Economia

Produtos nacionais manufaturados perdem espaço nas vendas externas para itens básicos

Especialistas advertem que, sem investimento em inovação, o país pode se tornar mero montador

postado em 02/03/2010 08:15
A falta de investimento em inovação está levando o Brasil a perder mercado no comércio internacional e pode levar o país, futuramente, a ter seus produtos preteridos até mesmo pelos consumidores brasileiros. Dados da Secretaria de Comércio Exterior (Secex) do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MIDC) indicam queda da participação dos manufaturados no total de produtos vendidos ao exterior. Em 2004, essas mercadorias responderam por 54,9% da pauta de exportações. No ano passado, essa categoria representou 44%. Por outro lado, os produtos básicos, que em 2004 representavam 29,5% das vendas brasileiras, seis anos mais tarde passaram para 40,5%.

;Exportamos cada vez mais commodities (1), que estão com demanda crescente e preços em alta. Por outro lado, o empresariado brasileiro está preferindo importar componentes a criar uma fábrica para produzir localmente, ficando no Brasil apenas o trabalho de montagem do produto. É o que se vê na área de informática. O investimento em desenvolvimento tecnológico e inovação é muito baixo no país;, disse Roberto Nicolsky, diretor-geral da Sociedade Brasileira Pró-Inovação Tecnológica (Protec). ;Nesse cenário, nosso crescimento está sendo autorizado pela China. Enquanto ela crescer, o Brasil cresce também puxado pela venda de commodities. Enquanto isso, estamos com um deficit brutal em inovação tecnológica.;

O risco é o país se transformar em uma grande montadora de produtos industrializados, com baixíssimo nível de desenvolvimento tecnológico e de inovação nos produtos nacionais. ;As empresas produzem inovação, principalmente, em processos, para produzir de forma mais eficiente. Mas não investe para descobrir novas tecnologias, novos produtos, pois isso é muito arriscado e todo o dinheiro aplicado pode ser perdido se o negócio não der certo;, explicou Nicolsky. Esse é o problema;.

Túnel

Para Carlos Arruda, coordenador do Núcleo de Inovação da Fundação Dom Cabral, de fato, o cenário atual é ruim, mas há luz no fim do túnel. ;Vivemos um momento interessante. Cresce a consciência geral da importância da inovação, tanto por parte do governo, quanto da iniciativa privada;. Ele contou que em 2001 a Fundação Dom Cabral fez uma enquete com 120 executivos de grandes empresas e um dos temas destacados como relevantes para o futuro foi justamente inovação. ;Naquele momento, a inovação era apenas uma intenção estratégica;, disse ele.

Estrutura

Em 2004, a pesquisa foi repetida, agora entrevistando 15 mil executivos. Resultado: 96% declararam que a inovação era muito importante, mas apenas 10% das empresas tinham um processo estruturado para trabalhar a inovação. Em 2009, nova rodada e outros 15 mil entrevistados. ;Ao todo, 100% têm a percepção de que a inovação é algo muito importante, tanto por gestores públicos quanto privados. E 25% das empresas já estão com processos estruturados para trabalhar a inovação;, contou Arruda.

A Fundação Dom Cabral quis entender o que os empresários entendiam por inovação e fez nova pesquisa. ;O resultado é que os empresários encaram a inovação como um instrumento de sustentação ao atual desempenho da empresa. Mas a inovação também pressupõe lidar com incertezas, tecnologias e mercados que a organização não domina, ingressando em uma zona de risco e de até perdas financeiras;, explicou Arruda. Com o crescimento da economia brasileira, e do próprio mercado consumidor com a inclusão de uma massa de pessoas via incremento de renda, as empresas estão apostando em fazer mais do mesmo, buscando melhorar seus processos. ;Elas apostam em melhoria de produtividade. Mas não investem para descobrir novos produtos, apostando no futuro. E é aí que está o risco;, disse Arruda. A saída, segundo ele, está em as empresas assumirem um pequeno risco para desenvolver novas tecnologias e novos produtos. ;Ainda temos tempo, mas podemos ficar estrangulados. O Brasil precisa de mais capital de risco.;

Empresas

Algumas lideranças empresariais já estão percebendo o problema. Por isso mesmo, a Confederação Nacional da Indústria (CNI) lançou em 2008 a Mobilização Empresarial pela Inovação, para chamar a atenção para o tema. ;Aqui no Brasil, diferentemente da Coreia do Sul e de Taiwan, o nosso modelo de industrialização foi via substituição de importações e não criamos a cultura da inovação;, lembrou Rafael Lucchesi, diretor de Operações da CNI. ;Além disso, temos um problema sério na estrutura educacional do país, pois apenas 1% dos jovens brasileiros estão aptos a contribuir com esse processo de inovação. Afinal, de cada 100 graduados, pouco mais de 5% são engenheiros e outros 5% são cientistas. Como apenas 10% dos jovens chegam à universidade, há uma deficiência na formação de mão de obra.;

Daí a importância da mobilização. ;Estamos atuando para mitigar a insegurança jurídica e incentivando o aperfeiçoamento da legislação. Também buscamos junto à sociedade e ao governo melhorar a formação da mão de obra, especialmente de engenheiro. Basta ver que de cada 100 graduados, 5 se formam engenheiros no Brasil, enquanto na China são 40. E incentivamos a aproximação entre universidades e empresas para obtermos resultados com maior eficiência;, disse Lucchesi. E conclui: ;O desafio da inovação tem que estar no centro das estratégias empresariais;.


1 - Escala
Commodities são produtos fabricados em larga escala, comercializados em nível mundial e que têm seus preços referenciados internacionalmente. São mercadorias de origem primária, chamadas também de matérias-primas. Podem ser agrícolas, como soja e açúcar; minerais, como o petróleo; ou ainda metálicas, como ouro. As oscilações de preços de cada commodity podem ser determinantes para um país. O comércio exterior é sensível à valorizações e quedas desses itens.

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