Economia

Especialistas criticam a concessão de Belo Monte baseada em recursos subsidiados do BNDES e parcerias com a Eletrobras

Marcone Gonçalves
postado em 20/04/2010 07:15
Carmargo, da UnB: benefícios compensam juros e derrubam competiçãoConsiderada essencial para garantir o abastecimento futuro de energia, a construção da hidrelétrica de Belo Monte deverá começar com um leilão no qual os dois consórcios liderados por construtoras disputam parcerias com estatais e recursos subsidiados do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Entre os especialistas do setor elétrico, há consenso em relação à necessidade dos megawatts da usina, mas não ao sistema de concessão. Dois deles, Luiz Pinguelli Rosa e Ivan Camargo, defendem Belo Monte, mas rechaçam o modelo adotado para viabilizar o empreendimento. Para ambos, o resultado vai pesar para o contribuinte.

;O leilão é uma fantasia do neoliberalismo de esquerda do governo do PT;, afirmou Pinguelli, que é diretor do Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-graduação e Pesquisa de Engenharia (Coppe). Ele sustenta que, a exemplo do que ocorreu com os leilões anteriores de Jirau e Santo Antônio, a Eletrobras e suas subsidiárias vão construir a usina, mas abrindo mão do controle do empreendimento. ;O governo finge que se trata de um negócio de mercado. Fica a reboque de poucos grupos privados, mesmo detendo a propriedade;, assinalou. O resultado, segundo o professor, é conhecido: os consumidores pagam quase R$ 400 de tarifa de energia que sai da usina custando em torno de R$ 80. ;É preciso rasgar a fantasia. A iniciativa privada nunca fará uma obra dessa natureza, que custa R$ 19 bilhões.;

Os protestos contra a construção da usina ganharam dimensão internacional: atraíram até o diretor de Avatar, o cineasta James CameronPara Ivan Camargo, especialista em planejamento energético e professor da Universidade de Brasília (UnB), os juros subsidiados pelo BNDES e o abatimento no imposto de renda abalam a competitividade e distorcem o preço da tarifa de Belo Monte. ;Não haverá competição de fato na definição do preço da tarifa, já que 90% de seu valor se deve às taxas de juros. Quem ganhar será compensado pelos subsídios;, afirmou Camargo, que defende o modelo competitivo como forma de evitar a politização do setor. De acordo com ele, os juros subsidiados oferecidos pelo BNDES, em torno de 4% ao ano, são metade do custo do financiamento captado no mercado.

Sem opção
Os dois especialistas enumeram diferentes razões em defesa da hidrelétrica em plena região amazônica. Ambos destacam que a energia das hidrelétricas é mais barata que as fornecidas por usinas eólicas, nucleares e termelétricas. No entanto, é o impacto na economia que torna a obra essencial. Embora, em 2009, o crescimento do consumo de energia tenha ficado perto de zero por conta da crise, os três primeiros meses deste ano já projetam um aumento de 10%. ;Nosso consumo de energia está bem abaixo da média mundial. É quase 10 vezes o de nações desenvolvidas, mas essa situação está mudando completamente;, observou Camargo, ex-integrante da equipe do governo Fernando Henrique Cardoso que combateu os efeitos do apagão em 2001.

E o aumento da renda é o fator que vem impulsionado a demanda. Um estudo da Fundação Getulio Vargas dá ideia do desafio energético do país: entre 2003 e 2008, pelo menos 26,9 milhões de brasileiros foram incorporados à classe média. Pinguelli ressaltou que, sem Belo Monte, o Brasil não terá como manter o crescimento da renda e atender a demanda.

E eu com isso
A construção de Belo Monte, terceira maior usina em capacidade hidrelétrica no mundo, é importante para assegurar o abastecimento de energia para os computadores, televisores e ares-condicionados das famílias. E também para que a indústria produza mais bens e serviços para os consumidores e, com isso, gere mais empregos. Sem pesados investimentos no setor agora, o país pode passar por apagões, como o ocorrido em 2001, durante o governo Fernando Henrique Cardoso.


[SAIBAMAIS]Protestos continuam
As manifestações contra a licitação da Usina Hidrelétrica de Belo Monte, que ganharam peso com a adesão do cineasta canadense James Cameron na semana passada, devem ter continuidade. Índios caiapós, jurunas, xicrins e araras prometeram construir uma aldeia multiétnica na área de 516 km2 destinada à formação do reservatório do empreendimento, no Rio Xingu (PA). O local, denominado Volta Grande do Xingu, fica em uma curva do rio onde foi projetada a barragem da hidrelétrica. O objetivo da ação é forçar uma negociação com o governo, que, segundo os índios, não está aberto ao diálogo.

;O Ibama e a própria Funai afirmam que na área do lago não tem índio. Vamos mostrar que tem, sim, e que eles correm risco de perder suas terras, o peixe, a caça e a floresta;, disse o cacique Luís Xipaia. Segundo ele, a paciência acabou. O cenário de confronto ganhou força após a constatação de que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva manteve a decisão de construir a usina, apesar da oposição das comunidades indígenas. Além das etnias paraenses, os protestos deverão contar com a adesão dos caiapós de Mato Grosso. No estado, os caciques Raoni e Megaron prometeram ceder 100 índios para ajudar na ;ocupação pacífica; do lago de Belo Monte.

A ocupação indígena de outra área da usina, o canteiro onde serão erguidas as turbinas, é mais difícil de acontecer, segundo admitem os próprios índios. O governo poderá enviar reforço policial de Brasília para resguardar as instalações da Eletronorte, em Altamira. Procurada, a direção da Fundação Nacional do Índio (Funai) não se manifestou sobre a decisão tomada pelos povos do Xingu.

Tags

Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação