Economia

Com o colapso na Zona do Euro, cidadãos do bloco europeu enfrentam restrições

postado em 23/05/2010 11:36
Os países do bloco europeu terão que sacrificar a tradição secular de defesa da seguridade social a qualquer custo, simbolicamente representada pelo mito da criação de Roma, se quiserem equilibrar a situação fiscal e salvar a Zona do Euro. A lenda romana conta a história dos gêmeos Rômulo e Remo, que, abandonados, foram amamentados e protegidos por uma loba, mas também reflete as políticas de bem-estar social e gastos públicos elevados. Mal-financiadas, elas gestaram a atual crise europeia.

A violência dos protestos ocorridos nas últimas semanas na Grécia deixa clara a dificuldade que a Zona do Euro terá de enfrentar para aplicar efetivamente as medidas anunciadas, como diminuição e congelamento de salários de servidores públicos e aposentados, aumento de impostos e taxação de patrimônios elevados. Apesar de amargo, esse parece ser o único remédio que a Europa poderá tomar para superar a crise. Segundo o professor de macroeconomia da Fundação Getúlio Vargas (FGV) Robson Gonçalves, a redução de benefícios sempre gera oposição de determinados setores da sociedade. ;Se a resistência fica concentrada naqueles que serão diretamente afetados pelas medidas, é razoável que se faça o corte;, pondera.

Para receber o socorro do Fundo Monetário Internacional (FMI) e dos demais países da Zona do Euro, no valor total de 110 bilhões de euros, a Grécia se comprometeu a congelar reajustes de aposentados e reduzir em 30% as gratificações pagas aos servidores públicos no Natal, Páscoa e férias de verão (em agosto). Na esteira grega, vieram também Portugal, Espanha, Reino Unido, Alemanha e Itália, que também anunciaram fortes ajustes. ;O cobertor é sempre curto e erros passados aumentam essa escassez de recursos. A retirada dos benefícios sociais não é positiva, mas é necessária no contexto desses países;, avalia Gonçalves.

Apesar de considerar um caminho ;doloroso, mas que deve ser seguido;, o estrategista-chefe do Banco WestLB no Brasil, Roberto Padovani, ressalta que a redução de benefícios não significa desamparo às questões sociais. ;Só quer dizer que, diferentemente do ano passado, a política fiscal não vai empurrar a economia;, afirma.

A efetividade dos ajustes nas economias dependerá ainda da capacidade de recuperação dos países europeus, especialmente a Grécia, segundo avaliação do ex-diretor da Área Externa do Banco Central, Carlos Eduardo de Freitas. ;Não adianta tentar implantar um plano de refinanciamento da dívida grega se não houver condições de cumprir. Senão, você promove uma revolução, mas nada é resolvido;, acredita.

Lição de casa
No Brasil, o discurso paternalista de preservar a população mais vulnerável ganhou força com o governo Lula, impulsionado em grande parte pelo entusiasmo do próprio presidente e pela aplicação de programas como o Bolsa Família. Para evitar, entretanto, que o país acabe no mesmo beco que os países europeus, Freitas lembra que o governo não pode descuidar da responsabilidade fiscal. ;Tem que manter a dívida líquida entre 40% e 50% do Produto Interno Bruto (PIB), de preferência mais próximo de 40% e não deixar que o deficit nominal cresça acima de 3% (do PIB);, recomenda.

Para Padovani, o aumento de gastos com políticas sociais é bem-vindo: ;Gasto social é bom, ativa a economia;. O estrategista ressalta que o principal problema brasileiro é a folha de pagamento do setor público. ;É muito cara e não há nada a ser feito no curto prazo, mas o país precisa construir instituições fiscais que permitam reduzir o gasto público ao longo do tempo, sem depender do humor do governo que estiver como gestor;, sugere.


Mundo aguarda a chegada da fatura

Mais do que a insatisfação dos próprios cidadãos europeus com os ajustes impostos por alguns governos da região, a União Europeia deve continuar amargando a desvalorização de sua moeda, processo que vai se refletir na economia de outros países fora do bloco. O aumento da competitividade dos produtos do Velho Mundo no mercado internacional, impulsionado pelas baixas cotações do euro, será uma das consequências mais imediatas, prejudicando as exportações de países em desenvolvimento.

O economista-chefe da Ativa Corretora, Arthur Carvalho Filho, acredita, no entanto, que os reflexos serão diferentes na China e no Brasil, por exemplo. ;Nossas exportações para a Europa são muito voltadas para os produtos básicos. Os europeus não vão poder reduzir muito as compras. A China, que vende uma quantidade maior de bens de consumo, vai sofrer mais;, avalia.

Apesar de não sentir tanto a queda das exportações, o Brasil pode observar uma redução temporária na entrada de capitais, seja de curto ou de longo prazo, o que deve valorizar o dólar em relação ao real. A avaliação consta de um relatório do economista-chefe da MB Associados, Sergio Vale. Ele acredita que a incerteza do mundo em relação à capacidade da Grécia de realizar os ajustes fiscais anunciados deve manter as oscilações do mercado e, consequentemente, diminuir a disposição do investidor de vir para o Brasil.

Mesmo entre os países da União Europeia, alguns serão mais afetados do que outros, segundo Carvalho Filho. ;O euro vai continuar fraco, mas essa desvalorização não será suficiente para beneficiar a Grécia, por exemplo. Vai ajudar a Alemanha, que já é competitiva, exporta bens de capital e maquinário;, explica. Segundo ele, para os países do sul da Europa (Grécia, Itália, Portugal), não há outra solução a não ser enfrentar uma longa recessão.

Deflação nos EUA
Com o euro cada vez mais próximo do dólar, as importações de produtos europeus pelos Estados Unidos devem crescer, o que aumenta o risco de deflação no país e derruba o argumento do governo americano para uma eventual subida dos juros básicos. A moeda europeia encerrou a semana valendo US$ 1,257, numa alta de 0,86% sobre a cotação do dia anterior. ;Enquanto os europeus não se acertarem, vão atrapalhar o resto do mundo;, dispara o gerente de câmbio da Treviso Corretora, Reginaldo Galhardo, que aparenta mais preocupação com uma possível crise de confiança do que com os efeitos comerciais da desvalorização do euro.

O economista-chefe da corretora Gradual, Pedro Paulo Silveira, considera o enfraquecimento da moeda fundamental no acerto das contas públicas na Zona do Euro. ;Encaro como a parte mais dinâmica na solução do problema global. Os europeus estão em uma enrascada. Para que os países desenvolvidos se recuperem num ritmo satisfatório, os emergentes terão que crescer um pouco menos;, analisa.

Para Silveira, o crescimento das exportações europeias e a redução das vendas externas nos países emergentes seria uma forma de evitar uma depressão mais profunda na Europa e de suavizar a expansão econômica exacerbada de economias em desenvolvimento. ;Essa troca possibilitaria um crescimento futuro sustentável;, estima.

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