postado em 21/11/2009 09:45
O Banco Central e o Tesouro Nacional estão se movimentando nos bastidores para conseguir do Ministério da Fazenda e do Palácio do Planalto o compromisso formal e público de que a meta de superávit primário (receitas menos despesas, sem levar em conta os gastos com juros) de 2010 será de 3,3% do Produto Interno Bruto (PIB). Dessa forma será possível combater a inflação (menos gastos do governo) e, talvez, evitar um aumento dos juros. Obter esse aval não é tarefa fácil. O superavit deste ano ficará em 1,2% do PIB, abaixo do alvo de 1,56%, o que enfraquece o conceito de economia fiscal.
"A ideia é amarrar o compromisso para que se tire um peso enorme da política monetária", diz um técnico do BC. Segundo ele, a meta de superávit de 3,3% é fundamental, pois qualquer resultado abaixo disso levará a revisões, para cima, das projeções de inflação do ano que vem e de 2011 - um passo para o aumento da taxa básica de juros (Selic).
O mesmo técnico lembra que, nas últimas revisões feitas pelo BC, mesmo se considerando o cumprimento da meta de 3,3%, as estimativas para o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), usado como referência para o sistema de metas de inflação, saltaram de 3,9% para 4,4% em 2010, e chegaram a 4,6% no primeiro semestre do ano seguinte. Esses números, por sinal, levaram a um estresse enorme entre o diretor de Política Econômica do BC, Mário Mesquita, que atribuiu a alta das projeções à gastança do governo, e o secretário de Política Econômica da Fazenda, Nelson Barbosa, que taxou de "terroristas" os que pregam o maior controle nos gastos.
"Não há como fugir disso. O BC aperfeiçoou seus modelos de projeção de inflação, justamente para incorporar o impacto dos gastos públicos nos índices de preços. Então, se o superávit do ano que vem for menor do que 3,3% do PIB, a diferença terá que aparecer nos nossos números", avisa outro servidor do BC. "E não adianta espernear, criticar os números. Nosso trabalho exige transparência. É isso que tem garantido a enorme credibilidade da política monetária e do sistema de metas de inflação. Em vez de bater no BC, que cada um faça a sua parte", complementa.
Desconfiança
No Tesouro, a sintonia de pensamento com o BC é explícita. E há razões para isso. "Hoje, a maior parte do excesso de prêmio cobrado pelo mercado para comprar títulos públicos decorre da desconfiança em relação à capacidade do governo de reduzir gastos em um ano eleitoral", diz um técnico do órgão subordinado à Fazenda. "Há meses, somos obrigados a pagar juros mais altos para rolar a dívida pública, custo que poderia ser evitado".
Para mostrar que não há exageros em suas palavras, o técnico dá dois exemplos. As Notas do Tesouro Nacional - série F (NTNs-F) com vencimento em 2017 pagavam, no início de setembro, juros de 12,96% ao ano. No leilão da última quarta, os mesmos papéis foram negociados a uma taxa anual de 13,19%. Já as Letras do Tesouro Nacional (LTNs), vendidas a juros de 10,70% ao ano no início de setembro, pagam, agora, 11,20%. "Isso reflete a desconfiança dos investidores. Seria importante reverter rapidamente esse quadro", ressalta.
Apesar dos estragos provocados pelo aumento dos gastos - a maior parte, devido aos reajustes do funcionalismo -, tanto no BC quanto no Tesouro há um certo sentimento de ceticismo em relação ao compromisso do governo de fazer o superávit de 3,3% do PIB no ano que vem, devido aos focos de resistências em favor de desembolsos maiores para turbinar a candidatura da ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, à sucessão do presidente Lula "Mas não podemos desistir", enfatiza um servidor do Tesouro. Ele conta, inclusive, que, por sua defesa enfática para um superávit maior, o secretário do Tesouro, Arno Augustin, vem sendo bombardeado por colegas de ministério, entre eles, Nelson Barbosa.
"Houve um processo de fritura grande do secretário do Tesouro. Mas, felizmente, ele foi mantido no cargo pelo ministro Mantega", afirma um dos assessores mais próximos de Augustin. Segundo ele, Mantega tem a preocupação de passar para o mercado a imagem de bom gestor na área fiscal. "Por isso, não endossou o bombardeio conta o secretário. Agora, vamos torcer para que o ministro reforce ao máximo o empenho para entregar um superávit de 3,3% do PIB e, claro, que os investidores acreditem nas palavras dele", frisa.
Para o economista-chefe da Corretora Convenção, Fernando Montero, diante da estrutura de gastos que o governo criou, a meta de superávit primário de 3,3% do PIB só será alcançada em 2010 se as receitas crescerem pelo menos 5% acima das despesas e se o Ministério da Fazenda recorrer aos recursos que estão hoje no Fundo Soberano do Brasil (FSB), cerca de R$ 16 bilhões. Ele faz outra ressalva: o que incomoda a todos é o enfraquecimento da economia fiscal. "O governo está destruindo o conceito de superávit primário ao recorrer a todo tipo de receita, como depósitos judiciais, para atingir o objetivo. Isso é um perigo", avisa.
O número
4,6% - Projeção de inflação para 2011, acima, portanto, da meta de 4,5%
Superávit aguardado
A expectativa é grande no mercado em torno dos resultados das contas públicas de outubro que serão divulgados na próxima semana, sobretudo diante do alarde feito pelo Ministério da Fazenda de que a arrecadação bombou no mês passado, reflexo da forte retomada da economia. Pelos cálculos do economista-chefe da Corretora Convenção, o governo central (Tesouro Nacional, Banco Central e Previdência Social) registrou superávit de R$ 12 bilhões, contra um rombo superior a R$ 7 bilhões em setembro.
Apesar dessa virada, ele não vê, porém, grandes motivos para comemoração. Primeiro, porque quase a metade desse resultado, R$ 5 bilhões, decorre de depósitos judiciais. Segundo, porque o saldo ficará abaixo do registrado em outubro de 2008, de R$ 14,9 bilhões. "Não dá para ficar tranquilo vendo o superávit sendo composto por receitas que o governo nem sabe se ficará com ele", afirma Montero.
Ele também faz projeções para o superávit consolidado do setor público - União, estados, municípios e estatais. Nas suas contas, a economia para o pagamento de juros da dívida pública fechou outubro em R$ 14,5 bilhões, também ficando abaixo do saldo computado no mesmo mês do ano passado (R$ 18,7 bilhões). Assim, em 12 meses, o superávit cairá de 1,17% para 1,03% do Produto Interno Bruto (PIB), tornando ainda mais complicado o cumprimento da meta de 1,56%. "Em novembro, esperamos que o superávit acumulado em doze meses caia para 0,90% do PIB, voltando a subir para 1,2% em dezembro, devido a efeitos estatísticos", ressalta o economista. (VN)