postado em 21/01/2010 07:00
O rombo nas contas externas, que chegou a US$ 24,3 bilhões em 2009 ; superando em mais de US$ 2 bilhões as estimativas do Banco Central ; e deve quase triplicar neste ano, interrompeu o processo de valorização do real frente ao dólar. ;Certamente, daqui por diante, veremos a moeda americana ganhando força em relação ao real. Aquele cenário de dólar a R$ 1,50 ou R$ 1,60, no qual muitos apostavam até bem pouco tempo, ficou para trás;, disse o economista-chefe do Banco BES Investimento, Jankiel Santos. Para ele, tudo indica que, com os deficits crescentes nas transações correntes do país com o exterior, o dólar fechará o ano a R$ 1,90. Ontem, a divisa dos Estados Unidos encerrou o dia cotada a R$ 1,793, com alta de 1,07%, o patamar mais elevado desde 29 setembro de 2009.O pessimismo em relação às contas externas se consolidou depois que o BC divulgou um surpreendente rombo de US$ 5,9 bilhões em dezembro ; o pior mês de toda a série histórica iniciada em 1947. O próprio banco e a maioria do mercado apostava em um buraco nas transações correntes de, no máximo, US$ 4 bilhões. Para piorar o humor dos analistas, o chefe do Departamento Econômico do BC, Altamir Lopes, avisou que este será o pior janeiro da história, com as contas externas cravando rombo de US$ 5,5 bilhões. Ou seja, em apenas dois meses ; dezembro e janeiro ;, o deficit nas transações correntes baterá em US$ 11,4 bilhões, quase o dobro do buraco registrado em todo o ano de 2002 (US$ 7,6 bilhões), o último da administração Fernando Henrique Cardoso.
Para Altamir Lopes, apesar da evidente deterioração das contas externas ; o BC projeta deficit de US$ 40 bilhões nas transações correntes deste ano, mas o Bradesco fala em um rombo de US$ 64 bilhões ;, não se pode falar em herança ;perversa; que o governo Lula deixará para o próximo presidente da República. ;O aumento do deficit é reflexo da retomada do crescimento da economia. As importações, especialmente as de máquinas e equipamentos, estão se recuperando, depois de terem caído 26% em 2009. Os brasileiros estão viajando mais para o exterior e as multinacionais instaladas no país têm remetido mais lucros e dividendos para as suas matrizes;, assinalou.
Remessas recordes
As remessas de lucros, por sinal, foram o ponto principal para que todo mundo errasse as projeções de deficit das transações correntes em dezembro. Nas duas últimas semanas do mês, houve uma forte aceleração do envio de dinheiro para as matrizes, não só porque os ganhos aumentaram no segundo semestre do ano, devido à recuperação da atividade, mas porque muitas sedes das múltis instaladas no país resolveram melhorar seus resultados, já que as economias locais ainda estão patinando. No mês passado, as remessas de lucros totalizaram US$ 5,3 bilhões, 70% a mais do que em dezembro de 2008. Em janeiro, segundo Altamir, houve um recuo: até o dia 20, as saídas somaram apenas US$ 566 milhões, mas, no ano, devem bater em US$ 30,2 bilhões.
;Na verdade, neste primeiro mês do ano, o que fará com que o deficit em transações correntes fique em US$ 5,5 bilhões será a balança comercial, devido à recuperação acentuada das importações, por causa da força do mercado doméstico. As exportações estão sentindo mais a fragilidade da economia mundial;, explicou o chefe do Departamento Econômico do BC. Ele disse ainda que, por pior que seja o deficit nas contas externas, o importante é que o rombo será perfeitamente financiável pelos investimentos estrangeiros diretos (IED), que alcançaram US$ 25,9 bilhões no ano passado (queda de 42% ante 2008) e devem atingir US$ 45 bilhões em 2010. ;Ao contrário do passado, quando tivemos deficits superiores a 6% do PIB (Produto Interno Bruto) e eles eram financiados com endividamento, hoje, temos o financiamento perfeito, com recursos de longo prazo, isto é, investimento direto na produção e em ações e títulos públicos;, ressaltou.
No entender de Élson Teles, economista-chefe da Concórdia Corretora, é verdade que, hoje, o Brasil consegue atrair capitais de ótima qualidade para o financiamento dos rombos crescentes nas contas externas. Mas o ideal é que o país não fique, por muito tempo, dependente do capital estrangeiro para sustentar seu crescimento e o consumo interno. Em tempos de escassez de recursos ou de estresse nos mercados, esse capital desaparece, criando desequilíbrios sérios na economia.
Teles chama a atenção ainda para o fato de a esperada alta do dólar ser um motivo a mais de preocupação para o BC neste ano para o controle da inflação. ;Estamos vendo o dólar girando entre R$ 1,80 e R$ 1,85;, afirmou. A seu ver, com essas cotações e com o sistema de câmbio flutuante, portas de saídas para o dólar atualmente ; as remessas de lucros e as viagens ao exterior ; tenderão a ficar mais restritas.
; Deficit de US$ 5 bilhões nas viagens
A combinação de dólar em baixa com aumento do emprego e da renda fez com que os brasileiros viajassem como nunca para o exterior em 2009. Tanto que a conta viagem, que contabiliza as despesas lá fora e as receitas de turistas estrangeiros no Brasil, registrou deficit de US$ 5,6 bilhões, o maior da série histórica do Banco Central iniciada há 63 anos. Somente em dezembro, o rombo foi de US$ 696 milhões, quase sete vezes maior do que o computado no mesmo mês de 2008 (US$ 101 milhões), quando muita gente botou o pé no freio, assustada com o terremoto provocado pelo estouro da bolha imobiliária americana.
;Logo depois do início da crise mundial, tanto os gastos de brasileiros no exterior quanto as receitas de turistas estrangeiros no país caíram muito. Mas como a situação econômica do Brasil melhorou rapidamente (e o dólar caiu), os brasileiros retomaram as viagens;, explicou o chefe do Departamento Econômico do BC, Altamir Lopes. Ele observou que as despesas dos brasileiros fecharam 2009 com queda de apenas 0,6% ante 2008 e os gastos de estrangeiros encolheram 8%. ;Estamos vendo forte ganho real de renda no Brasil e isso estimula as viagens;, frisou. Nos primeiros 20 dias de janeiro deste ano, o deficit na conta viagem ficou em US$ 435 milhões. Para 2010 inteiro, a previsão do BC é de um rombo de US$ 7 bilhões
No mercado acionário, foram os estrangeiros que fizeram a festa. O saldo de suas aplicações em 2009 ficou positivo em US$ 37 bilhões ; um recorde ;, sendo que US$ 32 bilhões foram destinados à Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa) e US$ 5 bilhões para a compra de American Depositary Receipts (ADRs), certificados que representam ações de empresas brasileiras negociadas na Bolsa de Nova York. Vale ressaltar que a conta está inflada pelo megalançamento de papéis realizado pelo Banco Santander em outubro passado. (VN)