poupança" vem sendo constituída desde março do ano passado, quando o dólar estava em franco processo de queda. O governo autorizou que os exportadores deixassem fora do país até 100% de suas receitas para não pressionar ainda mais a valorização do real. "Essa decisão foi mais do que acertada. Mas, agora, tornou-se mais uma dificuldade para o governo conter a queda do dólar", disse o economista-chefe do Banco Schahin, Sílvio Campos Neto.
Deficit
O dólar em baixa foi preponderante para a deterioração das contas externas brasileiras em setembro. Apesar de o BC ter previsto rombo de US$ 900 milhões nas transações correntes do país com o exterior, o buraco chegou a R$ 2,31 bilhões. Pelas contas de Altamir, pesou, para esse resultado, o forte aumento das importações, que levou a um minguado saldo comercial de US$ 1,3 bilhão. Também influenciou o deficit a disposição dos brasileiros em viajar para o exterior. Eles gastaram US$ 652 milhões a mais do que os turistas estrangeiros deixaram no Brasil. "Há uma combinação de câmbio e renda influenciando o deficit em transações correntes. Mas nada que fuja dos padrões. O deficit maior reflete a retomada da atividade econômica", disse Atamir.