postado em 20/04/2010 07:29
Depois de muita polêmica e desentendimento interno, o governo decidiu enquadrar o setor de cartões de crédito, que lidera o ranking de reclamações dos consumidores. Entre esta semana e o início da próxima, deve ficar pronto parecer da Secretaria de Direito Econômico (SDE), vinculada ao Ministério da Justiça, sobre o assunto. O relatório detalha os abusos cometidos pelas operadoras na relação com o cliente. Há relatos de pessoas que tiveram seu nome protestado nos órgãos de restrição de crédito porque não pagaram a fatura de um cartão que nem sequer haviam pedido.Um caso mais grave foi constatado no pagamento parcelado. De posse de dados obtidos com os Procons de 23 estados e do Distrito Federal, servidores da SDE perceberam que uma instituição bancária cobrava tarifa pela transação livre de juros, o que é ilegal. ;O consumidor vai fazer uma compra em três vezes ou até em seis vezes sem juros e acaba pagando algum encargo. É uma prática que, aparentemente, se revela absurda. Vamos agir para coibir isso;, avisou o diretor do Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor, Ricardo Morishita.
![Morishita, do DPDC: empresas praticam absurdos, como a cobrança de juros disfarçados e protestos indevidos](https://imgsapp2.correiobraziliense.com.br/app/noticia_127983242361/2010/04/20/187367/20100420074416262198a.jpg)
O número preocupou o governo de tal forma que a decisão de fechar o cerco às empresas que agem irregularmente partiu do próprio presidente Luiz Inácio Lula da Silva. ;Ainda bem que o ministro Luiz Paulo Barreto (da Justiça) levou essa questão adiante, e ela, enfim, chegou à mesa do presidente Lula;, disse Morishita. Temendo que os cerca de 30 milhões de brasileiros que ingressaram na Classe C nos últimos anos deixassem de consumir para pagar tarifas de cartões de crédito, o presidente Lula determinou que a SDE agisse para conter os abusos. ;Não podemos deixar que a pessoa receba com uma mão e perca com a outra.;
Leniência
Conforme Morishita adiantou ao Correio, a SDE vai enviar nos próximos dias um relatório detalhado dos abusos cometidos pelas empresas de cartões de crédito ao Banco Central (BC) e ao Ministério Público Federal (MPF). A ideia é que a autoridade monetária discipline a cobrança de tarifas, assim como fez com os bancos. O esboço desse trabalho resultaria em uma resolução do Conselho Monetário Nacional (CMN). ;O BC já fez isso no caso das tarifas bancárias. Não vejo por que não fazer também para o setor de cartões de crédito;, propôs. Ele evita falar no assunto, mas fontes da Justiça reclamam que o BC é leniente com o setor, a ponto de ter afastado o técnico José Antônio Marciano, que defendia ações mais duras contra bancos e operadoras.
Para os representantes do segmento, a casa já está em ordem. ;Existe por parte da indústria (de cartões) uma autorregulação, em vigor desde janeiro de 2009, na qual, de forma exaustiva, são tratados os direitos dos consumidores;, assinalou nota da Associação Brasileira das Empresas de Cartões de Crédito e Serviços (Abecs) divulgada ontem. ;Nosso Código de Ética prevê a aplicação de penalidades aos emissores que atuarem em desconformidade às normas ali prescritas.; A avaliação do DPDC é que a fiscalização feita pelas empresas, hoje, é ineficaz. ;A autorregulação não tem mostrado efetividade. Se tivesse mostrado, o número de reclamações ao setor não seria tão grande quanto foi nos últimos anos;, atacou Morishita.
1 - Ranking
O Cadastro Nacional de Reclamações Fundamentadas funciona como um mapa do mau serviço prestado ao consumidor. Em 2009, os setores que lideraram o ranking de queixas foram os de telefonia fixa e móvel, TV por assinatura e internet. Ao todo, foram registrados cerca de 714 mil atendimentos, dos quais 104 mil resultaram em reclamações formais. Desse montante, 70% chegaram a ser atendidas e 30% não.
SDE multa empresas
As empresas que maltrataram o consumidor e que abusaram da concorrência desleal tiveram de arcar com multas altas em 2009. Relatório de atividades publicado ontem pela Secretaria de Direito Econômico (SDE) mostra que o valor das sanções aplicadas no ano passado chegou a R$ 23 milhões. Ao todo, houve decisão em 50 processos administrativos: nove foram arquivados e 41 resultaram em condenações.
A fiscalização forte de Procons em todo o Brasil ajudou a secretaria a identificar casos de irregularidades praticadas contra o consumidor. Na maioria das vezes, são situações em que o cliente acaba prejudicado em razão de um serviço mal prestado. Essas reclamações permitiram à secretaria instaurar 32 processos administrativos em 2009.
Internacional
O Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor (DPDC), que trata das práticas lesivas ao cidadão, e o Departamento de Proteção e Defesa Econômica (DPDE) coordenaram as ações da SDE na área. O DPDE se concentra em combater a formação de cartéis. No ano passado, a unidade aprofundou as investigações e punições de condutas anticompetitivas e lesivas e realizou a primeira operação internacional de busca e apreensão, em conjunto com autoridades dos Estados Unidos e Europa. (DB)