A decisão da Alemanha de limitar operações especulativas em seu mercado financeiro, proibindo vendas a descoberto (1) de ações e títulos, provocou um racha na Europa e críticas de lideranças ao redor do mundo. A questão é que o governo surpreendeu seus parceiros ao não consultá-los sobre a medida, provocando um mal-estar nos países europeus. Enquanto Portugal, que já havia adotado essa mesma restrição em 2008, reiterava sua postura, em apoio à posição alemã, França e Estados Unidos criticavam o mecanismo. Já a Itália disse que não adotaria essa proibição no momento, mas estava acompanhando o desenrolar dos fatos. Em meio às divergências, o euro subiu e se afastou da mínima em quatro anos frente ao dólar, com os investidores apostando que o Banco Central Europeu terá que agir para dar suporte à divisa. A moeda fechou cotada a US$ 1,2406, com alta de 1,85%, contra US$ 1,2180 da véspera.
Depois que a chanceler Angela Merkel anunciou seu plano para banir os especuladores da tribuna do congresso alemão, as repercussões não pararam mais. Dos Estados Unidos, o secretário do Tesouro, Timothy Geithner, deu o seu recado (leia mais nesta página). A vizinha França, em seguida, também se posicionou, se colocando em lado oposto ao da Alemanha. Em declaração dura, o diretor do órgão regulador dos mercados financeiros da França AMF, Jean-Pierre Jouyet, criticou o país pela decisão unilateral e afirmou que o movimento pode enfraquecer o euro. Para ele, a Alemanha tomou a medida por motivos políticos domésticos e que a França não a seguirá. ;O euro é uma moeda que não pode ser negligenciada e não está em perigo. Não estará em perigo enquanto houver governança ordenada e, portanto, qualquer confusão ajudará a enfraquecer o euro, mais do que fortalecer;, afirmou.
Panos quentes
No meio do tiroteio entre Alemanha e França, Portugal aproveitou para reforçar sua posição contrária à especulação. A Comissão de Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) desse país reafirmou sua proibição de vendas a descoberto de ações e de outros instrumentos financeiros impostos em 2008, e disse que fortalecerá as regras de comunicação para operações no mercado nas próximas semanas. Já a Itália preferiu ficar neutra. O órgão regulador do mercado italiano, Consob, informou que não irá seguir, ;por enquanto;, a decisão da Alemanha, mas acrescentou estar monitorando a situação de perto.
Em reação ao plano alemão, o presidente da União Europeia, Herman van Rompuy, disse que levará a questão para a reunião dos ministros das Finanças da região, na sexta-feira. ;Não vou comentar uma decisão de um supervisor nacional. Eu quero salientar que quando os chefes de Estado da Zona do Euro se reuniram em 2 de maio, eles concordaram que devíamos acelerar o trabalho de avaliar se mais medidas eram necessárias face à recente especulação contra os devedores soberanos;, afirmou Van Rompuy. ;Uma cooperação na UE em todas as questões que têm um forte impacto de mercado é muito importante e precisa ser fortalecida. Eu pretendo levantar essa questão na reunião de força tarefa que irei presidir nesta sexta-feira.;
Já a Comissão Europeia, o braço executivo do bloco, se manifestou dizendo que a medida alemã seria mais eficaz se fosse coordenada com a União Europeia. ;Nós entendemos totalmente porque os alemães tomaram sua decisão;, disse a porta-voz da Comissão Europeia para mercados internos, Chantal Hughes. ;Nós acreditamos que a ação seria mais eficaz se coordenada em nível europeu;, acrescentou.
A chanceler alemã, Angela Merkel, fez uma defesa contundente de seu pacote de medidas anti-especuladores. ;Todos nós aqui podemos sentir que a atual crise do euro é o maior desafio que a Europa enfrenta em décadas;, disse ela. ;Esse desafio é existencial... O euro é a fundação para o crescimento e a prosperidade, junto ao mercado comum ; também para a Alemanha. O euro está em perigo. Se não lidarmos com esse perigo, as consequências para nós na Europa serão incalculáveis;. E pediu uma ação rápida para interromper a ;extorsão; do mercado.
