postado em 24/01/2010 09:23
A interrupção na concessão de crédito é o principal obstáculo para que a economia dos Estados Unidos volte a andar com as próprias pernas, dispensando o socorro do governo. Apesar de o Tesouro ter injetado quase US$ 205 bilhões nos bancos, os empréstimos não avançam. Tanto a oferta como a procura pelo dinheiro caíram. As instituições financeiras não liberam os recursos porque ainda estão em maus lençóis e temem a alta inadimplência. Os trabalhadores preferem pagar o que já devem. Com isso, o volume de financiamentos encolheu R$ 505 bilhões durante a crise.
O estoque de crédito caiu (veja quadro) e os bancos ainda enfrentam problemas. Os lucros anunciados recentemente resultam de artifício contábil. No meio de 2009, o Tesouro e o Federal Reserve (Fed, banco central dos EUA) permitiram aos bancos atribuir valor a papéis que haviam virado pó. Isso inflou os balanços. A situação real é bem diferente. ;Boa parte desses lucros não deixa de ser uma maquiagem pelo afrouxamento generalizado das regras contábeis. Ninguém sabe ao certo o que está acontecendo de fato nos bancos;, afirma a economista Alessandra Ribeiro, da Tendências Consultoria.
Na semana passada, três gigantes financeiros publicaram balanços. O Bank of America, maior do país, anunciou lucro de US$ 6,28 bilhões em 2009, volume 56,5% maior que o de 2008. O Citigroup, que tomou US$ 49 bilhões em dinheiro público concedendo, em troca, 36% do seu capital ao Tesouro, anunciou prejuízo de US$ 7,6 bilhões no último trimestre. ;As manobras contábeis continuam, mas o Citi pode se dar ao luxo de fazer um balanço um pouco real porque o Tesouro está lá dentro. Ninguém tem medo de que ele quebre, pois o governo banca as operações;, observa o chefe da Divisão Econômica da Confederação Nacional do Comércio (CNC), Carlos Thadeu de Freitas Gomes.
O JP Morgan Chase teve lucro de US$ 3,3 bilhões no trimestre, mas com profundo prejuízo nas áreas de hipotecas e cartão de crédito. ;Não estou dizendo que o Bank of America ou o JP tenham feito isso, mas os bancos poderão esconder por mais tempo os balanços ruins. O dinheiro do Fed deu uma sobrevida a eles;, diz Gomes, ex-diretor do Banco Central. Alguns estão ganhando dinheiro com aplicação de recursos em locais com juros mais altos.
Segundo Gomes, o Fed comprou tantos títulos hipotecários para limpar os balanços dos bancos que os próprios ativos subiram de US$ 700 milhões para US$ 2,4 trilhões. Essa injeção de recursos no mercado serviu para dar mais tranquilidade aos investidores, evitando o risco de uma quebra em série. Mas não resolveu o enxugamento do crédito. O volume emprestado na farra que resultou na crise ainda extrapola em muito o capital exigido pelas normas de prudência aceitas internacionalmente e há uma parcela considerável de papéis podres sem solução. ;Eles não vão voltar a emprestar até se livrarem dos créditos ruins. Ainda por cima, temem ficar sem fundos quando o Fed exigir seu dinheiro de volta;, diz.
O Tesouro emprestou
US$ 204,9 bilhões aos bancos em 732 operações do Programa de Alívio de Ativos Problemáticos (Tarp, na sigla em inglês). Quem utilizou essa linha ficou sujeito a regras mais rígidas para a administração dos ativos e a limitações nos pagamentos dos bônus de desempenho aos executivos. As grandes instituições, como Bank of America, JP Morgan Chase, Wells Fargo, Goldman Sachs e Morgan Stanley, resolveram problemas circunstanciais e trataram de devolver logo os recursos (veja quadro). Não queriam se submeter ao aperto do Fed, principalmente no que diz respeito à distribuição de prêmios a seus figurões.
