postado em 19/12/2009 07:00
A combinação de aumento de impostos pelo governo com a disposição dos bancos de ampliar os lucros bateu fundo no bolso dos consumidores e no caixa das empresas que recorreram ao crédito. A constatação foi feita pelo Banco Central (BC), que destrinchou o comportamento do spread bancário em 2008. O indicador, que se refere à diferença entre o que o sistema financeiro paga de juros aos investidores e o que cobra dos devedores, subiu 11,58 pontos percentuais em relação ao ano anterior, alcançando 39,98 pontos ; o maior patamar verificado desde 2001. Segundo o BC, para compensar a perda de arrecadação com o fim da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF), o Ministério da Fazenda elevou, em janeiro de 2008, a alíquota da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) cobrada dos bancos de 9% para 15%. Também dobrou, de 1,5% para 3%, o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) incidente no crédito e criou uma taxa adicional de 0,38%. Com o estouro da crise e a escassez de financiamentos, o governo reverteu o aumento do IOF, mas manteve a alíquota adicional. Assim, o peso dos impostos diretos incidentes sobre o crédito passou de 15,53% para 19,7% entre 2007 e 2008.
Apesar de jogar a culpa sobre o governo pelo aumento do spread e o consequente encarecimento do crédito ; a taxa média atingiu 43,3% ao ano em dezembro ;, os bancos também ampliaram a parcela do indicador referente a lucros. O ganho líquido passou a representar 29,43% do spread, nível sem precedentes entre 2001 e 2008. ;Ou seja, quem realmente pagou a conta do aumento dos impostos e do lucro dos bancos foi o tomador de crédito, as empresas e os consumidores;, disse o economista João Augusto Salles, da consultoria Lopes Filho.
O BC deixou claro, por meio do Relatório de Economia Bancária e Crédito, que todos os bancos, públicos e privados, aumentaram o spread e os juros no ano passado, sob a alegação de riscos maiores de calotes oriundos da crise mundial ; de fato, a inadimplência subiu um ponto percentual entre as pessoas físicas, para 8%, com esse item passando a responder por 33,60% da composição do spread ante os 32,70% de 2007.
No entender da instituição, com a estabilidade e a melhora da renda e do emprego, há um amplo espaço para a redução do spread e dos juros. O BC ressaltou ainda que todos os números relativos ao spread levam em conta uma nova metodologia de cálculo, incluindo empréstimos direcionados à agricultura e à habitação.
Procurada pelo Correio para comentar os dados do BC, a Federação Brasileira de Bancos (Febraban) informou que só se pronunciará na próxima segunda-feira, depois de uma análise mais detalhada dos números.
"Quem pagou a conta foi o tomador de crédito"
João Augusto, da consultoria Lopes Filho
João Augusto, da consultoria Lopes Filho
Efeito Lula
A intervenção do presidente Lula nos bancos públicos ; Banco do Brasil e Caixa Econômica, principalmente ; deu bons resultados, segundo o BC. Em 2008, pela primeira vez desde o início desta década, praticaram spreads menores do que os das instituições privadas. Na média, o indicador entre os bancos controlados pelo governo ficou em 37 pontos percentuais contra 40,98 pontos dos concorrentes privados.
Pelas contas do BC, já levando em consideração as novas metodologias de cálculo, o spread dos bancos públicos aumentou 8,27 pontos percentuais no ano passado ante os 12,66 pontos das instituições privadas. Essa diferença só ficou evidente no auge da crise mundial, a partir de setembro, quando Lula proibiu os bancos federais de elevarem os spreads e exigiu maior oferta de crédito. Com isso, a taxa média de juros cobrada pelas instituições públicas encerrou o ano em 49,71% e a dos bancos privados, em 53,97%.
A decisão de Lula de botar o pé no freio do movimento dos bancos públicos foi tão contundente que, meses depois, quase toda a diretoria do BB, comandada por Antonio Lima Neto, foi demitida.
Apesar da intervenção governamental, o lucro líquido dos bancos públicos ampliou a sua fatia na composição do spread: de 13,61%, em 2007, para 22,08% no ano seguinte. Entre as instituições privadas, o peso dos lucros saltou, no mesmo período, de 33,17% para 34,01%.