postado em 04/01/2010 08:32
O agronegócio, estratégico para o Brasil por representar 43,3% das exportações do paÃs - o equivalente a U$$ 60 bilhões - e além da criação de mais de 100 mil empregos diretos, é também um forte determinante para a inflação dos alimentos. Os fatores que o afetam, como imprevisibilidades que prejudicam a produção, podem deixar a mesa do brasileiro mais cara. Consequentemente, a agenda do próximo presidente, segundo especialistas, é aumentar a produtividade sem ampliar os gastos públicos, deixando-o mais competitivo e com preços atraentes. O trabalho de quem assumir o Palácio do Planalto será corrigir, ou ao menos amenizar, a disparidade entre gastos e resultados obtidos.
Um levantamento do Correio (veja gráficos nesta página) mostra que, enquanto os custos tiveram um crescimento chinês nos últimos oito anos, o valor obtido com a safra e a produtividade dos agricultores se elevaram a taxas brasileiras. Para a safra 2009/2010, iniciada em julho deste ano, o custo para concluir a produção nacional será maior do que o valor que pode ser obtido com a venda dela. Os dados são do Sistema Financeiro Nacional e de bancos de dados do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa).
Com a expectativa de que o paÃs amplie a oferta de crédito nos próximos anos, os produtores rurais se beneficiarão com mais de R$ 60 bilhões em financiamentos, a maioria oriunda de bancos oficiais federais e bancos privados. Esses recursos, somados ao orçamento do governo para incentivar a agropecuária, chegam a quase R$ 170 bilhões, valor que será gasto somente para produzir a safra. O montante é R$ 13,2 bilhões maior do que a receita que pode ser obtida com a venda de toda a produção nacional em 2010 - estimada em R$ 156,8 bilhões.
SPC
O deficit entre o que é gasto para produzir e o quanto a safra vale pode ser ainda maior, chegando a R$ 50 bilhões, se forem somados também empréstimos a produtores por trades e multinacionais, além de recursos próprios aplicados por pecuaristas e agricultores. "Produzir é algo difÃcil no Brasil. Se você quer saber se uma pessoa é agricultora, é só ver se o nome dele está sujo no SPC ou no Serasa", brinca o produtor rural Clécio Klein. "Gasta-se demais e à s vezes o resultado não cobre nem o custo de produção. Por isso é preciso que o governo melhore os incentivos", emenda.
Enquanto o orçamento do crédito rural cresceu 335,2% entre 2002 e 2010, o valor bruto da produção - quanto vale a safra brasileira - expandiu-se apenas 7% em igual perÃodo. "O Brasil já avançou em muitos aspectos nos últimos anos, mas ainda há problemas e o mais negativo deles é o de eficiência dos governos", afirma o professor de inovação e competitividade da Fundação Dom Cabral, Carlos Arruda.
O aumento do gasto também não se refletiu na taxa de produtividade da agricultura brasileira, que há alguns anos é a maior do mundo, com uma média anual de 3,66%. Na comparação entre custo e resultado, pode-se dizer que a produtividade caiu: se na safra 2002/2003 o Ministério da Agricultura aplicou R$ 24,7 bilhões para incentivar uma produção que valia R$ 146,5 bilhões, seis safras depois foi preciso um volume de dinheiro quase cinco vezes maior - R$ 107,5 bilhões - para incentivar uma produção que cresceu pouco e não atingiu os R$ 160 bilhões.
Para especialistas, o principal desafio para o agronegócio na segunda década do século será corrigir essas disparidades, fazer a produção e o valor dela crescerem ao menos na mesma proporção que os gastos públicos. "Acho que essa agenda deveria melhorar a eficiência da gestão pública. Isso é o mais urgente, porque impede o avanço de outros aspectos de competitividade. O próximo presidente precisa saber preservar as boas iniciativas do governo atual e dar continuidade a elas", pondera o professor Arruda.
Recursos
Orçamento administrado pelo Ministério da Agricultura usado para incentivar e apoiar o desenvolvimento do agronegócio. Para a safra 2009/2010, os recursos previstos serão usados para investir em desenvolvimento tecnológico e cientÃfico, no apoio à comercialização para agricultores com dificuldades em conseguir preço e negociar seus produtos e para custear parte da safra.
» Gigante com problema de pobre
O Brasil é uma potência agrÃcola, pois figura entre os maiores produtores do planeta e é tido como paÃs com papel fundamental para atender a demanda mundial por alimentos. Mas, a despeito de se assemelhar aos gigantes neste aspecto, tem problemas de paÃses subdesenvolvidos. Dificuldades que travam o desenvolvimento do agronegócio. Além de melhorar a eficiência do gasto público, o próximo governante também precisa acabar com esses gargalos. O seguro rural é atualmente um dos mais importantes instrumentos de polÃtica agrÃcola, mas ainda é insuficiente para atender plenamente as necessidades do homem do campo. Em oito anos, ele mais que dobrou e só não se desenvolveu mais porque as seguradoras ainda estão pouco confortáveis em oferecer o produto.
"Se você vende um seguro de carro, um veÃculo ou outro pode dar sinistro mesmo que seja uma frota grande. Os prejuÃzos à s seguradora são pequenos. Mas, se você vende seguros para a safra de toda uma região e ocorre um problema climático, o prejuÃzo é de milhões e pode quebrar as empresas. Com isso, as regiões e os produtos mais sujeitos ao risco ficam limitadas, sem proteção", explica o secretário de PolÃticas AgrÃcolas do Ministério da Agricultura, Edilson Guimarães. A solução foi criar o Fundo de Catástrofe, o que seria uma espécie de garantia para as seguradoras. A expectativa é de que ele seja aprovado pelo Congresso Nacional em 2010 e o próximo presidente tenha de implementá-lo quando tomar posse.
Supersafra
Outra amarra para a produção nacional é a de infraestrutura, que dificulta escoar a produção. "Deveremos ter supersafras nos próximos anos se o tempo ajudar. Acontecendo isso, teremos sérios problemas na estocagem e na escoagem da produção. Além da questão de estradas, existe a questão de portos. Todo o transporte dessa produção é muito complicado", analisa o diretor de Transporte Rodoviário de Cargas da Confederação Nacional de Transportes (CNT), Luiz Anselmo Trombini.
A depender do estado das rodovias e do valor da carga, afirma o diretor da CNT, o frete é mais caro do que os itens transportados. "Quanto custa uma tonelada de soja nos EUA para mandá-la à China e quanto custa no Brasil?", questiona Trombini. "É o dobro do preço, por causa da falta de infraestrutura. Os EUA têm 20 vezes mais rodovias que nós. Somadas a elas, têm também mais hidrovias e ferrovias", compara. Segundo estimativa da confederação, seriam necessários R$ 32 bilhões somente para reconstruir e restaurar as estradas que já existem. (VM)