postado em 11/12/2009 08:26
Comparando as taxas de 2009 com as de 2008, a análise setorial feita pelo IBGE demonstra que os efeitos da crise internacional ainda não se dissiparam por completo. Alguns dos setores que mais empregam mão de obra amargaram resultados bastante negativos no terceiro trimestre do ano. A agropecuária e a construção civil, por exemplo, estão entre os lÃderes de um ranking vermelho que preocupa analistas e governo.
O recuo de 1,2% do indicador que soma bens e serviços produzidos no paÃs em relação a igual perÃodo do ano passado mostrou-se perverso com o campo. A taxa da agropecuária ficou em -9%, puxada pelo mau desempenho de produtos que têm safra significativa. Com exceção da cana-de-açúcar, trigo, café, mandioca e laranja registraram quedas de colheita. Rosemeire dos Santos, assessora técnica da Comissão Nacional de Cereais da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), explica que os dados não surpreendem. "Quando se compara 2009 com 2008, qualquer número fica ruim. No ano passado tivemos recorde de produção, superprodução de café e cana-de-açúcar. Em 2009, a safra de grãos perdeu 10 milhões de toneladas, o café caiu e outros produtos também. Isso acabou afetando o PIB", completa.
No acumulado do ano, o PIB geral a preços de mercado encolheu 1,7% em relação ao mesmo intervalo (janeiro a setembro) de 2008. Neste cenário mais abrangente, o desempenho da agropecuária é ruim: -5,3%. A atividade rural não dá mostras de que se recuperará no quarto trimestre, adverte a especialista da CNA. Sob essa perspectiva, a contribuição do setor para o crescimento do conjunto da economia brasileira ficará abaixo dos Ãndices alcançados antes do estouro da crise mundial. "A participação do campo vai ser reduzida em função desse impacto forte. O agronegócio deve cair de R$ 764 bilhões para R$ 710 bilhões em 2009. Se a gente considerar que o PIB do paÃs vai ficar em zero, a gente reduziria nossa participação", justifica Rosemeire.
Incentivos
Assim como o campo, a construção civil também faz as contas. Mesmo com todos os incentivos fiscais concedidos pelo governo e a expansão do crédito, o segmento não deslanchou. No confronto entre terceiros trimestres a queda é de 8,4% e no acumulado do ano, comparado a 2008, o saldo é de -9,1%. A Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC) contestou o IBGE. "Os números apresentados para o terceiro trimestre não correspondem à dinâmica atual do setor da construção. Talvez esteja na hora de revermos a metodologia que está sendo utilizada, que não considera, por exemplo, o valor agregado pelas empresas construtoras", atacou Paulo Safady Simão, presidente da entidade.
Indústria
A indústria esperava mais. O salto de 2,9% em relação ao trimestre anterior deixou os empresários satisfeitos, mas com um pé atrás. Para a Confederação Nacional da Indústria (CNI), a recuperação da economia está num ritmo "mais lento do que o esperado". O momento, conforme a CNI, merece atenção especial porque os sinais de uma retração mais intensa são claros. "Esse resultado pode reduzir a possibilidade de revisão para cima das estimativas da CNI de crescimento nulo do PIB em 2009", informou a entidade em nota.
Na avaliação da Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústrias de base (Abdib), mesmo não sendo o ideal, o PIB do terceiro trimestre "trouxe boas notÃcias" porque "confirmou a retomada do investimento, apontou recuperação da atividade da indústria e mostrou sinais fortes de perspectivas positivas para a economia em 2010", justificou a associação em comunicado público. Abdib elogiou as medidas econômicas anunciadas pelo governo nos últimos meses. Paulo Godoy, presidente da entidade, acredita que o desempenho do setor industrial como um todo deverá se confirmar no quarto trimestre.
Risco à frente
Ao destrincharem os números do Produto Interno Bruto (PIB) do terceiro trimestre do ano, os economistas acionaram o sinal de alerta. A taxa de poupança do paÃs caiu para 15,5% da soma de todas as riquezas produzidas pelo paÃs, o menor nÃvel para o perÃodo desde 2001, quando o Brasil enfrentou o apagão elétrico. Segundo o economista Eduardo Gianetti da Fonseca, não há como se falar em crescimento sustentado a longo prazo com taxa de poupança tão baixa. "Na China, esse indicador chega a 40% do PIB. Não há necessidade de termos uma poupança tão elevada, mas também não podemos ter uma taxa tão baixa", afirmou.
Sem recursos suficientes para bancar o crescimento, o Brasil está apostando na atração de investimentos externos para o aumento da produção e do consumo. Para Régis Bonelli, economista da Fundação Getulio Vargas (FGV), a curto prazo, esse movimento não é problemático. "Por sinal, vamos ver, nos próximos dois anos, uma entrada maciça de dólares no paÃs, que está sendo visto pelos investidores como uma excelente opção", destacou. Mas, ao longo do tempo, a dependência provocará um rombo enorme nas contas externas, cujo resultado será o aumento dos preços do dólar.
"Um deficit nas transações correntes (do paÃs do o exterior) de até 2% do PIB é perfeitamente aceitável. Mas um indicador acima de 4% já perturba. Um paÃs não pode ficar eternamente tendo o seu consumo financiado por capital estrangeiro. Nos Estados Unidos, o deficit chegou a 6% do PIB e deu no que deu", assinalou a economista-chefe do Banco ING, Zeina Latif. "Portanto, temos de criar a cultura de poupança interna tanto no governo quanto entre as empresas e os consumidores", complementou.
Roubo do PIB
Com a retomada do crescimento econômico, as importações voltaram a crescer mais do que as exportações entre julho e setembro deste ano. Pelos cálculos do Instituto Brasileiro de Geografia e EstatÃstica (IBGE), as compras de produtos no exterior aumentaram 1,8% em relação ao segundo trimestre. Já as exportações avançaram apenas 0,5% na mesma comparação. No acumulado do ano, a queda das exportações chegou a 12,1% e o recuo das importações ficou em 16%. "Está claro que, a partir de agora, veremos o paÃs comprando mais do exterior do que exportando. Por isso, todo mundo está revendo para baixo as projeções do saldo da balança comercial de 2010", frisou o economista Cristiano Souza, do Banco Santander. (VN)