Economia

Piratas do mercado

Especuladores tomam dinheiro emprestado a juros baixos e aplicam em nações que oferecem taxas altas ou ações promissoras

postado em 26/12/2009 08:30
Investidores estrangeiros estão ganhando muito dinheiro no Brasil sem nenhum esforço. Só na base da especulação financeira, ajudados pelas altas taxas de juros domésticas e pela valorização do real frente ao dólar. Em operações conhecidas como carry trade, fazem financiamentos a um custo baixíssimo em países derrubados pela crise, como Estados Unidos, Japão e os europeus, e aplicam os recursos em fundos de renda fixa brasileiros ou na Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa). Nos primeiros 10 meses do ano, tiveram rendimentos líquidos que variaram entre 42,65% e 111%. Quem botou US$ 1 milhão na bolsa paulista quitou o empréstimo lá fora, os impostos aqui e ainda embolsou US$ 1,08 milhão limpos. Os cálculos foram feitos, a pedido do Correio, pelo economista-chefe da agência de classificação de risco Austin Rating, Alex Agostini (veja quadro). "O Brasil continua sendo um dos únicos países do mundo a oferecer uma ótima combinação de rendimentos e risco. Como vem se saindo bem na crise, é um dos últimos portos seguros para capitais. Por isso, tem se mostrado muito interessante aos olhos dos investidores estrangeiros", afirma Agostini. De janeiro a outubro, entraram no país US$ 168,55 bilhões para aplicações financeiras, um volume 31,34% inferior ao de 2008, ano com desempenho muito forte até o recrudescimento da crise em setembro, após a quebra do banco Lehman Brothers. No mesmo período, os investidores externos retiraram do país US$ 128,74 bilhões. O resultado acumulado é um saldo líquido positivo de US$ 39,81 bilhões. As aplicações na Bovespa somaram US$ 124,91 bilhões e os saques, US$ 98,17 bilhões. Ou seja, do dinheiro que entrou neste ano, US$ 26,74 bilhões continuam aplicados na bolsa, atraídos pela valorização de até 70% no período. Os estrangeiros destinaram US$ 38,36 bilhões aos fundos de renda fixa, que têm rentabilidade menor, e resgataram US$ 30,26 bilhões. Permanecem aqui US$ 8,10 bilhões. Pelas regras de controle do Banco Central (BC), não é possível saber se o dinheiro teve origem em empréstimos lá fora ou se veio de recursos próprios. Discurso político Embora a esquerda brasileira qualifique os ganhos obtidos na "ciranda financeira" como imorais, por não apostar na produção no país e na criação de empregos, Agostini não vê nenhum mal nessas operações. "Isso é discurso político. No sistema financeiro, imoral é fraudar balanços para esconder prejuízos ou montar pirâmides, como fez o Bernard Madoff (especulador norte-americano preso neste ano). Os lucros obtidos em operações de carry trade são feitos dentro das regras. No mercado, ganha quem melhor administrar seus ativos, de olho nas possibilidades em cada canto do globo", diz. O analista afirma que, ao contrário do senso comum, essas transações trazem vantagens para o país. Mesmo em curto prazo, os investimentos aumentam o volume de dinheiro disponível na economia, ajudando na negociação de ativos pouco valorizados, por exemplo. Isso agita o segmento acionário. Quando compram ações, os investidores estrangeiros capitalizam as empresas, que aproveitam os recursos na ampliação da produção e na contratação de empregados. Hoje, recorrer ao mercado de capitais é uma forma mais barata e menos burocrática de financiamento do que as modalidades mais tradicionais no Brasil, como os empréstimos bancários. Aplicando nos fundos de investimento, que compram títulos públicos, o dinheiro externo ajuda a financiar o governo. Para Agostini, ao facilitar a rolagem da dívida pública e o equilíbrio fiscal, os investimentos estrangeiros acabam contribuindo indiretamente no controle da inflação. Uma desvantagem potencial seriam os eventuais prejuízos a pequenos poupadores quando os grandes se livram das suas posições de forma brusca e em grande volume, como ocorreu no ataque especulativo ao real em 1999, na crise na campanha eleitoral de 2002 e no baque mundial no ano passado. Quando se sentem ameaçados, os investidores voltam para casa com uma velocidade impressionante. A forte desvalorização dos ativos de uma hora para outra pega os desavisados de surpresa. "Para não sofrer, é preciso conhecer muito bem os riscos das aplicações e ter estômago de aço", diz. FMI preocupado O Fundo Monetário Internacional (FMI) já demonstrou preocupação com o volume de operações de carry trade (1)nos países emergentes. O temor é justamente de uma valorização excessiva nas suas moedas e de desequilíbrio nas contas externas em virtude de saídas abruptas de capital. Ex-diretor da área internacional do BC, o economista Carlos Eduardo de Freitas garante que, em tempos de normalidade, esses recursos entram e saem do país sem causar nenhum dano. Mas, em tempos de pânico, é natural que surja o efeito manada. "Os administradores de recursos de terceiros têm contas a prestar. Se eles fazem apostas erradas com bilhões de dólares, vão arcar com as consequências. Esse tipo de operação é muito arriscado. Pode gerar 500% de lucro ou dar estupidamente errado", diz. Na visão de Freitas, além do barateamento dos altos custos de financiamento, que sempre foram um obstáculo para o desenvolvimento econômico brasileiro, o desembarque desses recursos teria outros pontos positivos. A poupança externa complementa a interna e ajuda o país a fechar as contas. "Só podemos contar com o apoio desse dinheiro se oferecermos rentabilidade maior do que a existente nos países de origem. Esses ganhos são obtidos de forma honesta. Não há nenhuma avaliação moral a ser feita", afirma. Com o aporte nas empresas, a taxa de investimento produtivo, que patina abaixo de 20% do Produto Interno Bruto (PIB), tende a subir. O lado negativo é que entradas maciças e saídas rápidas de divisas internacionais trazem muita instabilidade cambial, prejudicando o planejamento dos exportadores, avalia Freitas. Uma vez que as companhias perdem mercado para seus produtos lá fora, fica bastante difícil reconquistá-lo. Com a intenção de reduzir a valorização do real, o governo instituiu um imposto de 2% sobre a entrada dos recursos aplicados em renda fixa e na bolsa. Mas, como a rentabilidade continua sendo muito grande apesar da pequena taxação, o dinheiro continua chegando. A cotação do dólar tem oscilado pouco, entre R$ 1,70 e R$ 1,75. 1 - Ganho rápido As operações financeiras chamadas de carry trade consistem na contratação de empréstimos em um país que cobra juros baixos, como os mais desenvolvidos do mundo, e a aplicação dos recursos em locais onde o retorno é muito maior. Em geral, o destino da especulação são as nações emergentes, que apresentam mais riscos, mas oferecem os melhores rendimentos do globo. Nesse contexto de recuperação da recessão mundial, o Brasil parece como o principal porto desses investimentos. Aqui, eles ganham duas vezes: com a diferença entre o custo de captação na origem e os ganhos no mercado nacional e com a valorização do real frente às moedas estrangeiras. Especuladores tomam dinheiro emprestado a juros baixos e aplicam em nações que oferecem taxas altas ou ações promissoras

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