Economia

Crescimento industrial de 1,1% em janeiro anula as perdas do fim do ano e não ameaça inflação

postado em 05/03/2010 07:00
A crise que engoliu economias em todo o mundo e que fez o setor produtivo perder um ano de crescimento é assunto vencido para a indústria nacional. Em janeiro, o ritmo de produção nas fábricas expandiu-se 1,1% ante dezembro, na comparação livre das influências características de um mês (sazonalidade). O resultado praticamente anula a perda sofrida com as duas baixas entre novembro e dezembro do ano passado, e mostra que a retomada do setor se dá de forma crescente e sustentada. Em tempos de risco de inflação, isso quer dizer que há espaço para a indústria crescer sem pressão sobre as decisões de política monetária. (1)

;Do ponto de vista da indústria, não há necessidade de aumento de juro;, assinala o gerente de Política Econômica da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Flávio Castelo Branco. Em 2010, devido ao maior ritmo de consumo do governo e das famílias, e devido a influências climáticas, como chuvas e quebra de safra, os preços ao consumidor têm variado acima do esperado.

O crescimento estimado da indústria em 2010, de algo como 7% ante o ano passado, age como mais lenha na fogueira da inflação. O contraponto, entretanto, está na ociosidade dos parques fabris, que ainda está bem abaixo do período do pré-crise. ;Esse é mais um indicativo de que há espaço para crescer sem forçar a demanda, por conta da queda abrupta da indústria no ano passado;, referenda o economista Bernardo Wjuniski, especialista em atividade produtiva da Consultoria Tendências.

Gordura
Em janeiro de 2010, a Utilização da Capacidade Instalada (UCI) atingiu 81,4% do total que poderia ser utilizado para produzir nas indústrias, uma queda de 0,1 ponto percentual ante dezembro de 2009, e de 2,3 pontos ante setembro de 2008, auge da produção industrial brasileira. Em tese, esse espaço (de 18,6 pontos percentuais) para atingir a capacidade máxima de produção são a gordura que a indústria tem antes de começar a gerar inflação na economia.

;A queda no nível de UCI e a estabilidade das vendas da indústria são notícias que corroboram a visão de quem acha que um aumento na taxa Selic poderia ocorrer apenas a partir de março, uma vez que indicam que a economia não está crescendo tão rápido assim;, reflete o economista-chefe do Banco Fator, José Francisco Gonçalves. Em suas palavras, mesmo que o Produto Interno Bruto (PIB) cresça entre 5,5% e 6% este ano, não há razão para se temer uma inflação sobre a demanda. ;É mais um elemento que vem dizer que a economia está crescendo, mas não está bombando. Esse crescimento não gerará inflação. Não será um susto desembestado;, reforçou.

Em janeiro, a indústria registrou seu segundo melhor resultado para meses de janeiro, com um crescimento de 16% ante o primeiro mês de 2009. No acumulado dos últimos 12 meses, entretanto, o setor produtivo ainda padece de bons resultados. Ostenta uma queda de 5%, em razão do baque sentido diante da crise financeira mundial. A queda, no entanto, ainda é bem menor do que a sentida em outros meses de 2009, e 2,4 pontos percentuais menor do que o resultado de dezembro, que foi negativo em 7,4% no acumulado em 12 meses.

1 - Consumo
A decisão de aumentar ou não os juros surte impacto direto na produção. Mesmo não mexendo na taxa, já existe uma falta de incentivo ao consumo no Brasil. Tem-se no país os mais altos juros reais (descontada a inflação) no mundo. Em caso de nova alta, reduz-se ainda mais o ritmo de produção.

; Crédito fez a diferença

O bom resultado da indústria neste início de ano é reflexo, sobretudo, do maior acesso ao crédito e da manutenção do consumo das famílias. Essas variáveis foram decisivas para manter aquecido o mercado de bens duráveis e de bens intermediários, que são a espinha dorsal da indústria brasileira. Em janeiro, houve crescimento de três das quatro categorias de uso, com destaque para a produção de itens de maior valor de custo, que têm sua venda intrinsecamente ligada ao volume de crédito e à extensão dos prazos dos financiamentos.

Na comparação entre janeiro de 2010 e janeiro de 2009, por exemplo, houve aumento fortíssimo da produção de automóveis (30,6%), telefones celulares (59,7%) e eletrodomésticos (41,5%). Dois desses três produtos tiveram suas vendas condicionadas à política anticíclica do governo, como a desoneração do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), que terá sua extinção total ainda no primeiro semestre deste ano.

Até 2009, a equipe econômica acreditava que a política fiscal tinha que dar sua contribuição ao crescimento econômico. Passada a crise, a história é outra. Com a previsão de crescimento acima de 5% do Produto Interno Bruto (PIB), não haveria a necessidade de mais estímulos. ;Boa parte desses produtos têm um esgotamento (antecipação) de compra, o que pode ter influenciado o resultado de janeiro, e refletir no desempenho desses setores no futuro;, avalia o economista André Macedo, gerente da pesquisa de indústria do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Segundo ele, grande parte da queda de 10,1% na produção de duráveis, entre novembro e dezembro, se deveu ao fim do IPI reduzido para carros movidos à gasolina, no fim de outubro. (DB)

; Análise da notícia
Expansão sem ajuda

Em se tratando de economia, não há almoço de graça. As concessões feitas ao setor produtivo no ano passado tiveram como objetivo estimular o crescimento. Mas a festa custou ao Estado algo R$ 25 bilhões em desonerações apenas no âmbito federal. A medida surtiu efeito. Entre setembro de 2008 e janeiro de 2009, a produção de bens de capital (máquinas e equipamentos) inverteu o curso. Saiu de uma queda de 23,4% para uma alta de 15,5%. Em outras áreas observou-se resultado parecido. A produção de bens intermediários, por exemplo, já cresce ininterruptamente há 13 meses. E no que se refere ao ramo de bens de duráveis, nota-se uma alta de 8,6% apenas entre janeiro e dezembro. Tudo bem não fosse a dura realidade. Nenhum desses números teria sido possível sem a ação do Estado, que gastou o que não pôde para poder botar a economia nos trilhos em 2009. Este ano é diferente. Não haverá espaço para concessões, nem benesses. A indústria terá de caminhar com as próprias pernas. Não se sabe se ela está preparada. (DB)

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