Economia

Acordo fechado entre FMI, União Europeia e Grécia prevê ajuda de 120 bilhões de euros e muita austeridade

Vânia Cristino/ Especial Estado de Minas
postado em 03/05/2010 08:48
O Fundo Monetário Internacional (FMI) mudou seu modo de operar, mas não a receita para tirar países da crise. O pacote fechado ontem entre o FMI, a União Europeia e a Grécia para que o país tenha acesso a uma ajuda financeira de 120 bilhões de euros ( US$ 160 bilhões) durante os próximos três anos exigirá grandes sacrifícios da população, admitiu o primeiro-ministro, George Papandreou. O ministro das Finanças, George Papaconstantinou disse que o país estava sendo chamado a fazer uma escolha. ;A escolha entre o colapso e a salvação;, frisou.

A Grécia não tem mesmo como sair do buraco sozinha. Com um deficit orçamentário da ordem de 13,6% do Produto Interno Bruto (PIB) no ano passado e uma dívida externa em torno de 300 bilhões de euros (US$ 400 bilhões), o país se viu sem dinheiro para cumprir os compromissos que vencem este mês. Em outras palavras, está quebrado. Não vai ser fácil para o governo conseguir o apoio da população que saiu às ruas, no Dia do Trabalho, para protestar violentamente contra o acordo.

Para receber o dinheiro, a Grécia terá que seguir, item a item, uma extensa cartilha (ver quadro). Primeiro, o país terá que promover um corte orçamentário gigantesco para trazer o deficit para um patamar inferior a 3% do PIB até 2014. Os impostos serão elevados em 10% para produtos como álcool, cigarros e gasolina. Também subirá a tributação sobre artigos de luxo e jogos de azar.

Mexendo no bolso
Os trabalhadores arcarão com boa parcela do ajuste. Os salários e as aposentadorias do setor público serão congelados nesses três anos, enquanto um fundo criado pela União Europeia e pelo FMI ajudará os bancos gregos. Os trabalhadores do setor público também perderão suas bonificações, equivalentes a dois meses de pagamento acima do salário usual nos 12 meses do ano. Essa gratificação será substituída por um pagamento de mil euros por ano, válida somente para os empregados com salário bruto inferior a 3 mil euros mensais.

No setor privado os bônus não serão cortados, mas os salários serão igualmente congelados por três anos. O mercado de trabalho será flexibilizado, com os empregadores tendo mais facilidade para demitir. Todos os aposentados, tanto do setor público quanto do privado, perderão suas bonificações salariais, se suas aposentadorias ultrapassarem 2.500 euros por mês. E a previdência passará por reforma.

A ajuda à Grécia encontra resistência entre seus principais parceiros, que são os 16 países da zona do euro. Apesar dos esforços do FMI para uma solução rápida, muitos países, especialmente a Alemanha, estavam reticentes.

Do total do pacote, o FMI entrará com um terço, ficando dois terços para zona do euro. Para o dinheiro sair, no entanto, será preciso passar pelo crivo do parlamento de vários países, inclusive pelo grego. Em comunicado, o presidente da Comissão Europeia, José Manuel Durão Barroso, recomendou que a Europa ative a ajuda e classificou o socorro como ;sólido e de credibilidade.; O primeiro-ministro de Luxemburgo, Jean Claude Junker, convocou uma reunião de cúpula extraordinária dos líderes da zona do euro para o dia 7 de maio, quando o dinheiro deve estar à disposição dos gregos.

Linha do tempo

16 de dezembro 2009

; Agência de análise de risco Standard and Poor;s rebaixa avaliação da dívida grega pela primeira vez.

23 de dezembro 2009
; Parlamento grego aprova orçamento para 2010 com meta de reduzir o deficit orçamentário de 12,7% para 9,1% do PIB.

24 de dezembro 2009
; Grécia admite precisar de US$ 77,5 bilhões em empréstimos para cobrir deficit fiscal e refinanciar as dívidas.

2 de fevereiro 2010
; O primeiro-ministro grego, Georges Papandreou, apresenta à União Europeia um plano de três anos para combater o deficit.

16 de março 2010
; Zona do euro fecha acordo para socorro financeiro de 25 bilhões de euros, apesar da forte resistência da Alemanha.

9 de abril
; A agência de classificação de risco Fitch Ratings rebaixa a nota da dívida grega

22 de abril
; Começam as negociações do pacote de socorro à Grécia de até 30 bilhões de euros em empréstimos bilaterais.

23 de abril de 2010
; Servidores públicos entram em greve por 24 horas contra as medidas de austeridade.

1 de maio 2010
; No Dia Internacional do Trabalho, manifestantes entram em confronto com a polícia.

