Jornal Correio Braziliense

Economia

ENTREVISTA//Ministro do Desenvolvimento, Miguel Jorge

Ministro do Desenvolvimento critica política tributária, um entrave ao avanço do país. Para ele, o Brasil cometerá um erro estratégico se passar a investir em infraestrutura visando apenas a Copa do Mundo e as Olimpíadas

A política brasileira de vendas ao exterior apresenta falhas e uma delas merece a qualificação de ;neurótica;: a tributação de exportações. O equívoco ganha realces ainda mais fortes porque a restituição do imposto retido é ineficiente e letárgica, abrindo espaço para que os créditos quase sempre sejam esquecidos na burocracia do Estado. A avaliação é de um dos mais influentes membros da equipe econômica do governo Lula, o jornalista Miguel Jorge, ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior.

Miguel Jorge critica a decisão do Ministério da Fazenda de tributar em 2% o capital estrangeiro. Para ele, a queda nas exportações de produtos brasileiros não se deve, em grande parte, ao dólar enfraquecido, mas à perda de força dos países parceiros do Brasil devido à crise que tomou de assalto economias em todo o mundo. ;Nós exportamos muito com o dólar a R$ 1,70 há dois anos;, lembrou.

O ministro que construiu sua carreira no setor privado e que nunca se candidatou a cargo público observa que o baixo crescimento do país nas últimas décadas é consequência de erros que impediram um enorme avanço econômico. ;Além de nós não termos investido (em todos esses anos), nós desinvestimos brutalmente no Brasil.; E advertiu que a aplicação de recursos em obras de infraestrutura não deve ser feita apenas para as demandas da próxima década, como a Copa do Mundo de Futebol, em 2014, e as Olimpíadas, em 2016. ;É uma questão ligada ao crescimento do país.; Leia os principais trechos da entrevista de Miguel Jorge ao Correio Braziliense.

;Tributar exportações é neurótico;

Qual agenda o país deve retomar para entregar uma economia melhor no futuro?
Em 2009, tivemos um acidente de percurso e acho que algumas coisas deixamos de lado para atacar a crise. Acho que a agenda principal continua sendo a da infraestrutura básica, como estradas, ferrovias, aeroportos e portos. Algumas coisas importantes foram feitas, mas ainda é preciso andar muito. Acho que em 2010 o PAC vai continuar forte. O presidente (Lula) pediu, inclusive, um estudo para deixar pronto, outro PAC que fosse não só um projeto para o governo Y ou X, mas para o Estado. Um dos problemas foi que depois do regime militar não tivemos qualquer tipo de planejamento. E os investimentos eram muito pequenos.

Mas ainda hoje os investimentos são baixos. A China investe duas vezes mais que o Brasil.
É verdade. E também não temos poupança (interna). Até porque num período de inflação não se faz poupança. Nós só temos democracia há 25 anos. É o período mais longo de democracia desde o período da República. No caso da estabilidade econômica, nós só a temos há 16 anos. Tendo essas condições como empecilho, entendemos ser muito difícil sair de um patamar de investimento de -15% para algo que imaginávamos que chegaríamos no ano que vem: 21% do PIB (Produto Interno Bruto). Não fosse a crise mundial, nós chegaríamos aos 21%, o que é pouco se comparado com padrões internacionais, mas é bastante bom para os dados históricos do país. Temos que chegar aos 21% e ultrapassar isso. Nós não chegaremos a 40%, que é o que a China investe, mas precisamos chegar a 25% ou 28% do PIB. O novo governo, qualquer que seja, terá que continuar a estimular investimentos. Em quarenta anos, muito pouco foi construído.

É o caso das ferrovias?
As ferrovias que temos hoje, em parte reconstruídas na época das privatizações, são 99,9% destinadas ao transporte de carga. E a maior parte de carga direcionada a um só setor, que é o de minério. Nós temos que mudar esse quadro. Um país de grandes distâncias tendo que transportar carga por rodovia é um erro.

