Economia

Sem âncora fiscal, o euro pode ir a US$ 1

Moeda europeia cai ao menor nível em quatro anos. Analistas não descartam tombo maior nas próximas semanas se os países que usam a divisa não adotarem medidas mais consistentes para arrumar suas finanças. Temor é que a Alemanha abandone o bloco

Marcone Gonçalves
postado em 18/05/2010 07:00
Apesar de todos os esforços empreendidos pelos países que integram a Zona do Euro para dar um choque de credibilidade nos mercados financeiros e conter o derretimento da moeda comum, especialistas já admitem a possibilidade de o euro ser cotado a US$ 1 nas próximas semanas. Essa hipótese está no radar, principalmente, dos grandes fundos de investimentos, justamente os que são acusados pelos governantes europeus de comandarem um ataque especulativo contra a divisa. Ontem, o euro caiu ao nível mais baixo dos últimos quatro anos ; US$ 1,223 ;, mas acabou voltando para US$ 1,239 ao fim do dia. Na avaliação dos analistas, o suporte da moeda está entre US$ 1,215 e US$ 1,220. Se furar esse piso, certamente seguirá ladeira abaixo.

Moeda europeia cai ao menor nível em quatro anos. Analistas não descartam tombo maior nas próximas semanas se os países que usam a divisa não adotarem medidas mais consistentes para arrumar suas finanças. Temor é que a Alemanha abandone o blocoOs economistas destacam que a manutenção do euro acima da paridade com o dólar dependerá da capacidade de reação dos governantes. ;Tudo indica que estamos no olho do furacão;, afirmou Bertrand Delgado, economista da Roubini Global Economics (RGE), primeira consultoria a prever o estouro da bolha imobiliária americana e suas repercussões sobre a economia mundial. Para ele, há chances de a moeda comum cair para US$ 1,18 e se manter neste patamar nos próximos meses.

Ele lembrou que a perda de valor do euro está associada à desconfiança quanto à capacidade de os países atolados em dívidas e com deficits fiscais monstruosos arrumarem as suas finanças antes de optarem pelo calote. A lista é encabeçada pela Grécia, por Portugal e pela Espanha, que devem ficar com a maior parte do socorro conjunto dado pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) e pela União Europeia. Somente a economia grega receberá uma injeção de 110 bilhões de euros. Outros 750 bilhões serão rateados com os demais países.

Debandada
Como essa montanha de dinheiro é considerada insuficiente para cobrir o rombo cavado por anos de administrações ineficientes e perdulárias, a pressão por mais ajuda deverá aumentar. É nesse contexto que entra o principal temor do mercado: o de que a Alemanha, a maior economia da Zona do Euro e a principal patrocinadora do socorro a Grécia e companhia, acabe deixando o bloco, diante das cobranças populares cada vez maiores. Os alemães não se conformam em pagar impostos tão elevados e boa parte do dinheiro ser usada para tapar buracos cavados por governos perdulários na Grécia, em Portugal e na Espanha. ;O que se vê na Europa é o mesmo que se viu no Brasil em 1999. O país quebrou por falta de uma âncora fiscal. Ou a Europa faz um grande ajuste conjunto das contas públicas, ou a região ruirá;, disse um analista.

Mas, mesmo que haja sucesso no arrocho fiscal, essa política terá efeitos colaterais, como um tombo na atividade em toda a Zona do Euro. E o nível mais baixo de crescimento da União Europeia, maior parceiro comercial dos Estados Unidos, será suficiente para afetar, em cadeia, a economia mundial. ;Consideramos que a economia global vai se desacelerar no segundo semestre deste ano e também ao longo de 2011, mas não chegaremos a enfrentar uma recessão;, Delgado.

Mais otimista, Robert Wood, analista sênior da Economist Intelligence Unit (EIU), braço da revista The Economist, acredita que o crescimento da Ásia, associado à recuperação dos EUA, será suficiente para compensar o desempenho mais fraco da Zona do Euro, com avanço de apenas 0,8% neste ano. ;É muito cedo para achar que pode haver um choque de confiança na Europa como ocorreu com o Lehman Brothers (banco americano que acendeu o estopim da bolha imobiliária);, afirmou . ;A Alemanha e a França têm um forte apego ao projeto do Euro, o que afasta a possibilidade de saída da Grécia ou de qualquer outro país da Zona do Euro;, emendou.

; Risco de o crédito secar

Os excelentes indicadores econômicos apresentados pelo Brasil não impedirão o país de ser afetado pela crise europeia. ;A impressão que se tem no Brasil é de que todo mundo está em uma festa, não se dando conta do que acontece fora de lá. A ficha só cairá quando a polícia chegar e puser fim à folia;, disse um gestor de um grande fundo de investimentos.

Para ele, a polícia será a retração do crédito externo, principalmente das linhas oriundas dos bancos europeus, que, em dificuldades, terão que botar o pé no freio em operações além da Europa. E mais: a tendência é de que essas instituições passem a sugar o máximo de suas filiais brasileiras, muito rentáveis, transferindo lucros e dividendos para as matrizes. Da totalidade dos ativos que os bancos europeus têm fora dos países de origem, quase 50% estão no Brasil.

Para os analistas, será a repetição do que se viu no fim de 2008 e início de 2009, auge da crise detonada pelo estouro da bolha imobiliária dos Estados Unidos. Além de botarem o pé no freio nas linhas de crédito, as instituições estrangeiras como um todo (não só os europeus) enviaram o que puderam de lucros para os países de origem.

Dados do Banco Central mostram que, em relação à oferta de crédito, esses bancos ainda não recuperaram o ritmo. Enquanto a oferta de recursos pelas instituições públicas aumentou 29% nos últimos 12 meses e a dos bancos nacionais cresceu 13%, entre os estrangeiros o avanço foi de apenas 1,3%. O BC mostra ainda que as instituições de fora transferiram, apenas nos três primeiros meses deste ano, US$ 1 bilhão às matrizes, ante US$ 1,5 bilhão de todo o ano de 2009. Procurados pelo Correio, os bancos espanhol Santander e o inglês HSBC, os maiores estrangeiros em operação no país, não se pronunciaram.

Fatura maior
Os especialistas não cansam de ressaltar sobre os custos cada vez mais elevados da crises mundiais. O economista Nouriel Roubini, da Universidade de Nova York, lembrou que, quando o Sudeste Asiático ruiu, o socorro do FMI à Coreia do Sul chegou a US$ 10 bilhões. No ano seguinte, o Brasil recebeu ajuda de US$ 41,5 bilhões. Dez anos depois, com o estouro da bolha imobiliária dos Estados Unidos, o governo daquele país foi obrigado a injetar US$ 700 bilhões no sistema financeiro para conter uma quebra em cascata dos bancos. Há pouco mais de uma semana, o Fundo e a União Europeia anunciaram ajuda de US$ 1,06 trilhão aos países da Zona do Euro em dificuldade.

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