Economia

Apesar da legislação proibir, empresas cobram tarifa por emissão de boleto

Vera Batista
postado em 23/04/2010 08:18

A cobrança de tarifa por emissão de boleto bancário(1) é proibida por lei. Apesar da farta legislação contrária ; Constituição Federal, Código de Defesa do Consumidor e até resolução do Banco Central ;, as instituições financeiras continuam desobedecendo a todas as determinações. Não só elas. Respeitáveis representantes do cidadão, como a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), também. Em caso recente, a Caixa Econômica Federal cometeu uma séria irregularidade em Goiás. Foi repreendida pelo Ministério Público Federal (MPF) e alvo de protesto dos advogados locais. A briga com as instituições financeiras já foi parar no Superior Tribunal de Justiça (STJ).

Desde 2002, quando a Federação dos Bancos do Brasil (Febraban) suspendeu a taxa, até o Ministério da Justiça interferiu a favor do cliente. Mas essas decisões não impediram que a cobrança por um simples pedaço de papel continuasse com valores exorbitantes, chegando a R$ 10 em alguns casos.

Cada lado interpreta a mesma lei de forma diferente. A procuradora Mariane Guimarães, do MPF de Goiás, entendeu que "a cobrança dos bancos pelo boleto é uma dupla remuneração pelo mesmo serviço prestado". O advogado Enil Henrique de Souza Filho, tesoureiro da OAB de Goiás, avaliou que o BC vetou a cobrança de forma geral, sem definir se seria para pessoa física ou jurídica. A Caixa garantiu que cobra apenas o que consta do boleto. Resultado: o BC informou que abriu investigação sobre o caso.

A ocorrência ganhou vulto quando a procuradora federal Mariane Guimarães expediu recomendação à Caixa e à OAB, obrigando a suspensão da emissão dos boletos, para impedir a cobrança. No caso, se todos os 100 associados da ordem pagarem os R$ 3,30 por ficha sobre cada uma das 11 parcelas, serão R$ 3.630 pagos além da anuidade devida. O MPF determinou a devolução dos valores. No documento, explicou que ;os bancos já são remunerados pela tarifa interbancária para emissão de boletos;. E quando cobraram do cliente para executar o serviço, receberam duas vezes pelo mesmo procedimento.

Precedente


Em fevereiro, atendendo a ação civil pública no Maranhão, o STJ decidiu contra a cobrança pelo boleto, abarcando, na sentença, os bancos Real, Bandeirantes, HSBC, Banco de Crédito Nacional, Banco do Estado do Maranhão, Banco Rural e Banco do Nordeste do Brasil. A determinação, entretanto, teve alcance estadual. A motorista Alexandra Mariano Rodrigues da Silva, do Distrito Federal, por exemplo, já pagou quase R$ 140 só de taxa de boleto deste 2007, quando comprou uma van escolar em 48 prestações. Moradora do Cruzeiro Novo, ela reclama do dinheiro que tem que gastar com o documento: R$ 3,40 por mês. "Poderia ser usado para coisas mais úteis. Comprei o carro de outra pessoa e, ao passar para o meu nome, não imprimiram novo boleto. Continuo pagando o antigo", contou.

O advogado Rodrigo Daniel dos Santos, consultor jurídico do Instituto Brasileiro de Estudo e Defesa das Relações de Consumo (Ibedec), já defendeu mais de 20 milhões de consumidores contra grandes bancos, como HSBC, Itaú e a Financeira Celeten. Ele admitiu, no entanto, que pode haver uma brecha legal na discussão. "O custo da tarifa pode ser paga pela empresa e não pelo consumidor. A companhia é obrigada a informar o custo efetivo total . Tem que estar no contrato. A transferência é que é ilegal", disse. No caso da OAB de Goiás, Santos acredita que a ordem poderia ter permitido o pagamento em sua sede sem a taxa. "O banco receberia o que estivesse no documento."

Postagem


O tesoureiro da ordem goiana explicou que a taxa e o custo da postagem para o envio do boleto estão previstos no orçamento e no estatuto da entidade. Segundo ele, trata-se de um diferencial para o inscrito. "Para evitar que ele se desloque e ainda precise apresentar o comprovante do depósito", justificou Souza Filho. Mas admitiu que não pode haver ônus. "Anuidade não é um serviço, não existe relação de consumo. A ordem não tem interesse nessa receita. Se está proibido pelo Banco Central, a Caixa não poderia cobrar nem da OAB nem do inscrito." A OAB de Goiás ameaça pressionar a Caixa a retirar de lá todas as suas transações.

Em comunicado, o banco federal informou que responderá ao MPF e esclareceu que o serviço de cobrança bancária é caracterizado como um "especial". Disse ainda que não cobra do consumidor qualquer tipo de taxa. O Banco Central invocou a Resolução 3.518/2007, que proíbe a cobrança, e alertou que é preciso verificar se o relacionamento é entre o banco e o cliente ou entre o banco e a OAB. Por isso, está analisando as providências, "não cabendo, no momento, manifestação pública sobre o caso específico".

1 - Em toda a rede
Essa forma de pagamento é adotada por boa parte das empresas. É mais prática porque permite ao consumidor efetuar o pagamento com facilidade em toda a rede bancária, diretamente nos caixas ou nos terminais automáticos.

O que diz a lei

Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/1990)

Art. 6; ; São direitos básicos do consumidor:
(;) IV ; a proteção contra a publicidade enganosa e abusiva, métodos comerciais coercitivos ou desleais, bem como contra práticas e cláusulas abusivas ou impostas no fornecimento de produtos ou serviços;

Art. 39 ; É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas:
(;) V ; exigir do consumidor vantagem manifestamente excessiva;

Art. 51 ; São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:
(;) IV ; estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa fé ou a equidade;
(;) XV ; estejam em desacordo com o sistema de proteção ao consumidor;

Regras específicas


No Distrito Federal, além do Código de Defesa do Consumidor, a Lei n; 4.083/2008 proíbe a exigência de pagamento pela emissão de boleto bancário por parte de imobiliárias, escolas, academias, clubes, condomínios e prestadoras dos serviços de energia, água e telefonia. Na Câmara Federal, tramita o Projeto de Lei n; 3574/2008, do senador Gerson Camata (PMDB-ES), que proíbe a cobrança pela emissão de carnê de pagamento ou ficha de cobrança. O Banco Central, pela Resolução 3518/2007, proíbe a cobrança de tarifa por entender que ela não se enquadra como serviço prestado.

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