Voltamos ao problema da falta de investimentos, não é verdade?
Além de não termos investido, desinvestimos brutalmente. O Brasil chegou a ser o segundo maior produtor de navios do mundo, na década de 1970, e destruímos a indústria naval. Chegou a ter uma importante indústria de defesa na mesma época e nós acabamos com ela. Hoje, estamos reconstruindo isso com a Petrobras. Um exemplo é a quantidade de metalúrgicos na indústria naval. Nós chegamos a ter 60 mil, mas reduzimos isso a 4 mil. Hoje, temos 30 mil. É pouco, mas é infinitamente maior do que tínhamos há seis anos. Cometemos muitos erros no passado e acho que, somente não os tendo cometido, teríamos dado um avanço enorme na economia. E não é questão se investir apenas para a Copa do Mundo ou para as Olimpíadas. É uma questão ligada ao crescimento do país.

A indústria está demorando a recorrer ao dinheiro do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social?
O BNDES saiu de (um caixa para financiar investimentos de) R$ 40 bilhões para R$ 60 bilhões e estava em R$ 100 bilhões agora em outubro. Vamos chegar a R$ 120 bilhões, que é tudo o que o BNDES tinha. Agora, já estamos garantindo o ano que vem ( R$ 80 bilhões para emprestar em 2010). Temos ciência de que o BNDES foi fundamental nesta crise, onde o dinheiro secou. Também o Banco do Brasil foi fundamental. Mas o BNDES não pode ser o principal agente quando se trata de recursos para investimentos. O principal agente no financiamento das empresas tem de ser a Bolsa de Valores. Nós temos que ter gente que compre ações de empresas. Nós não temos cultura de investimento.

Ainda se fala em mais medidas por parte do governo federal para desvalorizar o real. Entre as quais, permitir que brasileiros deixem dinheiro lá fora. Isso resolve?
Isso ajuda, com certeza. Não é uma medida de pôr 2% que vai resolver. Se você coloca 10%, 15% você faz com que se perca a confiança no país. Mas tem uma série de medidas que poderiam fazer efeito. Primeiro, no caso das exportações. As nossas exportações caíram em grande parte não só por causa do dólar fraco. Nós exportamos muito com o dólar a R$ 1,70 há dois anos. E por que nós exportamos muito a R$ 1,70 há dois anos, se hoje, teoricamente, as empresas deveriam estar mais competitivas, mais produtivas, mais eficientes do que há dois anos? Porque a economia mundial estava crescendo 6% ao ano há dois anos. Havia demanda. Agora, para 2010, se prevê que a economia mundial cresça de 2% a 2,5%.

Há também a questão do custo de produção. Afinal, o Brasil é um dos poucos países que tributa exportações. É um erro?
É absolutamente errado. Tributar exportações é neurótico. E o pior não é nem tributar, mas é tributar e devolver. Essa é que é a neurose. Já que a exportação não deve ser tributada, para que montar um sistema que você cobra o imposto para devolver? Porque você cai na tentação de não devolver. E foi o que aconteceu nos últimos anos. Ninguém sabe direito quanto é esse valor. Se fala em R$ 20 bilhões, R$ 30 bilhões. Eu já ouvi falar em R$ 40 bilhões retidos. Se você devolvesse o dinheiro aos exportadores seria uma enorme ajuda. Se você deixasse de cobrar o imposto para não precisar devolver depois, você melhora o fluxo de caixa dos exportadores. Eu sei de empresas em alguns estados que só exportam o que acharem necessário. Elas preferem ficar com o dinheiro (em caixa) a exportar.

O governo prepara medidas para diminuir os custos com as tarifas de exportações. Há algo para sair?
Não posso adiantar, mas nós temos que financiar exportações num prazo muito longo, e com juros muito baixos. Outros países fazem isso. Principalmente quando se tem um ambiente recessivo (mundial) que aumenta a competição (entre os países).

O que seria o necessário para o Brasil retomar as exportações em um bom patamar?
Nós temos, primeiro, que zerar imposto. Não pode ter ICM (Imposto sobre Circulação de Mercadorias). Não pode cobrar imposto para depois devolver. Ninguém faz isso no mundo. Não é possível que só nós sejamos espertos. A segunda é ter infraestrutura que funcione. Nós temos que ter custos menores para fazer o produto sair da fábrica e chegar ao porto. Você tem que ter um porto dragado, que comporte navios maiores. Nós não temos. É difícil competir.