(1) Aposta na queda
Esse tipo de operação acontece quando o negociador vende um contrato futuro de um ativo ; ação, moeda, título etc ; sem possuí-lo, apostando na queda do valor para lucrar na transação no dia do vencimento. Isto porque, se o investidor pode comprar mais barato no mercado, não irá exercer seu direito de exigir a entrega do ativo pagando um preço superior ao que encontra nas transações à vista.
Lula critica demora
Sem deixar de lado o tom ufanista, alardeando a ;forma eficaz; com que o Brasil foi conduzido no auge da crise provocada pelo estouro da bolha imobiliária americana, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva não poupou, em Madri, críticas à União Europeia, que vem batendo cabeça na tentativa de salvar o euro. Um dia depois de se encontrar com os chefe de governos da Grécia, George Papandreou, e da Espanha, José Luis Zapatero, Lula questionou a falta de controle sobre o sistema financeiro internacional e levantou dúvidas sobre a capacidade decisória do G-20, o grupo das vinte nações mais ricas do mundo.
Ele também disparou contra a demora da Alemanha em agir para reverter as turbulências oriundas da forte deterioração fiscal da Zona Euro. ;Alguém poderia me responder por que a Alemanha demorou tanto tempo para ajudar a Grécia? Como pode a Europa tão poderosa demorar três meses para resolver o problema da Grécia?;, indagou. E ele mesmo respondeu: ;É porque os países perderam o poder de fazer política monetária e estão dependendo de uma decisão coletiva, que de coletiva não tem nada. É quase que individual, porque quem tem mais dinheiro termina tomando a decisão;.
No Brasil, segundo Lula, em apenas três meses foram tomadas as medidas necessárias que evitaram uma recessão profunda no país.
GRÉCIA NEGA SAÍDA DA UE
Quando as operações no mercado financeiro começaram na Europa ontem, um disse-que-disse passou de mesa em mesa e tomou proporções suficientes a ponto de mexer com a cotação do euro: a Grécia estaria se preparando para abandonar a União Europeia. Imediatamente o humor dos investidores se modificou e a cotação passou a subir. Até que a Grécia veio a público para negar com veemência os rumores de mercado. ;Nós negamos categoricamente qualquer pensamento de deixar a União Europeia ou a Zona do Euro;, disse o porta-voz George Petalotis. Nesse meio tempo, o euro alcançou a cotação máxima do dia.
"Como pode a Europa tão poderosa demorar três meses para resolver o problema da Grécia?;
Luiz Inácio Lula da Silva, presidente
Bancos vencem Obama
A proposta de reforma do sistema financeiro enfrenta forte resistência nos Estados Unidos, embora seja um dos principais projetos do presidente Barack Obama. Ontem, porém, Obama sofreu uma derrota importante quando o Senado rejeitou, por apenas três votos, a proposta de encerrar os debates e a apresentação de emendas e partir logo para a votação das novas regras.
A derrota foi consequência de uma manobra do senador democrata Christopher Dodd, presidente do Comitê Bancário e autor do projeto, que rejeitou uma proposta do presidente da Comissão sobre a Regulamentação do Mercado de Swaps, o também democrata Blanche Lincoln. Esse projeto forçaria os bancos a se retirarem desse mercado, mudança a que Wall Street, que domina as operações de swaps, se opõe radicalmente. Diante disso, dois senadores democratas votaram pela continuidade dos debates.
O projeto de lei de regulamentação do presidente do Comitê Bancário do Senado propõe criar um serviço de proteção aos consumidores financeiros no Federal Reserve (o banco central norte-americano), rever as regras para os fundos de hedge e derivativos e criar um mecanismo de dissolução de empresas não financeiras cujo colapso poderia perturbar a economia. Durante a crise, o governo norte-americano precisou criar um fundo de socorro aos bancos no valor de US$ 700 bilhões.
Diante das mudanças na Alemanha, que luta contra os especuladores, o secretário do Tesouro norte-americano, Timothy Geithner, afirmou que o histórico de restringir operações como a decisão da Alemanha de banir vendas a descoberto de ativos ;não é bom;, e instou os líderes europeus a avançar com o pacote de ajuda e as reformas fiscais na região. Em entrevista à TV CNBC, Geithner negou ter tido conhecimento da decisão da Alemanha antes do anúncio. ;O histórico dessas coisas não é bom;, disse, sem mencionar especificamente as ações da Alemanha.
O número
US$ 700 bilhões
fundo de socorro aos bancos norte-americanos para enfrentar a crise