Pendências
No último balanço do Tesouro, na semana passada, as instituições já haviam devolvido
US$ 121,9 bilhões, restando uma conta de US$ 83 bilhões pendente. Na avaliação de Alessandra Ribeiro, os bancos começaram a lucrar com as próprias operações nos últimos meses, mas ainda estão reconstituindo as bases de capital após os estragos da crise. Num momento de desemprego em 10% e grande incerteza quanto ao nível de renda do trabalhador, os administradores se preocupam com a inadimplência, que cresceu em todos os segmentos. Nos contratos subprime (sem garantias seguras), que detonaram toda a crise, o calote subiu 146,7%. No crédito ao consumo de forma geral, a alta foi de 27,6%.
Os analistas concordam que a recuperação do crédito será um processo longo, em meio ao qual a economia norte-americana começará a andar de forma autônoma, sem o socorro governamental. Por enquanto, os financiamentos ao consumidor caíram pelo 10; mês consecutivo, diminuindo US$ 17,5 bilhões em novembro, o maior tombo desde o início dos registros, em 1943. O recuo foi de 8,5%. O movimento do cartão de crédito encolheu 18,5%, o maior enxugamento desde 1974. Foi o 14; mês seguido de retração. ;Não há sinal de reversão dessa tendência no médio prazo;, diz Alessandra Ribeiro.
E EU COM ISSO
Sozinho, o consumo dos trabalhadores norte-americanos é responsável por 17,7% da economia global. Para que o planeta saia de vez da crise, é fundamental que eles voltem a ter crédito para comprar. Assim, as exportações dos emergentes para os EUA podem voltar a crescer, o que vai impulsionar a indústria, o agronegócio, o emprego e a renda em países como o Brasil. (RA)
; A reação de Obama
O presidente Barack Obama, com apenas 49% de aprovação popular, anda às turras com os banqueiros, a quem chamou de "peixes gordos" por causa dos altos bônus que recebem. Sentindo que precisa agir logo para não destruir de vez seu capital político, Obama reuniu, no mês passado, os chefões dos 12 maiores bancos do país para pedir a abertura das torneiras do crédito aos trabalhadores e pequenas e médias empresas. "Depois de terem recebido uma assistência extraordinária com o dinheiro do contribuinte, esperamos de sua parte um compromisso também extraordinário para ajudar na recuperação econômica por todos os meios possíveis", discursou. O encontro não surtiu nenhum efeito.
O segundo movimento do político democrata foi propor uma taxação extra à atividade bancária para reaver US$ 117 bilhões dos programas de socorro ao setor financeiro. "Meu compromisso é recuperar cada centavo a que o povo norte-americano tem direito. E minha determinação para alcançar esse objetivo é enfatizada quando eu vejo notícias de grandes lucros e bônus absurdos nas empresas que devem sua existência ao povo norte-americano",
disse em comunicado na semana passada. A ideia é cobrar uma alíquota de 0,15% sobre os ativos bancários superiores a US$ 50 bilhões. "Não fui eleito presidente para ajudar um punhado de banqueiros de Wall Street", ressaltou.
O economista Carlos Thadeu de Freitas Gomes, da CNC, apoia a taxação, que serviria como uma compensação pela falta de concessão de crédito depois da enxurrada de dinheiro público nos cofres dos bancos. "Tanto política como economicamente, é justo que uma parte desse dinheiro volte na forma de impostos", diz. Alessandra Ribeiro, da Tendências Consultoria, acredita que o gasto de parte dos fundos para pagar o tributo pode reduzir ainda mais as operações de empréstimos. "O Fed e o Tesouro já fizeram muito. Agora, é esperar essa fase de transição passar. O consumo, responsável por 70% da economia dos EUA, é movido a crédito, que só deve se recuperar em 2011", afirma.
O último e mais dramático lance foi o envio ao Congresso, na quinta-feira, de dois projetos limitando a atividade dos bancos, que não poderão mais operar com fundos especulativos no mercado futuro. Além disso, nenhum grupo poderá ter ativos num valor superior a
um teto a ser estipulado ; hoje, esse nível é 10% de todo o sistema financeiro. Reclamando do lobby contra as tentativas de reformar a arquitetura financeira, Obama entrou em confronto aberto com o segmento. "Se esse pessoal quer briga, essa é uma briga que estou pronto para encarar", disse. As propostas do governo desvalorizaram as ações dos bancos e derrubaram os mercados. (RA)