Economia

Recalls frequentes lotam mecânicas e concessionárias, fazendo disparar os preço de peças e serviços

postado em 14/04/2010 08:25
Não bastasse a forte expansão da frota de veículos, que resultou em um crescimento expressivo no número de clientes, as concessionárias, mecânicas e fabricantes de autopeças estão, agora, abarrotando o caixa com a onda de recalls. Mas, se as empresas só têm a comemorar, os consumidores não podem dizer o mesmo. Com demanda de sobra, fornecedores e prestadores de serviços têm reajustado os preços muito além da inflação. E, pior, vêm dilatando os prazos de entrega.

Nos últimos 12 meses, os serviços de manutenção dos carros ficaram, em média, 8,5% mais caros, quase o dobro da inflação no período (4,99%). A disparada de preços coincidiu com o anúncio em massa de recalls ; em 2009, foram 46 e, apenas nos quatro primeiros meses deste ano, 13. Já o tempo de espera por atendimento em concessionárias e mecânicas autorizadas, que variava entre dois e três dias, passou para mais de uma semana. Isso, se as peças forem entregues a tempo.

As empresas dizem que não há muito o que fazer. Estão apenas seguindo as leis de mercado ; de oferta e procura. Entre 2001 e 2009, mais 24 milhões de veículos passaram a circular pelas ruas e estradas do país. Na pressa, porém, de satisfazer o sonho de consumo dos brasileiros, as montadoras aceleraram a produção e o controle de qualidade caiu. O reflexo desse movimento foi explicitado no faturamento da indústria de autopeças, que cresceu mais de 200% nos últimos oito anos, passando dos U$$ 40 bilhões no ano passado.

;O custo de manutenção de um carro está muito alto. Qualquer coisa que se faça hoje, mesmo que seja trocar uma pecinha, acaba ficando muito caro;, disse o servidor público Ernando Guimarães, que esperou quatro dias por um atendimento na oficina de sua confiança. A professora Edilamar Silva passou pelo menos suplício. ;Como gosto de levar meus carros para revisões só nas concessionárias, por ser mais seguro, tenho que me submeter ao prazo imposto por elas. Não tem jeito;, afirmou. Para o reparo de uma lanterna e da pintura do carro, ela esperou três dias.

Explosão das vendas
A inflação do setor automotivo está associada ao aumento da renda dos brasileiros, à maior oferta de crédito, à redução de juros e à melhora das condições de pagamento (prazos mais longos). Hoje, é possível financiar um veículo em até 80 meses, com juros pouco acima de 1% ao mês ; o que era inimaginável há 10 anos. O preço também foi um fator determinante. Entre 2005 e 2007, o valor do carro novo subiu pouco, menos da metade da inflação desses anos. A partir de 2008, o produto entrou em deflação. ;Em 2007, houve uma explosão na quantidade de modelos no mercado. Foram lançados vários carros populares e as pessoas passaram a ter mais facilidades para adquirir um;, explicou Bruno Leonardo Grangeiro, gerente de vendas da concessionária Estação Fiat, no Distrito Federal.

;Com o aumento gigantesco de vendas e com os constantes recalls, há uma demanda muito maior por nossos serviços de mecânica. Para que o cliente não perca tempo e fique mais confortável, trabalhamos com o agendamento;, disse. Segundo Grangeiro, entre 2008 e 2010, houve um aumento de 60% na procura por serviços na concessionária em que ele trabalha. Cerca de 2 mil carros por mês passam pelas mãos dos 20 funcionários da autorizada. Todo esse movimento resulta na comercialização mensal de 500 mil peças somente ali. ;Existe hoje uma cultura do consumidor de dizer que nossos serviços são muito caros, mas estamos trabalhando para reverter tal impressão. Oferecemos descontos e condições especiais para cativar os clientes;, ressaltou.

Mas o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) (1) não reflete isso. Quando aberto, o indicador revela que os serviços de conserto registraram alta de 7,05% nos últimos 12 meses. O preço do seguro avançou 7,03%. O custo da lubrificação e de lavagem deu um salto de 11,37% e o de pintura de veículo, de 8,47%. As peças ficaram 4,1% mais caras.

1 - Indicador oficial
O Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) é usado como referência para o sistema de metas de inflação do governo. Ele mede a variação do custo de vida entre as famílias com rendimentos de um a 40 salários mínimos por mês e residentes nas 11 principais capitais do país, incluindo Brasília. O centro da meta perseguida pelo Banco Central é de 4,5%.



; Defeitos são propositais

Com o crédito farto e o aumento da renda, os brasileiros ficaram ávidos por bens duráveis, principalmente carros. Entre 2001 e 2009, a frota nacional cresceu 76% e o grande volume de veículos ; fabricados cada vez em menor tempo ; resultou no aumento de recalls. Somente nos três primeiros meses deste ano, tiveram problemas de fábrica 642,9 mil automóveis, o equivalente a 10,03% de todos os veículos chamados para a correção de defeitos no Brasil entre 2001 e 2010 (6,4 milhões).

Segundo mecânicos de uma grande montadora, essa quantidade crescente de problemas de fábrica ocorre porque as empresas trabalham com ;taxas de defeito; nas peças ; tempo curto de duração ;, para que o mercado de reposição continue a se movimentar. Eles ressaltaram ainda que os atuais e excessivos recalls devem ser atribuídos ao descontrole nessas taxas, com carros chegando às lojas já com defeitos.

;O que também acontece é que, com o volume de vendas muito elevado, acaba havendo uma flexibilidade maior na tolerância da qualidade das peças. Isso gera problemas. É um efeito em cascata, todo os fornecedores vão aumentando a tolerância por causa da gigantesca demanda e só se nota o problema quando a empresa é obrigada a realizar um recall;, explicou Luiz Carlos Augusto, diretor superintendente da Jato Dynamics do Brasil, consultoria automobilística.

Consumidor omisso
Se as empresas falham na fabricação de peças com baixa tolerância de qualidade, parte dos consumidores erram ao não levar o veículo às concessionárias ao serem convocados para um reparo. Segundo levantamento do estradas.com.br, site especializado no assunto, na última década, as montadoras no Brasil economizaram cerca de R$ 1 bilhão porque metade dos clientes não levou o carro para o conserto obrigatório.

;O fato das pessoas não atenderem ao recall é uma forma de economia para as montadoras e de exposição de risco para os consumidores. Comprovamos, em juízo, que cerca de 50% dos veículos já convocados no Brasil não foram reparados. Isso também acontece em função do plano de mídia dos recalls, que são ruins e escondidos;, afirmou Rodolfo Alberto Rizzotto, autor do livro Recall ; 4 milhões de carros com defeitos de fábrica.

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