Paola Carvalho
postado em 20/02/2010 16:20
A lida do produtor rural Júlio Motta, 64 anos, começa às 3h da madrugada, antes mesmo do galo cantar. Atravessa a fazenda, em Bom Jesus do Amparo (Região Central), para buscar o gado, especialmente as 22 vacas da raça girolando. Abre a porteira do curral e, com três ajudantes, prepara a ordenha, não tão cansativa como na época de seu pai, que morreu há 12 anos, perto de completar um século de vida. Embora o ambiente ainda seja rústico, o processo é moderno, todo mecânico. O sol ainda não nasceu e o tanque está cheio até à metade. Os 400 litros diários são completados quando o processo se repete no início da tarde. ;Estou a 70 quilômetros da capital, mas não troco a rotina da fazenda por terno e gravata de jeito nenhum;, diz.O dia a dia não parece mesmo com o de um executivo. Mas, por meio da Cooperativa Central dos Produtores Rurais de Minas Gerais (CCPR), o leite tirado por Motta está nas padarias, nas prateleiras dos supermercados, na mesa dos brasileiros com a marca Itambé. ;Como cooperado, me sinto dono de um pedaço da Itambé. Vê-la crescer é recompensador. Minha vida gira em torno dela", afirmou. E nas próximas semanas o pequeno fazendeiro pode passar a dono de uma empresa ainda maior e, quem sabe, com ações negociadas na Bolsa de Valores, Mercadorias e Futuro de São Paulo (BM).
Em março deve ser batido o martelo para a criação da maior empresa de laticínios da América Latina. A CCPR negocia a união com outras quatro cooperativas ; Cemil e Minas Leite, de Minas Gerais, Centroleite, de Goiás, e Confepar, do Paraná ;, reunindo 40 mil produtores de leite. A megacooperativa, ainda sem nome, teria faturamento de cerca de R$ 4 bilhões por ano e captaria mais de 7 milhões de litros de leite ao dia. Esse volume é superior ao captado diariamente pelas líderes do mercado, a Nestlé (5,2 milhões) e a Perdigão (4,5 milhões). Segundo o presidente da CCPR/Itambé, Jacques Gontijo, a negociação bilionária começou em agosto do ano passado e falta somente uma consultoria contratada apresentar a participação que cada uma das empresas teria na nova companhia a partir da avaliação de seus ativos.
;Se o modelo vingar, certamente haverá necessidade de maior recursos para investimento, considerando que duas das cinco cooperativas não têm parque industrial. Trabalham somente na captação do leite. A forma deslumbrada seria a constituição de uma sociedade anônima;, explica Gontijo. Ele revela que o segundo passo é o lançamento de ações na bolsa. ;Seríamos a primeira cooperativa a abrir capital no Brasil, permitindo a entrada de sócios estratégicos. Existem vários interessados em participar desse momento de consolidação do setor;, destaca. Um dos interessados, segundo ele, é o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). O presidente da instituição financeira, Luciano Coutinho, visitou Belo Horizonte recentemente, mas disse que não ainda podia falar sobre o assunto.
O objetivo, conforme Gontijo, é se consolidar na terra de gigantes. Ele diz que o processo de fusões e aquisições no setor foi intensificado em 2008, quando a Perdigão comprou a Batavo, depois da Avipal e Cotochés. ;A Perdigão atuava somente na área de carnes e, rapidamente, tornou-se a segunda maior do mercado brasileiro de lácteos. E a Perdigão financiou esse investimento acessando o mercado de capitais;, diz. Levantamento realizado pela consultoria KPMG a pedido do Estado de Minas confirma. Nos últimos três anos, ocorreram 30 transações: oito em 2007, 14 em 2008 e oito no ano passado. ;O setor de laticínios tem condições de criar grandes players. Um mercado pulverizado consegue auferir grande ganho de escala via fusões e aquisições. Podemos fazer um paralelo com os frigoríficos. O JBS, por exemplo, passou por isso, abriu capital e comprou empresas, inclusive no exterior;, afirma sócio de finanças corporativas da KPMG no Brasil, Luís Motta.
As projeções já traçadas pela Itambé, que lidera o processo, são a de concentrar a captação de 10% do leite brasileiro. Este ano, somente a CCPR captou 1,1 bilhão de litros, para 2010 está previsto 1,3 bilhão e a meta para 2014 é de 2 bilhões. A Itambé é hoje composta por 32 cooperativas, que reúnem mais de 9 mil produtores. O presidente estima faturamento de R$ 2,4 bilhões em 2010, depois de registrar R$ 1,9 bilhão em 2009. A Itambé tem cinco fábricas: quatro em Minas e uma em Goiás. Se concluído o projeto de fusão, a nova cooperativa passaria a ter mais duas fábricas: uma em São Paulo e outra no Paraná.