2 de maio 2010
; Cúpula da União Europeia e do FMI anunciam detalhes do pacote de ajuda à Grécia

Desembrulhando o pacote

; O acordo fechado pela Grécia com a União Europeia e o Fundo Monetário Internacional (FMI) abre as portas para que o país receba empréstimos que totalizam 120 bilhões (US$ 160 bilhões) de euros em três anos. Para isso, o país assumiu uma série de compromissos para pôr as finanças públicas em ordem.

Conheça as medidas

; Corte no orçamento de 30 bilhões de euros (US$ 40 bilhões) até 2013

; Redução do déficit orçamentário para menos de 3% do Produto Interno Bruto (PIB) até 2014. No ano passado foi de 13,6%.

; Auditorias trimestrais para garantir a liberação dos recursos

; Congelamento de salários e aposentadorias de funcionários públicos por pelo menos três anos

; Subsídios para férias de funcionários públicos limitados a 1 mil euros (US$ 1,3 mil) e cancelados para aqueles com vencimentos brutos mensais superiores a 3 mil euros (US$ 3,9 mil)

; Novo de sistema de previdência impõe idade mínima de 60 anos para aposentadoria. Mulheres que trabalham no sistema público terão a idade de aposentadoria igualada a dos homens a partir de 2011

; Bônus para pensionistas limitados a 800 euros (cerca de US$ 1 mil) e cancelados para os que recebem mais de 2,5 mil euros (US$ 3,3 mil)

; Empregadores do setor privado poderão demitir com menos burocracia e pagar uma indenização menor

; Aumento de 10% nos impostos indiretos sobre combustíveis, álcool e tabaco

; Elevação de impostos para artigos de luxo e criação de nova taxa sobre jogos de azar


Medo agora é de contágio

Depois da Grécia, agora Portugal e Espanha são a bola da vez. E foi o medo do contágio para outras economias da União Europeia que está fazendo o pacote de ajuda aos gregos avançar. Na semana de intensas reuniões para fechar o socorro financeiro, a Europa levou um novo susto pelo rebaixamento da Espanha pelas agências de rating. Esse país teve sua nota de risco de crédito rebaixada de AA para AA pela Standard & Poor;s, um dia depois de Grécia e Portugal também terem sido rebaixados.

Apesar de a Espanha ainda figurar entre os países considerados bons pagadores, com grau de investimento, a agência considerou que o país ;deve passar por um período longo de crescimento menor, o que enfraquece seu orçamento;, e cogita rebaixar ainda mais sua nota. O governo espanhol pediu calma aos mercados e confiança à população.

;Temos um plano muito sério de consolidação fiscal e corte do deficit público. Adotamos um programa de austeridade, implementamos uma reforma do mercado de trabalho;, disse a vice-primeira-ministra, Maria Teresa de La Vega. Já o primeiro ministro português, José Sócrates, se apressou em demonstrar que seu país não é a Grécia e anunciou que está pronto a adotar medidas para conter a crise. ;Estamos vivendo um ataque sem fundamento ao euro e à dívida soberana portuguesa. Vamos mostrar ao mercado que Portugal cumpre os seus compromissos;, afirmou ele em comunicado.

Portugal foi um dos países mais atingidos nos últimos dias pelo impacto do agravamento da crise grega. Somente nos dois primeiros dias da semana passada, a bolsa de valores portuguesa registrou uma queda de 8,7% ; um sinal da insegurança dos investidores.

A queda refletiu o anúncio do rebaixamento do rating da dívida pública portuguesa pela Standard & Poor;s. Portugal saiu de A para A-, sem passar pelo A, pela primeira vez na história. Com o corte, o país fica em penúltimo lugar da Europa, acima apenas da Grécia, que tem o rating quatro níveis mais baixo que o português e é considerada incapaz de pagar suas dívidas. (VC)

E EU COM ISSO
Embora a crise seja na Europa, o resto do mundo está se ressentindo. E com razão. Investidores espalhados por todo o planeta temem que a Grécia não seja capaz de honrar seus compromissos. Se isso acontecer, eles passarão a exigir remuneração cada vez mais alta para emprestar a outros países ; Brasil incluído. Com isso, a taxa de juros vai subir em todos os mercados, chegando, em última instância, ao bolso do brasileiro via sistema bancário, que também subirá o custo de seus empréstimos. Mas agora que o pacote de ajuda foi finalizado e o dinheiro ficará disponível para a Grécia cumprir com suas obrigações, analistas de diversas nacionalidades acreditam que a calma retornará ao mercado financeiro. Isso se outros países europeus, como Portugal e Espanha, não passarem por problemas semelhantes. Se isso acontecer, o crescimento econômico mundial, recém-iniciado, pode ficar comprometido e afetar a recuperação do mercado de trabalho.

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